segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Brasil está perdendo uma oportunidade de combater a corrupção, diz Moro - Por Felipe Recondo - Brasília


O juiz federal Sérgio Moro afirmou, em artigo publicado no jornal O Globo deste domingo, que o País está perdendo a oportunidade – criada pelas recentes investigações e pelo clima de mobilização social – de combater a corrupção que ele diz ser sistêmica.
Dentre as reformas necessárias, citou as propostas de alteração na lei que permitiriam a prisão imediata de um réu condenado em duas instâncias pelo cometimento de crime grave, independentemente de haver recursos pendentes em instâncias superiores.
Em nenhum ponto do texto, o juiz menciona as investigações da Operação Lava Jato, que apura desvio de recursos públicos em contratos com a Petrobras. Mas afirmou que um dos exemplos de corrupção sistêmica é a transformação do pagamento de propina em “regra do jogo”. Algo repetido pelos delatores da Lava Jato sobre os contratos com a Petrobras.
“O processo penal deve servir para absolver o inocente, mas também para condenar o culpado e, quando isso ocorrer, para efetivamente puni-lo, independentemente do quanto seja poderoso”, afirmou. “Para estes (os criminosos poderosos), o sistema de Justiça criminal é extremamente ineficiente. A investigação é difícil, é certo, para estes crimes, mas o mais grave são os labirintos arcanos de um processo judicial que, a pretexto de neutralidade, gera morosidade, prescrição e impunidade”, acrescentou. “Se a justiça criminal tratasse a corrupção com um terço de severidade com que lida com o tráfico de drogas, já haveria uma grande diferença”, continuou.
O problema, em parte, disse ele, não se deve à falta de regras, mas à interpretação feita pelos julgadores dos fatos e provas colhidas contra os “criminosos poderosos” no curso das investigações. “O exemplo do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) deve ser um farol a ser considerado por todos os juízes”, ponderou.
Moro argumentou haver uma tendência de responsabilização apenas do poder público – “como se a corrupção envolvesse apenas quem receber e não quem paga”. E lembrou que, além das iniciativas do Estado, os empresários podem se unir no combate à corrupção ou, isoladamente, denunciar a prática criminosa às instituições responsáveis por investigar práticas criminosas.
Lembrou, a título de exemplo, uma associação formada por empresas na Itália – o Addiopizzo – que se recusam a pagar propina. Recordou também o empresário italiano Libero Grassi, que denunciou a extorsão da máfia na Sicília na década de 90 e foi por isso assassinado.
“Não se pretende que empresários daqui paguem tão alto preço para tornarem-se exemplos, mas, por vezes, poderão se surpreender como a negativa e a comunicação às autoridades de prevenção, que podem mostrar-se eficazes”, escreveu.
E concluiu:

“O fato é que a corrupção sistêmica não vai ceder facilmente. Deve ser encarada de forma apropriada, não como uma fato da natureza, mas como um mal a ser combatido por todos. Os tempos atuais oferecem uma oportunidade de mudança, o que exige a adoção, pela iniciativa privada e pela sociedade civil organizada, de uma posição de repúdio à propina, e, pelo Poder Público, de iniciativas concretas e reais, algum ativismo é bem-vindo, para a reforma e o fortalecimento de nossas instituições contra a corrupção. Milhões já foram às ruas protestar contra a corrupção, mas não surgiram respostas institucionais relevantes. O tempo está passando e o momento, em parte, está sendo perdido”.

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