sábado, 21 de fevereiro de 2015

A democracia contra o ajuste fiscal - DEMÉTRIO MAGNOLI


FOLHA DE SP - 21/02

Os parlamentares trairão seus eleitores se oferecerem um cheque em branco para Dilma, aprovando o pacote


Na campanha eleitoral, Dilma Rousseff garantiu que não daria um "cavalo de pau" em sua desastrosa política econômica. Logo depois, convocou Joaquim Levy para promover um severo ajuste fiscal. Na campanha, acusou Aécio Neves e Marina Silva de cercarem-se de "banqueiros" para conspirar contra as "conquistas do povo". Agora, como parte do ajuste concebido por seu "banqueiro", dirige ao Congresso um pacote de cortes de benefícios trabalhistas e previdenciários. Num editorial (15/2), a Folha pede que, em nome da credibilidade das finanças nacionais, o Congresso aprove o arrocho. A mensagem subjacente é que a política pode ser o reino da irresponsabilidade, com a condição de que a economia seja o da responsabilidade. Ou, em outra versão, que a função patriótica dos parlamentares é arcar com os custos do estelionato eleitoral praticado pela presidente.

Em nota oficial, o PT condenou os cortes almejados pelo governo. Em princípio, isso significa que o Congresso é chamado a convalidar o pacote contra os votos do principal partido governista. Há algo de divertido nessa ideia, que forma o núcleo oculto do editorial. O PMDB e os demais partidos da base, junto com o PSDB e os outros partidos de oposição, exerceriam o "patriotismo" de aprovar medidas impopulares, enquanto o PT seria oportunamente "derrotado", mas permaneceria na trincheira da defesa do "povo". Há um modo melhor de virar a democracia pelo avesso?

Dilma jamais admitiu a falência da política econômica de seu primeiro mandato. No discurso da segunda posse, cantou as delícias do país de suas fantasias, lançou a culpa pela recessão no cordeiro sacrificial da crise externa e reiterou as acusações contra a malvada oposição "neoliberal". Seus auxiliares esclareceram que Levy é um desvio de rota circunstancial, um curativo na ferida exposta, não o sinal de uma mudança de rumo. O BNDES prepara um socorro de US$ 3,5 bi à Sete Brasil. A Petrobras continua sob a direção de um "companheiro". Por qual motivo os parlamentares devem se associar à política da negação, que articula uma austeridade sem reformas de fundo?

Ontem, o governo dizia que os benefícios trabalhistas e previdenciários representavam um patrimônio intocável de conquistas sagradas do povo. Hoje, argumenta que o pacote de cortes destina-se a corrigir desvios, evitando fraudes. Ficamos sabendo, portanto, que os governos lulopetistas iludiram o país durante 12 anos, que a gerente implacável conviveu pacificamente com os abusos ao longo de todo o seu mandato --e que os patriotas do Planalto descobriram, repentinamente, as malversações de dinheiro público bem na hora do inadiável aperto das contas! Por que os parlamentares têm o dever de colocar suas assinaturas no pé da página desse discurso farsesco?

Não estamos em guerra ou sob o impacto de alguma catástrofe natural. O Brasil ainda se encontra longe do abismo da inadimplência que ronda a Argentina e a Venezuela. O apelo à "salvação nacional", pilar subterrâneo do editorial da Folha, é mais um sintoma da erosão de sentido da linguagem política nessa era de lulopetismo. Os governantes que recorrem à mentira para alcançar triunfos eleitorais devem pagar o preço de suas escolhas. Os parlamentares trairão seus eleitores se oferecerem um cheque em branco para Dilma, trocando o pacote do arrocho pelas tradicionais prebendas na administração pública. No lugar disso, têm a oportunidade de exigir que o governo comece a reconhecer a verdade, condição indispensável para enfrentar a crise.

O fracasso de Dilma 1, multiplicado pelo escândalo na Petrobras, abriu uma fresta para a entrada de uma lufada de ar puro na câmara de nossa democracia. O nome desse ar despoluído é a promessa de independência do Congresso. O voto sobre o corte de benefícios será o primeiro teste real dessa promessa.

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