Depois de Chávez ALDIR BLANC
N
o dia de sua posse, o presidente Hugo
Chávez estava ausente, provavelmente
lutando contra a morte num hospital de
Cuba depois de sua quarta operação para remover um tumor recorrente no abdômen. Em
esforços frenéticos para manter algo do carisma e da
autoridade de Chávez, enquanto a Venezuela afunda na desordem, seus mais próximos colaboradores
reuniram milhares de partidários em frente ao Palá-
cio Miraflores, em Caracas, e pediram-lhes que levantassem as mãos e fizessem este juramento:
“Juro, pela Constituição Bolivariana, que defenderei a presidência do Comandante Chávez nas ruas,
com bom senso, de forma verdadeira e com a força
da inteligência de um povo que se liberou do jugo
da burguesia.”
A genialidade de Chávez para a recompensa
psicológica, concedida a seus seguidores, não é
compartilhada por seus mais próximos colaboradores, que se encontraram em Havana com o alto-comando da Revolução Cubana dias antes da
data prevista para a posse, 10 de janeiro, para decidir o que fazer. O vice-presidente Nicolás Maduro esteve pelo menos cinco vezes com o presidente Raúl Castro e o vice-presidente Ramiro Valdés,
de Cuba, que por muitos anos dirigiram o aparato
de segurança do regime de Fidel Castro. Valdés
hoje supervisiona a massa de 40 mil cubanos enviados à Venezuela como médicos, instrutores esportivos, planejadores, assessores militares e
agentes, muitos dos quais estão incorporados às
Forças Armadas da Venezuela, aos ministérios do
Exterior e da Fazenda, portos, rede elétrica, banco
central e órgãos de inteligência.
Os cubanos também foram contratados para
criar passaportes eletrônicos e carteiras de
identidade, concentrando os dados pessoais
dos 30 milhões de venezuelanos. Muitos desses
serviços são pagos em espécie e em troca do fornecimento de mais de 100 mil barris diários de
petróleo a Cuba, a preços abaixo do mercado, o
que salvou a economia socialista cubana do colapso — ela vinha afundando para níveis próximos da subsistência.
A noção de uma “Cubazuela” emergente continua sendo uma questão delicada, especialmente entre os militares venezuelanos, apesar
dos expurgos dos oficiais ressentidos com a interferência cubana na vida nas Forças Armadas.
Em meio à confusão que hoje se aprofunda, não
se pode esquecer que a conspiração está no
DNA dos militares venezuelanos. O melhor
exemplo disso é a carreira de Chávez como
conspirador contumaz desde que era um jovem
oficial, nos anos 1970, até a tentativa de golpe de
1992, que o lançou em ascendência política.
Virtualmente todas as mudanças nas estruturas políticas da Venezuela nas últimas sete dé-
cadas — em 1945, 1948, 1958 e 1992, com alternância brusca entre ditadura e democracia —
foram precipitadas por levantes militares. Um
provérbio decorrente dessas experiências, ainda repetido hoje, é que o próximo golpe será liderado por jovens oficiais ou sargentos desconhecidos para o governo estabelecido.
Qualquer que seja o resultado imediato, a Venezuela continuará sendo uma sociedade polarizada no futuro previsível, e o chavismo, um
protagonista na política nacional, da mesma
forma que o peronismo segue sendo uma força
vital na Argentina seis décadas após a derrubada de Juan Domingo Perón, em 1955.
No entanto, a Venezuela hoje está ameaçada
por severa inflação, tendo desperdiçado quase
US$ 1 trilhão em receita do petróleo e empréstimos desde que Chávez ganhou a primeira elei-
ção, em 1998. A inflação ao consumidor, não
obstante controle de preços e maciços subsídios
à importação, deverá romper a meta oficial de
20% no ano. Há estimativas de que o déficit fiscal alcance 17% do PIB, obscurecido por fundos
à margem do orçamento acessíveis apenas a
Chávez e seus colaboradores mais próximos.
Até que Chávez retornasse a Cuba em dezembro
para sua última cirurgia, funcionários vinham
planejando uma grande desvalorização da moeda — o preço do dólar no mercado negro está
quatro vezes acima da cotação oficial.
Até agora, a Venezuela tem sido salva do colapso econômico pela alta dos preços do petró-
leo na última década. Apesar de se gabar de
uma das maiores reservas mundiais de petró-
leo, a produção venezuelana caiu de 3,2 milhões de barris por dia em 1998 para 2,4 milhões
hoje, devido a politicagem, má administração e
corrupção na empresa estatal.
A PDVSA, a estatal petrolífera, gerou oito novas subsidiárias para entrar nas áreas de construção civil e na produção, importação e distribuição de comida, expandindo sua folha de pagamentos de 39 mil para 115 mil desde 2002, a
despeito de ter despedido 22 mil pessoas, incluindo a maior parte de sua equipe técnica e gerencial, que entraram em greve em 2002 em
protesto contra a politização da companhia.
A Venezuela se tornou um dos maiores importadores de gasolina e diesel dos EUA, após uma
série de grandes acidentes em suas refinarias e
outras instalações, atribuídos a manutenção insuficiente, que também responde por blecautes
elétricos crônicos em todo o país. O maior sintoma de desordem social é a epidemia de assassinatos e sequestros, que tornou Caracas uma das
cidades mais perigosas do mundo e triplicou a
taxa nacional de homicídios desde 1998 para
mais de 50 em cada 100.000 pessoas.
A Venezuela representa uma advertência para
o resto da América Latina a respeito do custo da
degradação e a falência das instituições públicas. A história da Venezuela descreve o impacto
da receita ascendente do petróleo em institui-
ções fracas, agravado pela rápida urbanização.
Depois que Chávez se for, a Venezuela continuará sobrecarregada pela pobreza e pelo conflito,
até que iniciativas coerentes sejam desenvolvidas em esforços a longo prazo para superar a
desordem e a polarização.
No momento, a economia está em frangalhos
enquanto muitos potenciais sucessores, civis e
militares, competem para assumir um legado
duvidoso. Parte deste legado é a divisão das tendências democráticas na América Latina entre
regimes populistas com instituições fracas — como em Venezuela, Bolívia, Argentina e Equador
—, e repúblicas mais cautelosas — como Chile,
Peru, Colômbia e México —, que lutam por estabilidade, crescimento e justiça social via engajamento mais profundo na economia mundial. l
Norman Gall é
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