sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Diário de uma professora subversiva - Clarissa - Rosenbaum

Diário de uma professora subversiva

Pedimos o texto abaixo para que nossa amiga Paula Rosiska, professora da rede pública,  comentasse a nova Base Nacional Comum Curricular
– Melhor apagar a lousa. Vai que descobrem o que estou passando.
Foi o que pensei na primeira semana de agosto de 2017, assim que os alunos do primeiro ano do Ensino Médio foram embora. O conteúdo da minha aula poderia gerar denúncias. Sempre me defini como “tradicionalista-delirante” em sala de aula. O delírio é insistir em gramática e escolas literárias datadas de pelo menos cinco séculos. Isso parece ser apenas a parte tradicionalista, mas quando uma aluna traz seu violão para a aula, dizendo ter musicado uma Cantiga de Escárnio, aí está o delírio.
O tema tão subversivo da aula acontecida ainda este mês era plural de substantivos compostos. O planejamento da escola previa classes de palavras, então, aproveitei para aprofundar aqui. Imagino que facilite a compreensão da concordância nominal e verbal (o erro mais frequente em todas as redações que corrigimos). Peguei o conteúdo mais desprovido de politização, que é a gramática, porque não tenho mais paciência para certos debates e respeito demais meus alunos para tomar horas semanais de sua juventude para lhes passar a minha ideologia.
Ocorre que durante o mês, vieram inúmeras editoras de livros didáticos nos oferecer seus produtos. Quem mais agradar aos professores na hora da escolha, ganhou o bilhete premiado. Então, um dos representantes de editora nos explica que certo autor conceituado não conseguiu lançar sua coleção de Língua Portuguesa para o Ensino Médio porque o material não estava de acordo com o edital do MEC. “E nenhum material pode se considerar dentro da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), exceto os do ensino Fundamental”. Mas por que exatamente um autor com tanta experiência (eu utilizei seus livros no meu colegial) seria barrado? Porque manteve a grade de literatura (Trovadorismo a Arcadismo) no livro do primeiro ano. Não se pode mais trabalhar as escolas literárias com os ingressantes do Ensino Médio!
E o que se ensina no primeiro volume das coleções? Poesia, a crítica social, o cordel, a mulher e os negros na literatura (compilado de textos de autores africanos de Língua Portuguesa e escritoras brasileiras). Mas então deve pesar na gramática? Não. E ainda há um pedido de desculpas. Artigos sobre preconceito linguístico do Marcos Bagno e outras condenações da norma culta.
Sempre fui contra a adoção de modas pedagógicas. Porque são modas que levam profissionais, mormente os que estão fora da sala de aula (palestrantes, supervisores, coordenadores), à crença supersticiosa de que “agora vai dar certo”. Foi assim com o uso de computadores, habilidades e competência no lugar de conteúdo, construtivismo, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, avaliação contínua e uma enorme tralha lexical, que felizmente me foge à memória agora. Palavras mágicas que em pouco mais de uma década levaram a nossa educação ao status de pior do mundo. Pouca gente sabe, mas essa bizarrice de trocar morfologia (classes de palavras, radicais gregos e latinos, formação de palavras) por gêneros textuais é uma canalhice da gestão FHC. Fizeram questão de colocar autores comunistas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e colocaram o russo Mikhail Bakthin, autor de “Marxismo e filosofia da linguagem”. Nem o próprio imaginou que seria estudado por crianças brasileiras. Desde que entrei na USP havia um ranço com a gramática – o pouco que sei aprendi em livros antigos – que se revelou nos programas deducacionais do PSDB para a Rede Estadual. Há mais debate sobre “os diferentes falares e o preconceito linguístico” do que concordância nominal.
Porém os PCNs eram, de fato, parâmetros. A BNCC fere a autonomia dos estados e a própria Constituição, ao se sobrepor às peculiaridades regionais com o uso da força burocrática.
Professora ensina alunos a se protegerem de substâncias mortais
Sigo utilizando os livros já surrados que ainda estão na escola, sigo com giz e lousa e ainda faço escansão de versos camonianos. Sou fiel ao meu mestre da Faculdade de Educação e da vida, o lendário tio Julio, pois uma verdade que ele dizia era que “a escola é o lugar do passado por excelência”. Entendo esse passado como a herança de que Einstein falava, trabalho de muitas gerações. Eu a recebi, busco honrá-la e repassá-la aos mais jovens. O resto eles aprendem na Internet.
Leiam alguns artigos sobre educação de nossa antiga colaboradora Clarissa Rosenbaum:

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