Encanamentos - GUSTAVO FRANCO
ESTADÃO 31/07
Os que sofrem de insônia sabem como é penoso quando o sono termina às 3 da manhã e é preciso esperar o dia começar, sem muita alternativa. Passam-se longas horas de um descanso meio dolorido, quando a mente procura se organizar, planejar o dia, refletir sobre o sentido da vida, tudo misturado com os sonhos e pesadelos de uma noite mal dormida.
Assim estamos todos, esperando já despertos a homologação definitiva do afastamento de Dilma Rousseff e o encerramento oficial de um dos mais nefastos episódios de experimentalismo econômico que a nossa história registra.
A tragédia econômica, como se sabe, terá como apogeu a pior recessão da nossa história, medida pela sequência de quedas no PIB em 2015 e 2016, superando a Grande Depressão. É um recorde, numa modalidade sombria, a dos fracassos, e não há atenuante, nenhuma crise ou choque externo, tampouco bodes expiatórios. Pobre Guido Mantega, diante de cuja disciplina é mais correto contar seus dias no Ministério da Fazenda como vacância do que lhe atribuir a autoria de feitos urdidos pela chefia. Não deve haver nenhuma dúvida sobre quem mandava, e como as coisas eram conduzidas.
Pode-se contar a história de Dilma Rousseff, na melhor versão, ainda que um tanto inverossímil, como um fracasso econômico honesto. Ideias heterodoxas, genuinamente de esquerda, com tonalidades brizolistas e taninos populistas, implementada por subordinados descritos como “radicais porém sinceros”, uma expressão consagrada no governo militar para conferir indulgência a alguns psicopatas disparando fogo amigo.
Porém, esse voluntarismo inflacionista vago – não consigo descrever de outra forma – confrontava diretamente instituições e práticas estabelecidas com muito esforço a partir do Plano Real, quando o País venceu a hiperinflação, reconstruiu um bem social de valor inestimável, a sua moeda, sobretudo ao criar impedimentos para as condutas fiscais e monetárias que geravam a doença. A ressurreição das mesmas práticas danosas do passado, enfeitada por uma designação tecnocrática vazia (a Nova Matriz Macroeconômica), e oculta inicialmente por uma supostamente inofensiva “contabilidade criativa”, evoluiu para atropelamentos, jeitinhos e ilegalidades flagrantes com efeitos relevantes no processo eleitoral. As contas do governo federal foram rejeitadas pelo TCU, que felizmente não é o de outros tempos, e assim começou o processo de impeachment.
É curioso que os piores feitos da presidente não façam parte do processo formal de impeachment, como a destruição da Petrobrás, na qual teve responsabilidade direta, e suas conexões, aí incluída a omissão deliberada, com as quadrilhas envolvidas na Lava Jato que drenaram ao menos R$ 6 bilhões, conforme reconhecido no balanço da empresa, para a corrupção e para a campanha do PT. Note que o TST registra que a campanha presidencial de Dilma custou menos de R$ 300 milhões.
Felizmente, a partir de certo ponto, o julgamento do impeachment se torna político, o que introduz uma subjetividade por onde os senhores parlamentares podem apreciar o conjunto da obra, inclusive o temperamento a la Trump e o descuido com o idioma, que deu novos sentidos ao verso de Fernando Pessoa: “A gramática é mais perfeita que a vida. A ortografia é mais importante que a política”.
Para o bem do País, ela já podia ter renunciado, e acabado com “essa agonia”, nas palavras dela, em vez de vagar sonâmbula, cada vez menor, perdendo o nosso tempo. Seria ótimo adiantar o relógio, pois há muito o que fazer e as coisas importantes, segundo se espera, serão anunciadas apenas após o fim da “interinidade” de Michel Temer em agosto. Teremos a Olimpíada para nos distrair, tomara que tudo corra bem e que não passemos mais vexames, mas a economia vai contando os minutos ansiosa, carente, querendo ser feliz.
Por ora, enquanto o dia amanhece, já é possível enxergar uns vultos importantes que o nevoeiro ideológico vinha mantendo encobertos. Já se fala com sobriedade e equilíbrio sobre reformas trabalhistas, na Previdência e em privatizações. E também, entre tantas possibilidades, em mudar o absurdo funcionamento do FGTS, eliminar o imposto sindical, lipoaspirar o sistema “S”, rever a gratuidade das universidades públicas. Quem sabe também terminem com a Hora do Brasil, com a tomada de três pinos (que merecia uma CPI) e com o serviço militar obrigatório!
Subitamente, o horizonte ficou limpo, tudo é possível, ou ao menos discutível, e as pessoas, ao menos os visionários, querem acelerar o tempo, mudanças e “disrupção”, palavra ainda inexistente, ou dicionarizada, para descrever “destruição criadora”. Abriu-se a janela para “reformas”, na política e na economia, e parece haver demanda para diversos “Uber”, um para cada igrejinha, cartório e monopólio existente no País. Que bom seria ter um Uber para os partidos políticos, outro para a legislação trabalhista, e para os impostos, os bancos. O País precisa de competição, meritocracia, produtividade e do primado do talento, e não mais da tutela mal-intencionada do Estado, sempre disposto a promover um assistencialismo mal-ajambrado, onde as segundas intenções são mais importantes que as primeiras.
As autoridades econômicas parecem dispor de efetiva autonomia para formular as “reformas”, e as dúvidas sobre isso deveriam ser espancadas logo, admitindo-se a vigência de uma lição básica de Itamar Franco: a economia não é tudo, mas é quase, e nenhum governo vai conseguir atravessar a rua se a economia não estiver arrumada. E, para isso, observada a sabedoria australiana recente, é preciso encanadores, e não cangurus.
A equipe econômica de Michel Temer se tornou seu melhor ativo, sua face mais bonita e seu passaporte para o futuro, se, evidentemente, puder trabalhar com liberdade, desligada das métricas políticas clássicas, e equivocadas, do que é “popular”. Em vista da máxima, amplamente comprovada, segundo a qual nada é mais bem-sucedido que o sucesso, segue-se que nada é mais popular que a prosperidade econômica duradoura sustentável. O pior inimigo da mesma, tenha-se claro, é a prosperidade efêmera criada por vigarices populistas, tentação permanente nas terras altas do Brasil central.
Por ora, só se pode aguardar. As verdadeiras competições de saltos não necessariamente ornamentais sobre obstáculos difíceis, de arremesso de martelos, aparelhos e outras velharias corporativistas e de ginástica política verdadeiramente intensa começam mesmo em agosto
Os que sofrem de insônia sabem como é penoso quando o sono termina às 3 da manhã e é preciso esperar o dia começar, sem muita alternativa. Passam-se longas horas de um descanso meio dolorido, quando a mente procura se organizar, planejar o dia, refletir sobre o sentido da vida, tudo misturado com os sonhos e pesadelos de uma noite mal dormida.
Assim estamos todos, esperando já despertos a homologação definitiva do afastamento de Dilma Rousseff e o encerramento oficial de um dos mais nefastos episódios de experimentalismo econômico que a nossa história registra.
A tragédia econômica, como se sabe, terá como apogeu a pior recessão da nossa história, medida pela sequência de quedas no PIB em 2015 e 2016, superando a Grande Depressão. É um recorde, numa modalidade sombria, a dos fracassos, e não há atenuante, nenhuma crise ou choque externo, tampouco bodes expiatórios. Pobre Guido Mantega, diante de cuja disciplina é mais correto contar seus dias no Ministério da Fazenda como vacância do que lhe atribuir a autoria de feitos urdidos pela chefia. Não deve haver nenhuma dúvida sobre quem mandava, e como as coisas eram conduzidas.
Pode-se contar a história de Dilma Rousseff, na melhor versão, ainda que um tanto inverossímil, como um fracasso econômico honesto. Ideias heterodoxas, genuinamente de esquerda, com tonalidades brizolistas e taninos populistas, implementada por subordinados descritos como “radicais porém sinceros”, uma expressão consagrada no governo militar para conferir indulgência a alguns psicopatas disparando fogo amigo.
Porém, esse voluntarismo inflacionista vago – não consigo descrever de outra forma – confrontava diretamente instituições e práticas estabelecidas com muito esforço a partir do Plano Real, quando o País venceu a hiperinflação, reconstruiu um bem social de valor inestimável, a sua moeda, sobretudo ao criar impedimentos para as condutas fiscais e monetárias que geravam a doença. A ressurreição das mesmas práticas danosas do passado, enfeitada por uma designação tecnocrática vazia (a Nova Matriz Macroeconômica), e oculta inicialmente por uma supostamente inofensiva “contabilidade criativa”, evoluiu para atropelamentos, jeitinhos e ilegalidades flagrantes com efeitos relevantes no processo eleitoral. As contas do governo federal foram rejeitadas pelo TCU, que felizmente não é o de outros tempos, e assim começou o processo de impeachment.
É curioso que os piores feitos da presidente não façam parte do processo formal de impeachment, como a destruição da Petrobrás, na qual teve responsabilidade direta, e suas conexões, aí incluída a omissão deliberada, com as quadrilhas envolvidas na Lava Jato que drenaram ao menos R$ 6 bilhões, conforme reconhecido no balanço da empresa, para a corrupção e para a campanha do PT. Note que o TST registra que a campanha presidencial de Dilma custou menos de R$ 300 milhões.
Felizmente, a partir de certo ponto, o julgamento do impeachment se torna político, o que introduz uma subjetividade por onde os senhores parlamentares podem apreciar o conjunto da obra, inclusive o temperamento a la Trump e o descuido com o idioma, que deu novos sentidos ao verso de Fernando Pessoa: “A gramática é mais perfeita que a vida. A ortografia é mais importante que a política”.
Para o bem do País, ela já podia ter renunciado, e acabado com “essa agonia”, nas palavras dela, em vez de vagar sonâmbula, cada vez menor, perdendo o nosso tempo. Seria ótimo adiantar o relógio, pois há muito o que fazer e as coisas importantes, segundo se espera, serão anunciadas apenas após o fim da “interinidade” de Michel Temer em agosto. Teremos a Olimpíada para nos distrair, tomara que tudo corra bem e que não passemos mais vexames, mas a economia vai contando os minutos ansiosa, carente, querendo ser feliz.
Por ora, enquanto o dia amanhece, já é possível enxergar uns vultos importantes que o nevoeiro ideológico vinha mantendo encobertos. Já se fala com sobriedade e equilíbrio sobre reformas trabalhistas, na Previdência e em privatizações. E também, entre tantas possibilidades, em mudar o absurdo funcionamento do FGTS, eliminar o imposto sindical, lipoaspirar o sistema “S”, rever a gratuidade das universidades públicas. Quem sabe também terminem com a Hora do Brasil, com a tomada de três pinos (que merecia uma CPI) e com o serviço militar obrigatório!
Subitamente, o horizonte ficou limpo, tudo é possível, ou ao menos discutível, e as pessoas, ao menos os visionários, querem acelerar o tempo, mudanças e “disrupção”, palavra ainda inexistente, ou dicionarizada, para descrever “destruição criadora”. Abriu-se a janela para “reformas”, na política e na economia, e parece haver demanda para diversos “Uber”, um para cada igrejinha, cartório e monopólio existente no País. Que bom seria ter um Uber para os partidos políticos, outro para a legislação trabalhista, e para os impostos, os bancos. O País precisa de competição, meritocracia, produtividade e do primado do talento, e não mais da tutela mal-intencionada do Estado, sempre disposto a promover um assistencialismo mal-ajambrado, onde as segundas intenções são mais importantes que as primeiras.
As autoridades econômicas parecem dispor de efetiva autonomia para formular as “reformas”, e as dúvidas sobre isso deveriam ser espancadas logo, admitindo-se a vigência de uma lição básica de Itamar Franco: a economia não é tudo, mas é quase, e nenhum governo vai conseguir atravessar a rua se a economia não estiver arrumada. E, para isso, observada a sabedoria australiana recente, é preciso encanadores, e não cangurus.
A equipe econômica de Michel Temer se tornou seu melhor ativo, sua face mais bonita e seu passaporte para o futuro, se, evidentemente, puder trabalhar com liberdade, desligada das métricas políticas clássicas, e equivocadas, do que é “popular”. Em vista da máxima, amplamente comprovada, segundo a qual nada é mais bem-sucedido que o sucesso, segue-se que nada é mais popular que a prosperidade econômica duradoura sustentável. O pior inimigo da mesma, tenha-se claro, é a prosperidade efêmera criada por vigarices populistas, tentação permanente nas terras altas do Brasil central.
Por ora, só se pode aguardar. As verdadeiras competições de saltos não necessariamente ornamentais sobre obstáculos difíceis, de arremesso de martelos, aparelhos e outras velharias corporativistas e de ginástica política verdadeiramente intensa começam mesmo em agosto
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