Pequenas empresas e caos tributário - MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
Mais um retalho pode ser acrescentado à complexa colcha do sistema tributário. Trata-se do projeto de lei complementar aprovado pelo Senado, ora sob apreciação da Câmara, que impede o uso da substituição tributária nas vendas às micros e pequenas empresas optantes do Simples Nacional. O Simples facilita o pagamento de tributos, enquanto a substituição tributária permite aos estados antecipar a receita do ICMS, cobrando-o no primeiro elo de uma cadeia produtiva. A nova lei será um alívio para tais empresas, mas agravará o caos tributário.
Benjamin Franklin (1706-1790) disse que “neste mundo nada é certo, salvo a morte e os impostos”. Sugeria simplicidade na cobrança de impostos. Para Albert Einstein (1879-1955), “a coisa mais difícil de entender no mundo é o imposto de renda”. Ele se referia aos Estados Unidos, cujas regras tributárias federais ocupam 74.000 páginas, a maioria sobre o imposto de renda. Dificilmente o contribuinte americano prepara sua declaração anual sem recorrer a especialistas. O Cato Institute estima que haja mais de 1,2 milhão de contadores, advogados e outros prestando o serviço por lá.
O imposto de renda americano é muito complicado, mas a tributação do consumo é relativamente simples, na maior parte incidente apenas na venda ao consumidor (sales tax). No Brasil é o contrário. O imposto de renda é relativamente fácil de declarar, mas os impostos sobre o consumo, que importam para a eficiência, são terrivelmente complexos.
Até a II Guerra, os impostos sobre o consumo se incorporavam ao custo dos bens e serviços, incidindo em cascata sobre eles mesmos. Geravam ineficiências. As empresas tinham ganhos tributários se adquirissem menos bens e serviços de terceiros. Produzir tudo ou quase tudo economizava tributos, mas inibia a especialização, que é fonte de competitividade.
A solução nasceu na França, em 1948, com o método do imposto sobre o valor agregado (IVA), o qual incide apenas sobre o que se adiciona ao bem ou serviço. Tributa-se a venda e desconta-se o valor pago nas etapas anteriores. Uma revolução. Para Isaías Coelho, dedicado estudioso do tema, o IVA “foi uma das maiores inovações das finanças públicas no século XX”. Os ganhos de eficiência foram incomensuráveis.
Na reforma de 1965, o Brasil adotou o citado método antes da maioria dos países europeus. Optamos, infelizmente, por dois IVAs, um federal (IPI) e outro estadual (ICM, depois ICMS), e por um imposto municipal em cascata (ISS). Aplicado em várias jurisdições, o ICM requeria harmonização de regras, como na União Europeia. Até 1988, existiu a harmonização, mas a nova Constituição concedeu aos estados a liberdade de legislar sobre o tributo. Mais do que desarmonia, virou bagunça.
Ao mesmo tempo, a União criou tributos sobre o consumo que pioraram a situação. Os exportadores acumulam créditos que não recebem. Perdem competitividade. A substituição tributária, nascida para evitar a sonegação em poucos produtos, se generalizou e já representa 30% da arrecadação do ICMS. Na prática, é uma cascata.
O sistema ficou inviável para empresas menores, que não têm estrutura para assimilar sua complexa e mutante teia de regras. A saída foi o Simples Nacional, que é justificável mas adicionou novas distorções. O Simples não gera créditos para etapas subsequentes, transformando-se em outra modalidade de tributação em cascata. As empresas optantes tendem a ser evitadas como fornecedores de empresas exportadoras. O Simples inibe a expansão das micros e pequenas empresas, já que podem ser desenquadradas do regime diferenciado e migrar para o inferno tributário. A nova lei que as beneficia elevará custos, pois obrigará quem vende a elas a identificar sua classificação em cada operação.
Já tarda uma reforma para racionalizar o sistema tributário, incluindo a revisão do tratamento diferenciado às empresas menores, que se restringiria a casos limitados, como em outros países. A maioria delas poderia, então, cumprir obrigações tributárias como outra qualquer e alimentar o sonho de ser grande. Se a Microsoft e a Apple tivessem nascido no Brasil de hoje, talvez continuassem pequenas e desconhecidas.
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