Muito tem se falado sobre o golpe militar e o regime que
resultou. Logo agora que o presidente recomendou que o regime fosse comemorado
dentro dos quartéis, ou mesmo fosse incentivado debates e discussões como
palestras nos mesmos, na data em que foi desencadeado.
Pululam nas redes sociais debates acalorados sobre o que a
direita chama de a redentora, e a esquerda de golpe militar fascista.
Evidentemente, pelas paixões suscitadas, as narrativas não correspondem os
fatos históricos em questão. Afinal a conjuntura internacional, e o
acirramento da crise econômica do governo Goulart, favoreceu a radicalização e
a intervenção militar. Porém, a esquerda
também era totalitária, e a revolução cubana teve um importante papel na época.
Ademais a própria revolução cubana foi contrária a política soviética para a
América Latina de não revolução, mas de uma aliança da esquerda com os setores
ditos nacionalistas contra o imperialismo americano. Fidel ao tomar o poder
teve inclusive apoio dos Estados Unidos, e só depois, mais precisamente em
1960, declarou a revolução socialista e o alinhamento com a União Soviética.
Do ponto de vista da esquerda, a revolução cubana mostrou que
a revolução poderia surgir com o que poderíamos chamar de voluntarismo
revolucionário, em poucas palavras, da vontade e disposição de grupos
guerrilheiros, em tomar o poder pela luta armada, contrariando as orientações
de Moscou. Aliás já havia um rompimento da URSS com o stalinismo com o famoso
XX congresso do partido em 1956, que aqui redundaria na divisão do PCB, em duas
alas inconciliáveis. O PCB alinhado a Moscou, e o PC do B, alinhado ao
stalinismo e depois com o maoísmo.
O clima depois da renúncia de Jânio Quadros era de
radicalização política. Naquele tempo, era permitido votar em candidatos
distintos para presidente e vice. Assim, Jango foi eleito vice de Jânio. Ou
seja, um presidente de direita, ou pelo menos alinhado com os conservadores, e
um vice de esquerda. A renúncia, depois de sete meses de governo, acirraria a
crise, pois quando Jânio renunciou, Jango estava justamente em visita à China
comunista. Com a renúncia houve uma grande resistência à posse do vice,
resultando na adoção do parlamentarismo, logo abortado com um movimento pela
legalidade capitaneado por Brizola, um dos autoproclamados herdeiros do
varguismo.
A radicalização política aumentou, juntamente com a guerra
fria. Grupos castristas a maoístas, treinavam e formavam guerrilheiros em Cuba
e na China, enquanto militares conspiravam. A crise econômica acirrou os
ânimos, colocando lenha na fogueira. Aqui em Pernambuco surgia as ligas
camponesas comandadas pelo advogado Francisco Julião, e o governador era Miguel
Arraes, que foi, corretamente um legalista, e anti radical. A direita, comandava
um grande movimento cívico, com a intensa participação da Igreja católica,
arrastando multidões às ruas das grandes cidades, sobretudo o Rio de Janeiro.
Quem desencadeou o estopim foi o general Mourão Filho,
partindo com tanques de Juiz de Fora, numa ação impetuosa e voluntarista, pois
os conspiradores foram pegos de surpresa. Como não houve reação do então
proclamado esquema militar de Jango, do general Assis Brasil, os militares,
juntamente com amplos setores da sociedade civil e muitos políticos, foram
aderindo ao golpe, saindo da tocaia. E tudo aconteceu depois de um comício de
Jango na estação central do Brasil, onde o mesmo radicalizou o discurso,
bradando para o que a esquerda chamava de reformas de base. E como não houve
resistência, os golpistas tomaram o poder, prometendo eleições presidenciais,
em 1966. A maioria dos políticos apoiaram o golpe, como Juscelino, e Carlos
Lacerda, que seriam os principais concorrentes. Os dois foram cassados
posteriormente, pois os golpistas transformaram o governo num regime militar, uma ditadura que foi se
radicalizando, por vinte anos, até a abertura promovida pelo general Ernesto Geisel,
quando o regime já estava se desmoralizando pela crise econômica, causada
sobretudo pela crise do petróleo em 1973.
Foi numa ditadura envergonhada, nem tanto de direita, mas de
cunho positivista, como aliás é a base de nossa malfadada república. Os radicais
de esquerda contribuíram consideravelmente pela radicalização política, quando
em 1968 foi dado um golpe dentro do golpe, com o endurecimento do regime.
Evidentemente houve violência de ambas as partes, do governo e dos terroristas,
que pregavam a ditadura comunista no país. Evidentemente perderam os
democratas, que experiemetaram o gosto amargo da repressão política e da
censura à imprensa.
Os militares fizeram uma verdadeira revolução econômica,
investindo maciçamente em infra estrutura, alavancando a economia de uma forma
excepcional. Durante o governo Médici, o mais duro na repressão, o Brasil
chegoiu a crescer 12% ao ano. Nossa economia passou da quadragésima a oitava no
ranking mundial. Se tivéssemos eleições
diretas, Médici ganharia com cerca de 80% dos votos, dada a sua imensa popularidade.
Como bons positivistas, os milicos não roubaram, mas,
digamos, fizeram a cama para roubarem no futuro. Encheram o país de estatais, e
pasmem: As oposições ainda chamavam o governo de entreguista e anti
nacionalista.
O regime militar deve ser analisado pelos historiadores,
enfim. As esquerdas, depois no poder com a redemocratização, criaram a
narrativa de que os integrantes da luta armada foram mártires pela democracia. Narrativa
ridícula amplamente desmentida por historiadores de esquerda como Jacob
Gorender. Pintaram a ditadura como, fascista, e extremamente brutal em sua repressão.
O aparato repressivo foi devidamente desmontado por Geisel que enquadrou a
linha dura do regime permitindo a abertura e a redemocratização.
Como bem ressaltou o jornalista Élio Gaspari, que teve acesso
ao arquivo de Heitor de Aquino, um dos ideólogos do regime, todos queriam
golpe. Miguel Arraes, uma semana antes do golpe, ao ser interpelado por um
jornalista se haveria golpe, disse: Vai sim só não sei de que lado. Nisso
estava certo, pois o golpe veio, e ele foi preso, e depois, como muitos,
seguiria para o exílio. Mas isso é outra história.
Justamente quem não conhece a nossa história, fica
reproduzindo a narrativa da esquerda, e isto sobretudo está descrito nos
livros didáticos. Hoje, com a eleição de um candidato de direita, há um
saudável confronto de narrativas. Isto é bom que acirra os debates, e nos
mostra que a discussão do período é tarefa para historiadores, e, claro, para
esclarecer muitas questões a respeito da democracia no Brasil, e na América
Latina. Afinal nossa democracia foi vilipendiada pela própria esquerda no
poder, que resultou neste mar de lama , nunca antes visto no país. Porém, é
como dizia o saudoso Roberto Campos, que realmente formou a tecnoburocracia
nacional quando foi ministro da economia de Castelo Branco, e criou as bases
para o grande crescimento econômico do regime militar. As ditaduras de direita
são biodegradáveis, as de esquerda, muito piores. Basta estudar um pouco de
História para ver que ele estava certo. Afinal, os conservadores são chatos mas
estão certos. É isso aí.
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