quinta-feira, 30 de julho de 2015

Carlos Alberto Sardenberg - Dois métodos: a Lava-Jato e o chinês


- O Globo

O governo chinês informou ontem: de 2012 até aqui, recuperou US$ 6,2 bilhões que haviam sido roubados por "centenas de milhares" de funcionários e membros do Partido Comunista. Isso dá pouco mais de R$ 19 bilhões, valor desviado apenas da Petrobras, segundo estimativas dos procuradores da Lava-Jato.

A campanha anticorrupção na China é uma iniciativa do presidente Xi Jinping, aplicada pela temida Comissão Central para Inspeção Disciplinar. Trata-se de uma ditadura, de modo que eles frequentemente passam por cima do que chamam lá de formalidades judiciais - isso de não poder prender sem uma consistente acusação formal ou de precisar de processo para recuperar o dinheiro roubado.

Claro que isso permite ao governo escolher seus alvos, transformando o combate à corrupção em ação política para apanhar adversários. Por aqui, a Lava-Jato segue nos termos da lei e da democracia. Não foi politizada nem instrumentalizada por grupos ou partidos. Ainda bem.

O método chinês vai mais rápido. Sabe aquela situação na qual todo mundo sabe que fulano está roubando, mas ainda não deu para dar o flagrante? Pois é, lá na China a Comissão Disciplinar pode prender e, então, sabe-se lá com quais pressões, procura as provas.

Aqui, muita gente ainda diz que a Lava-Jato frequentemente avança o sinal. É que não sabem como se faz nas ditaduras. A Lava-Jato vai muito depressa em comparação com os velhos padrões brasileiros - quando as "formalidades judiciais" garantiam a impunidade.

Era assim: o sujeito trabalha numa estatal ou no governo ou no partido do governo e está associado a uma consultoria privada; a empresa tal ganha um contrato com a estatal e faz um pagamento à consultoria privada. Diziam os envolvidos e pegava: são contratos separados, coisas diferentes, com coincidência fortuita de pagamentos. Qual é?

Vai um advogado dizer isso hoje para o juiz Moro.

Por outro lado, há uma novidade histórica que devemos ao governo americano. Na busca do dinheiro do terrorismo e do tráfico, as autoridades dos Estados Unidos simplesmente acabaram com o sigilo fiscal e bancário lá e no mundo.

Quer dizer, não acabaram propriamente. Mas se criou uma legislação, hoje universalizada, que torna mais simples e rápido quebrar sigilos quando há fundadas suspeitas, descobertas nos termos da lei.

Era praticamente impossível achar uma conta de um banco suíço. Hoje é até fácil. Os banqueiros têm pavor de serem acusados de acobertar fortunas roubadas ou do tráfico.

A mudança brasileira foi a introdução da delação premiada. O sujeito confessa, indica a conta em que recebeu e o banco dá a sequência do dinheiro.

Tudo considerado, duas observações: primeira, o método chinês vai mais rápido, mas o método Lava-Jato é mais seguro para as pessoas e as instituições; segunda, e terrível para nós, a roubalheira aqui foi maior que na China, cuja economia é quatro vezes maior.

Reparem de novo: depois de três anos de dura campanha, os chineses recuperaram o equivalente a R$ 19 bilhões. Dado o sistema deles, é provável que já tenham apanhado a maior parte da corrupção. Ora, só na Petrobras, os procuradores acreditam ter havido roubo de R$ 19 bilhões, dos quais R$ 6 bi já admitidos formalmente pela estatal, em balanço. E está começando só agora a fase do setor elétrico, o segundo da lista.

Conclusão: estamos apanhando aqui os maiores escândalos corporativos do mundo. No sistema formal, demora mais para recuperar a propina distribuída, mas a coisa está andando nessa direção.

Finalmente, há outro ponto em comum. Aqui e na China, a corrupção começa no governo e suas estatais, nas tenebrosas relações com empresas privadas.

A presidente Dilma andou dizendo que a Lava-Jato subtraiu um ponto percentual do PIB. Nada disso. A corrupção estatal/privado subtraiu muitos pontos ao gerar desperdício, perdas e ineficiências. Ou seja, o combate à corrupção precisa de um complemento: uma ampla privatização e um bom ambiente de negócios para quem quer ganhar dinheiro honestamente - um sistema impessoal que privilegie a eficiência, a competitividade, a produtividade.

Enquanto conseguir uma vantagem qualquer em Brasília for mais barato e mais fácil do que investir no negócio para ganhar produtividade, o país não vai crescer. Nem será justo.

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