domingo, 1 de março de 2015

Valentina de Botas: no país onde o devedor cobra o credor, esse Quaquá, professor analfabeto, é um dos cobradores que devem ao país o vidão de militante que levam - POR AUGUSTO NUNES

No reino desencantado da cafajestice, os fascistoides obedecem ao jeca, fazendo do Brasil uma espécie de parque temático de canalhices onde todos que resistirem serão cobrados na porrada. Tal qual o dono, o tal Quaquá não fala a língua do povo, mas da jagunçada política. Para o fascistoide, nem foi o governo, mas o partido – e a militância, santo Deus! – que melhorou a vida de milhões de brasileiros. Nada mais coerente: essa gente pensa que governo, estado e partido são a mesma coisa.
No mundo hostil à democracia do pavoroso, vá lá, professor qualquer coisa menos que elogio e adesão é agressão. Se fosse professor da minha filha, eu a trocaria de escola imediatamente porque não quero que ela aprenda que o revide a uma crítica, por mais injusta ou ácida, é a porrada. Não é isso que ela vê em casa, casa de gente que não é rica e desconhece a língua que Quaquá atribui aos pobres. E se os alvos das porradas revidarem com mais porrada? Viveremos num país onde quem bate mais se impõe?
Que Sociologia é essa? Auguste Comte treme no túmulo costatando que as Ciências Humanas se tornaram um vale-tudo do desconhecimento, uma esculhambação da boa tradição do rigor epistemológico, metodológico e formal. Assim, não admira que a sustentação ideológica do lulopetista seja o pensamentozinho esburacado que empobrece as universidades brasileiras. Ademais, ainda que a vida do povo tivesse melhorado como quer Quaquá, roubar o povo para isso é como explicar a canja à galinha. O povo para quem a vida só melhora é o militante de que o jeca é dono.
No magnífico “Do Mel às Cinzas” de Claude Lévi-Straus, segundo volume da estupenda tetralogia “Mitológicas”, o antropólogo aborda os mitos, não mais na forma deles artificialmente estanque, mas na fragmentária e preenche-lhes de infinitos sentidos ao vincular um mito ao outro, uma realidade contígua à outra, num fluxo incessante de significantes/mitos cujo significado se multiplica – sem nunca se completar – em outro significante/mito. Aí, o antropólogo genial escolhe um mito qualquer em torno do qual, a partir do qual e para o qual tudo voltará, pois um evoca, provoca e encontra o outro e suas versões, numa espécie de simultaneidade sucessiva. Tudo na tentativa de observar a sintaxe do espírito humano, este “hóspede inesperado”.
O rigor do cientista e a beleza da narrativa resultam numa leitura de prazer estético e intelectual. Recorro à imagem para falar da exortação do jeca e do pronto atendimento de Quaquá. A crônica das canalhices lulopetistas pode ser dar a partir de qualquer uma delas, pois elas se explicam, evocam-se, imbricam-se, ampliam-se, propagam-se; uma na outra, uma por causa da outra, uma pela outra. Mas aqui há um demiurgo, o princípio moralmente deformado do qual tudo partiu e ao qual tudo volta: o jeca. Como na teia de mitos de Lévi-Straus, pinçar uma cajafestice lulopetista é desfalcar o fluxo, esburacar o todo que explica as partes e por elas é explicado. Não funciona – uma traz fragmentos da anterior e já as sementes da seguinte.
Claro que não foi o jeca que fundou a vigarice fascistoide no Brasil; mas ele a centralizou num monopólio, ele a faz carne e hálito, ele a cultiva e faz a colheita. Banhá-la no verniz fajuto de causa nacional e dá-lhe o braço para desfilar a potência dele só realizada num ambiente degradado revelam o desespero de quem definha sem se importar em fazer o Brasil pagar por isso. No país onde o devedor cobra o credor, Quaquá, o professor analfabeto também moralmente, é um dos cobradores que devem ao país o vidão de militante que levam.

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