quarta-feira, 29 de maio de 2013

A REALIDADE DA TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO - BRANCA NUNES

O Brasil Real continua a sofrer com a falta d’água solucionada no Brasil Maravilha pela transposição do Rio São Francisco

BRANCA NUNES
“Além das ações emergenciais, estamos investindo em infraestrutura para garantir fornecimento estável de água mesmo em períodos de seca”, viajou Dilma Rousseff no programa Conversa com a Presidenta desta terça-feira, depois de lhe perguntarem o que tem feito o governo para enfrentar a maior seca dos últimos 50 anos. Já na decolagem, festejou os 6 mil carros-pipa imaginários e 296 mil cisternas de armazenamento de água para o consumo humano e 12 mil para a produção”.
Alcançou a estratosfera em seguida: “Em Pernambuco, são dezenas de obras do PAC para oferta de água, dentre as quais o Ramal do Agreste, que ligará o Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco à Adutora do Agreste, garantindo água para 68 municípios pernambucanos, incluindo Arcoverde”. No Brasil Maravilha que Lula fundou e Dilma não para de aperfeiçoar, a transposição das águas do Rio São Francisco está sempre a um passo da inauguração.
“A água desce por gravidade até uma estação de bombeamento, onde é transportada até um nível mais alto por energia elétrica”, informa o locutor federal no vídeo institucional sobre a obra, enquanto desfilam na tela imagens produzidas por computação gráfica. “Quando há alguma depressão no terreno, especialmente sobre os vales dos rios, o canal é convertido em um aqueduto que transpõe o vão como uma ponte”. Não é pouca coisa.
Mas não é tudo: “Como o canal passa por uma região muito seca, algumas tomadas de água serão criadas no caminho para atender as comunidades vizinhas”. E tem mais: “Ao longo do trajeto, a água é acumulada em reservatórios, onde ela pode seguir caminho, abastecer as populações próximas ou em alguns pontos usada para gerar energia elétrica”.
No Brasil real, as coisas são muito diferentes. “O projeto lembra hoje uma quilométrica passarela de retalhos na qual faltam costura e pedaços de tecido”, constatou uma reportagem publicada em abril pelo jornal O Globo.“Aquela que seria a rendição de 12 milhões de sertanejos não passa de um conjunto de canais desconectados, dutos enferrujados com ferros retorcidos e estação elevatória que parece um fantasma de concreto”.
Embora as obras não tenham chegado sequer à metade (o governo celebra “mais de 43% de avanço”), o preço dobrou. Os R$ 4,8 bilhões estimados em 2007 subiram para R$ 8,2 bilhões – dos quais R$ 3,6 bilhões já foram desembolsados. Também os prazos fixados originalmente foram desmoralizados pela realidade. Lula prometeu em 2006 que a transposição do São Francisco estaria concluída em 2010. Dilma promete entregar o colosso invisível em 2015.
Até agora, nenhum sertanejo foi beneficiado por uma única gota de mais um milagre brasileiro. “A firma foi-se embora. Começaram fazendo o serviço, depois abandonaram e tá desse jeito agora, só buraqueira”, conta Damião Serafim dos Santos, morador de Sertânia (PB), no vídeo publicado pela TV Estadão neste domingo (assista abaixo). Dentro de uma das valas onde deveria estar correndo a água do São Francisco, hoje retomada pela vegetação, Damião extrai a conclusão óbvia: “Agora tem que fazer tudo de novo”.
Os 9 mil funcionários que chegaram a trabalhar nos canteiros de obras foram reduzidos a 4,6 mil. “Tem dia que só aparecem três clientes”, disse ao GloboEliane Maria da Silva, ex-trabalhadora rural que montou um restaurante e chegou a vender 400 refeições por dia em Floresta, no interior de Pernambuco.
As obras que pegaram carona na transposição também enfrentam problemas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, a adutora do Alto Oeste, que já consumiu R$ 35 milhões, corre o risco de ficar sem serventia. O reservatório roça a fronteira do colapso. Quase 150 municípios potiguares castigados pela seca decretaram estado de emergência.
Caso visitasse os canteiros de obras, Dilma Rousseff descobriria que o que diz não tem semelhança alguma com o que se vê. E também encontraria sem esforço os miseráveis e desempregados que acabaram no Brasil Maravilha. Uma escala na pernambucana Curralinho, por exemplo, poderia proporcionar à presidente uma didática conversa com Rosalina Maria dos Santos. “Nós somos pobres”, garante Rosalinha, em frente à casa de pau a pique que emoldura a integrante de uma espécie oficialmente extinta. “Num lugar como esse aqui nós não temos emprego não. Não tem água para trabalhar na roça. Se nós tivesse água, nós trabalhava, mas nós não tem água”.
Terminada a viagem, é provável que Dilma Rousseff  recebesse com mais desconfiança os resultados das pesquisas de popularidade. Talvez até aprendesse que não é possível mudar a vida real por decreto.

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