sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

"Cinquenta anos de ilusões", por Nelson Motta


O Globo

Afinal, para que um partido político precisa de uma diretoria da Caixa Econômica ou da Petrobras? Para boa coisa não pode ser


Cinquenta anos depois, me revejo em uma velha foto da Passeata dos Cem Mil, ao lado de Chico Buarque, Edu Lobo, Arduíno Colassanti e Dina Sfat, carregando cartazes contra a ditadura na Avenida Rio Branco. Um dia inesquecível. Parecia o início de uma virada e uma nova era. Mas era o começo do fim das ilusões, rumo ao AI-5.

Os sonhos de 1968 se tornavam um pesadelo que durou até 1985. O novo sonho era que o fim da ditadura resolveria todos os nossos problemas. Que bastariam liberdade e democracia para construir o país de nossos sonhos. Só que não. A ditadura caiu de podre, nos legando um país modernizado, mas falido e corrompido. As estatais, paixão nacionalista da ditadura e da esquerda, e fonte inesgotável de corrupção e politicagem, cresceram e se multiplicaram.

Eram nobres os sonhos libertários de 1968, acreditava-se que beneficiariam a todos, pobres e oprimidos, mulheres, negros, gays. Mas não para nos submetermos a novas formas de servidão e autoritarismo, como queria uma minoria de sonhadores, que tentaria, de armas na mão, não só derrubar a ditadura, mas estatizar radicalmente a sociedade e os meios de produção. Os propósitos podiam ser generosos, mas o desastre era certo. E seria ainda maior, na hipótese absurda de vencerem.

Os guerreiros do povo brasileiro, vários deles líderes de 68, perderam. Não só envelheceram, ficaram antigos. Quem quer um país com o Estado-patrão controlando tudo e todos?

Os escândalos recentes provam que a desgraça das estatais são as nomeações políticas. 

Quadrilhas organizadas como na Petrobras e na Caixa Econômica jamais aconteceriam em uma empresa privada, onde só valem a competência e a produtividade. É o óbvio ululante, só não vê quem não quer.

Quando chamam as estatais de “patrimônio do povo brasileiro”, é enganação para mantê-las privatizadas para seus partidos, fraudando eleições e se mantendo no poder. Afinal, para que um partido político precisa de uma diretoria da Caixa Econômica ou da Petrobras? Para boa coisa não pode ser.

Sessenta e oito é só um retrato na parede, mas não dói, só faz sorrir de nosso idealismo e inocência.

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