Falsas verdades
Ficar repondo os fatos é cansativo, mas é inevitável para quem tem por dever de ofício acompanhar o dia a dia da economia brasileira há três décadas. O que o PT tem dito sobre dívida externa brasileira, por exemplo, é falso, mas parece verdade. O governo anterior de fato pegou um empréstimo no FMI, mas 80% dele foram deixados para ser sacados no governo Lula.
A dívida externa deixada pelos militares foi renegociada por Pedro Malan no começo dos anos 90. Durante as crises cambiais, houve novos socorros do Fundo ao Brasil e a todos os países que enfrentaram esses terremotos.
Em 2002, o cenário foi perturbado pela incerteza política sobre o que seria o governo Lula. A dúvida havia sido alimentada pelo próprio então candidato Lula durante todos os anos em que fez propostas econômicas amalucadas, em que ameaçava um arrasa-quarteirão na famosa frase “contra tudo isso que está aí.”
Os detalhes do programa do PT eram ainda piores: não pagamento da dívida externa e interna, ou de uma tal auditoria. Nada disso foi jamais feito, mas naquele momento o governo Fernando Henrique precisou vender títulos indexados ao dólar para o mercado interno e pegar um empréstimo no FMI. Foi esse clima de incerteza que elevou o dólar e por isso a dívida subiu; os investidores tiraram dinheiro do país, as linhas de crédito encurtaram. O objetivo do empréstimo era ter um colchão que permitisse uma transição tranquila para o novo governo.
Na crise de 2008, em poucos meses o dólar subiu de R$ 1,55 para R$ 2,44, as linhas externas de crédito sumiram, o Banco Central precisou oferecer dólares das reservas ao mercado financeiro e empresas foram salvas com empréstimos do BNDES ou Banco do Brasil. Isso poderia ter ensinado ao governo Lula que ventos mudam às vezes, não por culpa do governo. A crise que Lula enfrentou veio de fora, a de FHC naquele final foi motivada pela incerteza da transição.
As autoridades do governo FHC tiveram que garantir que o novo governo respeitaria os contratos e pagaria a dívida. Uma parte pequena foi sacada naquele momento e as outras parcelas foram deixadas para serem sacadas pelo governo Lula, caso ele tivesse dificuldades no início.
Ele teve sim, mas a atuação firme da dupla Palocci e Meirelles afastou os fantasmas que haviam sido invocados pelo próprio PT. Depois que ficou claro que as ideias de centralização cambial, suspensão do pagamento de dívida, fim das metas de inflação e da Lei de Responsabilidade Fiscal não eram para valer, a situação se acalmou. Palocci-Meirelles deixaram claro que não aceitariam a alta da inflação. Na Fazenda, foram elevadas as metas de superávit primário, e no Banco Central, as taxas de juros. Isso era o oposto do receituário defendido em sucessivas campanhas. Mas foi pela firmeza dos dois, e essas escolhas, que a inflação que havia subido de 6% para 12% voltou a cair.
Foi uma história de um país maduro e inteligente, que provou, naquela transição, que um governo de oposição era capaz de arquivar seu antigo programa para manter o que havia sido conquistado no anterior; em que um governo que perde eleição negocia um empréstimo para ser sacado pelo novo presidente. No reducionismo do seu antes/depois, o atual governo emburrece o debate, falsifica os fatos, pega retalhos da história para tecer uma mentira.
Ninguém com um mínimo de honestidade intelectual conseguirá tirar do ex-presidente Fernando Henrique o mérito de ter começado a estabilização como ministro no governo Itamar Franco, e consolidado nos seus dois mandatos. Por ser bem sucedido, o plano chacoalhou toda a economia, quebrou os bancos, criou desafios que o governo FHC teve que enfrentar num contexto de crise externa.
Foi mais fácil para o governo Lula fazer a colheita. Ele encontrou a terra arada, e sementes germinando. Poderia ter destruído tudo, se ouvisse alguns dos seus conselheiros, mas teve o mérito de ouvir os conselhos certos. O país ganhou e pôde passar para suas outras tarefas como a da inclusão social. Mas aí de novo é incontornável em qualquer série histórica ver que a primeira grande queda da pobreza aconteceu entre o final do governo Itamar e o começo do governo Fernando Henrique como resultado do controle da inflação. Como é fácil constatar que uma nova grande queda do percentual de pobres aconteceu no governo Lula. A formação da nova classe média brasileira ocorreu em duas etapas. Todos os dados de patamar de consumo trazem essa história.
Tudo isso não deveria estar em debate por ser matéria vencida, vitória conquistada, etapa cumprida. O Brasil deveria estar pensando em como enfrentar problemas futuros de curto e longo prazo. O dólar derrete e isso afeta a produção brasileira num contexto internacional que tira cada vez mais força da moeda americana. A carga tributária aumentou quase dez pontos percentuais do PIB no período dos governos FHC e Lula, a população envelhece e as mudanças que os dois propuseram na previdência foram esvaziadas pelo Congresso. Como enfrentar isso? Ninguém diz, porque o debate está dominado por falsas questões.
muito bem FAE,tái um texto esclarecedor,sem demagogia,sem palanques que demonstra a contra-gosto o legado de FHC e LULA,mostrando que o legado de LULA é superior por motivos óbvios,são textos assim que servem para discernirmos quem é quem na política nacional,parabéns.
ResponderExcluireinstein,recife/PE