domingo, 28 de junho de 2015

Ferreira Gullar - Venezuela


- Folha de S. Paulo / Ilustrada

• A última coisa que Nicolás Maduro queria era senadores brasileiros na prisão onde estão os seus adversários

Ninguém que leve a sério a democracia dirá que o governo da Venezuela é democrático. Não por causa do incidente recente com os senadores brasileiros; não, isso vem de longa data, pois quem o instalou foi o falecido Hugo Chávez, inventor dessa figura patética chamada Nicolás Maduro.

Chávez, no começo de sua aventura política, já mostrara quem era ao tentar chegar ao poder por meio de um golpe militar. Deu-se mal e mudou de tática: passou a explorar o antiamericanismo, inventou o tal socialismo bolivariano e prometeu ao povão tudo o que lhe faltava. No poder, tratou de desmontar a estrutura legal do Estado venezuelano e pôs nos lugares-chaves --Forças Armadas, Judiciário e Legislativo-- gente sua. Já no final, pouco antes de adoecer gravemente, conseguiu que o Congresso aprovasse sua reeleição sem limites. Enfim, desejava perpetuar-se no poder até morrer. Por ironia do destino, o conseguiu.

Hugo Chávez era, sem dúvida, um líder político, coisa que Maduro não é; ainda assim, após a morte de Chávez, elegeu-se presidente da Venezuela e logo mostrou quem era: passou a dizer que conversa com Chávez tendo como intermediário um passarinho e, pouco depois, criou o vice-ministério para a "Suprema Felicidade do Povo". E como ainda assim sua popularidade vem caindo, inventou que os Estados Unidos estão se preparando para invadir a Venezuela e derrubá-lo. Diante de uma tal ameaça, pôs as Forças Armadas em prontidão. Parece piada, mas é a mais pura verdade.

Outra providência que toma frequentemente é mandar prender seus adversários políticos, sob qualquer pretexto, como, por exemplo, pregar a violência nas manifestações políticas. Como tem a Justiça nas mãos, decide e logo o adversário entra em cana. Pois bem, foram as mulheres desses presos políticos que vieram ao Brasil pedir, em nome dos princípios democráticos, a solidariedade dos políticos brasileiros a seus maridos, presos arbitrariamente. Um grupo de senadores da oposição decidiu ir a Caracas se solidarizar com os presos políticos venezuelanos e também sugerir ao presidente Maduro que marque a data das eleições para o Congresso, o que ele está adiando faz vários meses. Sabem por quê? Porque as pesquisas indicam que apenas cerca de 20% dos eleitores apoiam o seu governo.

Os senadores brasileiros seriam levados por um avião da Força Aérea Brasileira, mas, para isso, seria necessária a permissão do governo venezuelano, que não veio. Como o presidente do Senado considerou aquilo um desrespeito ao Congresso brasileiro, Maduro recuou e permitiu a ida do avião. Pensei cá comigo: o que ele vai aprontar agora? Sim, porque a última coisa que Maduro desejaria era a presença de senadores brasileiros na penitenciária onde estão presos os seus adversários políticos.

Ao chegar ao aeroporto de Caracas, o avião da FAB não recebia permissão para pousar. Afinal, a permissão foi dada. Durante o desembarque, mais complicações e dificuldades. Finalmente, com a presença do embaixador brasileiro, os senadores puderam deixar o aeroporto num micro-ônibus rumo à prisão onde estão presos os adversários políticos de Maduro. Um detalhe: o embaixador brasileiro não foi no mesmo carro, mas num outro, como se já soubesse, ou antevisse, o que iria ocorrer. E ocorreu: um grupo furioso de simpatizantes de Chávez e Maduro cercou o carro que levava os senadores, gritando e esmurrando os vidros do automóvel, impedindo-o de seguir adiante. Logo, os senadores souberam que as vias que conduzem à penitenciária estavam bloqueadas, por várias razões, sendo uma delas "para limpeza dos túneis". Claro, tudo mera coincidência, cujo resultado foi impedir a missão dos senadores brasileiros.

Diante de tamanha afronta a representantes do poder Legislativo brasileiro, que faz o governo da presidente Dilma? O Itamaraty emitiu uma nota considerando lamentável a ação dos manifestantes contra nosso senadores. Da chefe do governo, nenhuma palavra, como era de se esperar, uma vez que, na sua última viagem à Europa, perguntada o que achava das arbitrariedades do governo Maduro, respondeu: "Muita gente gostaria que virássemos as costas para a Venezuela, como foi feito com Cuba".

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