sexta-feira, 22 de maio de 2015

Impunidade! Adolescente suspeito de assassinar médico nunca recebeu uma medida de internação em regime fechado Elenilce Bottari e Gustavo Goulart - O Globo


EM PASSAGEM POR ABRIGO, ADOLESCENTE DE 16 ANOS FOI TORTURADO. JOVEM TEM 15 REGISTROS DE ROUBO E FURTO, SENDO CINCO COM FACA


Acusado de matar a facadas médico na Lagoa chega à Divisão de Homicídios: jovem nega o crime - Rafael Moraes / Agência O Globo


Em 17 de agosto de 2010, a catadora de lixo X., junto com outros pais, foi chamada à 14ª DP (Leblon), acusada de abandono de incapaz. Seu filho, de apenas 12 anos, havia sido apreendido pela PM com outros dois adolescentes, correndo em atitude suspeita pela Avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon. Na delegacia, ela contou que tinha sido abandonada pelo marido e que trabalhava o dia inteiro como catadora no conjunto de favelas de Manguinhos, para sustentar os três filhos. 

Além disso, só tinha o Bolsa-Família. Confessou ao delegado que, um ano antes, em 2009, o filho chegara em casa com dinheiro roubado, que usara para comprar balas e refrigerantes. Cinco anos depois de muitas idas e vindas a delegacias e instituições de ressocialização, a mãe retornou nesta quinta-feira à Divisão de Homicídios (DH) para tomar conhecimento de uma nova denúncia: o jovem é o principal suspeito do assassinato do cardiologista Jaime Gold, de 57 anos, esfaqueado terça-feira à noite quando pedalava na Lagoa.

Segundo uma testemunha que o reconheceu, o adolescente, hoje com 16 anos, alcançou o médico que seguia pela ciclovia e, antes mesmo de anunciar o roubo, o golpeou pelas costas de forma brutal. Ao ver a vítima no chão, o suspeito, ainda de acordo com a testemunha, voltou a golpeá-la, rasgando seu abdômen num longo e profundo corte de baixo para cima, que atingiu quatro órgãos e tirou de Jaime qualquer chance de sobreviver ao ataque, mesmo depois de oito horas de cirurgia.

EM 2014, FACA NO PEITO DE VÍTIMA

A transformação da criança pobre em suspeito de um brutal assassinato está registrada em cada folha dos autos de apreensão feitos em suas 15 passagens por delegacias da cidade — quase sempre flagrantes de furto e roubo. Em pelo menos cinco deles, o adolescente usou faca.

No primeiro assalto, em 20 de junho de 2010, na Avenida Epitácio Pessoa, na Lagoa, ficou na ameaça: só dizia ter uma faca. Já na tentativa de roubo de um celular na Rua Humberto de Campos, no Leblon, em 2011, ele tinha uma faca de fato e a puxou, ameaçando a vítima, que reagiu e conseguiu dominá-lo. Na mesma rua, em 4 de maio de 2012, mais uma vez o adolescente, então com 14 anos, voltou exibir uma arma branca, mas, ainda inexperiente, se assustou diante de uma possível reação e fugiu. Em setembro de 2014, foi bem mais agressivo: empunhou a faca contra o peito de uma pessoa em plena Rua Prudente de Morais, em Ipanema.

Apesar da crescente violência, o jovem nunca recebeu uma medida de internação em regime fechado. O maior período de tempo que permaneceu em uma instituição aconteceu em 2013. Foram 39 dias em abrigo provisório para, ao final, receber advertência e remissão da pena. Mas, numa de suas curtas passagens, foi torturado por agentes na Escola João Luiz Alves, em crime denunciado pelo Ministério Público em 2014.

Há mais de três anos à frente da DH, o delegado Rivaldo Barbosa se mostrou chocado:

— A frieza do adolescente infrator e a forma covarde com que ele agiu me chamou a atenção. Ele não demonstra nenhum sentimento pelo outro ser humano. O médico recebeu no mínimo quatro golpes. A ação foi sorrateira.

Reconhecido pela testemunha através de fotos, o adolescente teve a apreensão determinada pela Justiça. Com o mandado em mãos, agentes foram para a Favela de Manguinhos, por volta das 5h. Além do menor, foram recolhidas nove bicicletas. Uma delas custa R$ 30 mil (entre elas, há uma Rocky Mountain). No local, foram achados um facão com cerca de 30 centímetros de lâmina, três facas pequenas e duas tesouras. A polícia agora tenta localizar outro suspeito.

Na delegacia, o jovem negou ter assassinado o médico, mas confirmou a prática de roubos na região. O perfil do acusado é o mesmo de outros jovens, quase todos moradores das comunidades de Jacarezinho, Mandela, Manguinhos e Arará, que seguem para a Zona Sul para furtar ou roubar objetos de valor para revendê-los a receptadores.

— No verão, eles chegam em grupos nos fins de semana. Agora, chegam aos poucos de ônibus. Na maioria da vezes, pulam a roleta, entram pelas janelas e saem sem pagar, aterrorizando até mesmo os motoristas — observou a delegada Monique Vidal, titular da 14ª DP (Leblon). — A princípio, não é uma gangue específica. Eles se conhecem porque moram na mesma região, vêm no mesmo ônibus e até já passaram juntos em unidades cumprindo medidas socioeducativas.

De acordo com dados levantados pela delegacia, de janeiro até esta quinta-feira foram feitos 153 registros de ocorrência envolvendo menores. O adolescente apreendido foi localizado em casa, num condomínio do programa Minha Casa Minha Vida, onde mora com a mãe, o irmão, a irmã e o cunhado. A mãe e a irmã também prestaram depoimento na DH e contaram que o jovem está fora da escola há quatro anos.

Para o psicanalista Luiz Alberto Py, o autor das facadas tem traços de psicopatia:
— Uma pessoa que mata outra tem algum desvio psicológico. Psicopatas não têm a capacidade de se identificar com o outro ou de compreender o sentimento do outro. Não conheço o rapaz, mas podemos estar diante de uma mistura de fator social com psicológico. Dá a impressão de que havia um desejo de esfaquear anterior ao contato com a vítima, de ter prazer com isso.

Nesta quinta-feira, o governador Luiz Fernando Pezão, além de admitir que houve um erro no policiamento da Lagoa, voltou a falar sobre a redução da maioridade penal. Ele afirmou ser favorável em caso de crimes hediondos:

— Eu não quero que a gente fique enxugando gelo. A maioria das apreensões que fazemos é de menores. É inaceitável. Lugar de menor é na escola — disse. — Só quero que seja feita uma discussão no Congresso Nacional. A polícia bateu recorde de apreensões de menores e não está sendo suficiente.

*Colaboraram Ana Cláudia Costa, Rodrigo Bertolucci e Simone Candida

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