quinta-feira, 17 de julho de 2014

MARCO ANTONIO VILLA: no 15º aniversário da morte de Franco Montoro, democrata e campeão das “Diretas Já”, vemos como estão escassos os políticos de verdade (Foto: Agência Brasil)

MARCO ANTONIO VILLA: no 15º aniversário da morte de Franco Montoro, democrata e campeão das “Diretas Já”, vemos como estão escassos os políticos de verdade

(Foto: Agência Brasil)
“O esquecimento de Franco Montoro é um ato perverso para a jovem democracia brasileira, tão carente de exemplos que dignifiquem o compromisso com o interesse público” (Foto: Agência Brasil)
MONTORO, PEDAGOGO DA POLÍTICA

Marco-Antonio-Villa-veja.abril_.com_.br_-300x168Amanhã, dia 16 de julho, completam-se 15 anos do falecimento de André Franco Montoro. Ele percorreu um caminho raro entre os políticos brasileiros: foi vereador, deputado estadual, deputado federal, senador, governador de e ministro de Estado. Contudo nunca afastou o exercício da função pública da elaboração de ideias que tivessem aplicação prática na vida das pessoas.
O fortalecimento da sociedade civil sempre foi uma preocupação central da sua ação, isso num país onde o papel do Estado foi superdimensionado, tanto pela direita como pela esquerda.
Montoro teve na democracia cristã do pós-guerra a sua matriz ideológica. E com base nesse pensamento agiu como um pedagogo da política, escrevendo, debatendo e formando militantes.
Por onde passou foi deixando a sua marca. Nos dez meses em que esteve à frente do Ministério do Trabalho, durante o Gabinete Tancredo Neves, foi pioneiro no incentivo à sindicalização rural – tema, à época, explosivo – e criou o salário-família.
Na Câmara dos Deputados destacou-se na defesa dos trabalhadores e da democracia. Tanto que, após a extinção dos partidos políticos, em 1965, foi um dos primeiros a organizar o MDB. Cinco anos depois foi eleito senador, numa eleição marcada pelo medo, no auge do regime militar.
Nos anos de vida parlamentar foi um incansável propagador da integração econômica e cultural com a América Latina. De início foi voz solitária. Poucos se interessavam. Mas a pregação foi ganhando adeptos até ser incorporada à Constituição de 1988.
Assumiu o governo de São Paulo em março de 1983. O país estava em recessão – o produto interno bruto (PIB) caiu 2,9% – e com uma inflação anual de 211%. A economia estadual passava por uma profunda crise. O número de desempregados não parava de aumentar. E as finanças estaduais estavam em petição de miséria após o trágico quadriênio Maluf-Marin [Observação do colunista: sim, este mesmo José Maria Marin, decrépito presidente da CBF e à época, na política, capacho da ditadura militar].
Organizou um secretariado de nível ministerial. Teve entre seus principais colaboradores (incluindo os bancos e empresas estatais paulistas) José Serra, João Sayad, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Almino Affonso, Miguel Reale Júnior, Almir Pazzianotto, José Gregori, Paulo Renato e Paulo de Tarso, entre outros.
Nomeou para a Prefeitura de São Paulo Mário Covas [a Constituição do regime militar não admitia eleições diretas para as capitais.]. Entendeu que na administração pública deviam ser escolhidos os melhores. E que o governador não devia temer a competência dos seus auxiliares, muito pelo contrário.
Pôs em prática os princípios defendidos desde os anos 1950. Fez da descentralização um dos carros-chefes do governo. Insistiu na tese de que o município é a base da democracia, da boa gestão e onde o cidadão vive. Fez o saneamento financeiro zerando o déficit orçamentário graças à austeridade nos gastos. Diversamente do governo anterior, deu à ética um papel central.
Relacionou-se com a Assembleia Legislativa de forma republicana. Acentuou a necessidade da participação do cidadão nos negócios públicos. E foi o primeiro governador a ter preocupação (e ação) com o meio ambiente – basta recordar o tombamento da Jureia, onde Paulo Maluf queria construir duas usinas nucleares.
Conviveu com diversos movimentos grevistas. Reivindicações contidas à força pelos governos anteriores acabaram eclodindo. Soube buscar soluções harmoniosas em meio à tensão política.
No tristemente célebre episódio da derrubada das grades do Palácio dos Bandeirantes agiu com moderação. Sabia que estavam em jogo a abertura democrática e o exercício da autoridade. Era uma provocação arquitetada pelos extremismos à direita e à esquerda. Tomou as decisões necessárias e saiu engrandecido.
A volta da democracia: primeiro governador de São Paulo eleito por voto direto após as imposições da ditadura, Montoro aparece em campanha eleitoral junto com Miro Teixeira, Tancredo Neves e Orestes Quércia (Foto: Angelo Perosa)
A volta da democracia: primeiro governador de São Paulo eleito por voto direto após as imposições da ditadura, Montoro aparece em campanha eleitoral junto a Raphael de Almeida Magalhães (primeiro à esquerda), Orestes Quércia, Tancredo Neves e Miro Teixeira, entre outros (Foto: Angelo Perosa)
A campanha das diretas teve início – efetivamente – no dia 25 de janeiro de 1984, no comício da Praça da Sé, por iniciativa do governador. Foi um ato de ousadia e coragem política. Poucos acreditaram no sucesso do comício. E a participação de 300 mil pessoas demonstrou a correta análise de conjuntura do governador Montoro. A partir daí, a campanha deslanchou. Foram realizados dezenas de atos por todo o Brasil. E em São Paulo, em 16 de abril, foi encerrada com o maior comício da História do Brasil.
A derrota da Emenda Dante de Oliveira não desanimou o governador. Tornava-se indispensável a união da oposição. Passou a articular uma frente de governadores.
Era natural que fosse o candidato oposicionista no Colégio Eleitoral. Afinal, o PMDB de São Paulo tinha a maior bancada na Câmara dos Deputados, o presidente nacional do partido era paulista, governava o mais importante Estado da Federação e tinha sido eleito com mais que o dobro de votos do segundo colocado.
O interesse do país, porém, estava acima de qualquer veleidade pessoal. Montoro identificou no governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, o nome ideal para unir a oposição e dividir o PDS, estimulando o surgimento de uma dissidência, essencial para obter a maioria no Colégio Eleitoral.
E foi no Palácio dos Bandeirantes que Tancredo foi lançado candidato do PMDB à Presidência da República. Não deve ser esquecido que naquele momento, agosto de 1984, a sorte da sucessão presidencial não estava decidida. O país corria o sério risco de ter Paulo Maluf como presidente da República por seis anos e com poderes arbitrários garantidos pela desastrosa Emenda Constitucional n.º 1 de 1969.
Desiludido com os rumos do PMDB, foi fundador do PSDB, em 1988. Criou o símbolo do partido: o tucano. Foi um defensor do parlamentarismo. Mesmo adoentado continuou entusiasmado pela política. Morreu quando estava a caminho de um seminário no México.
O esquecimento de Franco Montoro é um ato perverso. Perverso para a jovem democracia brasileira, tão carente de exemplos que dignifiquem o compromisso com o interesse público. Perverso porque vivemos um momento em que abundam políticos profissionais e são cada vez mais raros os homens públicos.
*Marco Antonio Villa é historiador

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