quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A QUEDA DE BRAÇO LUIZ FELIPE LAMPREIA


Teerã é uma enorme capital de mais de oito milhões de habitantes, enquadrada pelas montanhas Alborz e pelo deserto central iraniano. Os persas que nela habitam consideram-na orgulhosamente uma digna herdeira da sede do Império Aquemênida. Em seu apogeu no século quinto a.C., com Ciro o Grande, este domínio abrangia o Oriente Médio e todas as regiões ao redor do Mar Negro. O atual regime teocrático e militarista certamente tem a aspiração de recriar este império, ainda que com uma roupagem mais moderna. No rosto da maioria dos iranianos que vemos na televisão está estampada esta determinação fanática de afirmação nacional. Mas poucas nações modernas chegaram a um grau de isolamento comparável. Exceção feita à Rússia, o Irã é um país sem amigos relevantes no mundo. A queda de braço entre as potências ocidentais e o Irã é a questão global mais grave do momento. Do resultado, dependerá o futuro político do Oriente Médio, o controle do petróleo da Península Arábica e a segurança de Israel. Depois da retirada das tropas americanas do Iraque, Teerã ganhou uma vantagem estratégica no Oriente Médio, já que consolidou uma influência decisiva nesse país-chave de maioria igualmente xiita. Acoplada ao grande peso que tem junto ao Hezbollah no Líbano e ao Hamas em Gaza, tal vantagem permite ao Irã avançar mais adiante no xadrez geopolítico da região do que nunca. A marcha batida rumo à posse de armas nucleares sublinha a determinação tanto de dotar-se de condições de dissuasão contra ataques de inimigos, como a ambição de usar este poderoso argumento para influir mais no seu entorno, em particular no mundo árabe e no âmbito global do petróleo. Não é possível saber ao certo qual o grau de adiantamento do programa nuclear iraniano, embora ninguém com algum realismo duvide de que o objetivo é chegar à posse de armas de destruição de massa. O Irã pode estar muito perto ou não tanto dessa meta. As sanções podem estar funcionando para atrasar o programa mas podem não estar realmente abalando a determinação iraniana. As campanhas secretas para eliminar cientistas iranianos importantes podem ter afetado ou não seriamente as atividades de pesquisa e desenvolvimento. Mas nenhuma pessoa e, muito menos, nenhum governo ocidental pode deixar de encarar as piores hipóteses. Que acontecerá então? Está afastada a ideia de uma negociação com o Irã. Todas as vias diplomáticas foram exploradas em vão e o Irã furtou-se sempre a aceitar uma renúncia séria e verificável às suas instalações nucleares pela Agência Internacional de Viena. O Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos e seus aliados europeus já atravessaram este Rubicão. Descarte-se igualmente, pelo menos no momento, a ideia, algumas vezes suscitada, de um ataque aéreo israelense e/ou americano. Seria uma operação de altíssimo custo político e militar, além de ter resultados incertos, que colocaria a região e o mundo inteiro em polvorosa, em abismo insondável. Alguns comentaristas, como Fareed Zakaria, da CNN, já afirmaram que um Irã atômico teria que ser objeto de coexistência, como a URSS no passado, pois apenas usaria as bombas como instrumento de dissuasão e influência. Este argumento ignora por completo, contudo, vários riscos potenciais gravíssimos — como a provável proliferação de armas nucleares na Arábia Saudita, na Turquia e no Egito, o fornecimento de materiais nucleares iranianos a países como a Venezuela ou a movimentos como Hezbollah e Hamas, entre outros. Por outro lado, não há como saber quanto tempo Israel e os Estados Unidos acompanharão, sem reagir militarmente, o desenrolar do programa atômico do Irã. Tampouco se conhece o real efeito das sanções já em ação ou o impacto dos recentes atos violentos de sabotagem sobre o programa nuclear iraniano. Todas estas questões vão ocupar o primeiro plano das atenções internacionais e constituem um dos temas mais importantes da agenda global dos próximos anos. Porém, o duelo estratégico em que o Irã decidiu empenhar-se não tem resultado previsível, hoje. O pior cenário, que infelizmente não é possível descartar, é assustador: petróleo a 250 dólares, convulsão no mundo árabe, fortes crises militares no Golfo Pérsico, riscos graves para Israel, colapso do regime de não proliferação multilateral. Isto não é ficção científica, vimos um filme parecido em 1973. Esperemos que, por desígnio, exasperação ou acidente, deste duelo não resulte uma confrontação que tenha efeitos tão graves para a paz e a economia mundiais. Se não podemos dizer que o tempo é da diplomacia, pelo menos resta esperar que a marcha da folia possa ser interrompida antes do abismo. 
LUIZ FELIPE LAMPREIA foi ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso.

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