Os servos cubanos - PEDRO DUTRA
O GLOBO - 15/02
Escravo, sobretudo nas cidades, prestava igual serviço àquele executado pelo homem livre
Os romanos os chamavam de servos, pois eram, entre os vencidos na guerra, aqueles separados para o trabalho forçado. Dez séculos depois, os germanos os chamavam de escravos, pois eram os eslavos assujeitados por eles a essa mesma condição. Servos e escravos tornaram-se sinônimos, daquele vocábulo derivando outro, serviço, a atividade prestada pelo servo e também pelo homem livre.
“Desde que o homem é reduzido à condição de coisa, sujeito ao poder e domínio ou propriedade de um outro, é... privado de todos os direitos.” Assim escreve Perdigão Malheiros em sua obra jurídica sobre o regime servil no Brasil, publicada 22 anos antes da sua abolição. O servo estava sujeito ao poder, ao domínio do seu senhor: era propriedade sua. Este podia vendê-lo ou alugá-lo. Alugá-lo a terceiro, que, como contraprestação dessa locação de coisa, remunerava diretamente o senhor do escravo. O servo não era titular do seu próprio esforço, como não são (no plano jurídico) os animais de carga. Percebia o senhor a renda do trabalho do servo, em troca de lhe assegurar mínima subsistência física, bastante a seguir ele rendendo.
O escravo, sobretudo nas cidades, prestava igual serviço àquele executado pelo homem livre — carpinteiro, pintor, etc. Porém, este último recebia a paga pelo seu serviço, e o escravo, não. Sobre a indignidade da escravidão em si, uma questão surgiu a confundir a disciplina jurídica da relação servil. Materialmente, nada distinguia a locação de coisa — o serviço prestado pelo escravo — da locação de serviço, assim denominada a prestação de serviço (de igual serviço, inclusive) pelo homem livre. Por vezes, mostrava-se o escravo mais habilitado, agravando a iniquidade da regra jurídica a fazer tal distinção, que só subsistia devido ao regime servil, cuja abolição entre nós tardou.
Destinar, compulsoriamente, a terceiro, à pessoa física ou jurídica, ou, ainda, ao Estado a paga pelo serviço prestado por qualquer trabalhador é reviver uma das formas nefastas do regime servil: a expropriação do labor alheio — do esforço físico, intelectual e psíquico que permite ao homem livre consagrá-lo à sua realização e aperfeiçoamento existencial.
O Estado cubano não pensa assim, ao apropriar-se da renda do trabalho dos médicos, que inscreve na sua pauta de exportação. E tampouco o governo brasileiro, que cumpre as condições desse negócio, ao beneficiar-se dos serviços aqui prestados pelos médicos cubanos.
O Brasil precisa de mais médicos, assim como de mais professores etc. E, também, de mais atenção da sua sociedade, pois a complacência do governo com regras transviadas do regime servil, sob quaisquer formas insinuadas nas relações humanas, corrói o espírito de liberdade que anima a nossa imatura democracia.
Escravo, sobretudo nas cidades, prestava igual serviço àquele executado pelo homem livre
Os romanos os chamavam de servos, pois eram, entre os vencidos na guerra, aqueles separados para o trabalho forçado. Dez séculos depois, os germanos os chamavam de escravos, pois eram os eslavos assujeitados por eles a essa mesma condição. Servos e escravos tornaram-se sinônimos, daquele vocábulo derivando outro, serviço, a atividade prestada pelo servo e também pelo homem livre.
“Desde que o homem é reduzido à condição de coisa, sujeito ao poder e domínio ou propriedade de um outro, é... privado de todos os direitos.” Assim escreve Perdigão Malheiros em sua obra jurídica sobre o regime servil no Brasil, publicada 22 anos antes da sua abolição. O servo estava sujeito ao poder, ao domínio do seu senhor: era propriedade sua. Este podia vendê-lo ou alugá-lo. Alugá-lo a terceiro, que, como contraprestação dessa locação de coisa, remunerava diretamente o senhor do escravo. O servo não era titular do seu próprio esforço, como não são (no plano jurídico) os animais de carga. Percebia o senhor a renda do trabalho do servo, em troca de lhe assegurar mínima subsistência física, bastante a seguir ele rendendo.
O escravo, sobretudo nas cidades, prestava igual serviço àquele executado pelo homem livre — carpinteiro, pintor, etc. Porém, este último recebia a paga pelo seu serviço, e o escravo, não. Sobre a indignidade da escravidão em si, uma questão surgiu a confundir a disciplina jurídica da relação servil. Materialmente, nada distinguia a locação de coisa — o serviço prestado pelo escravo — da locação de serviço, assim denominada a prestação de serviço (de igual serviço, inclusive) pelo homem livre. Por vezes, mostrava-se o escravo mais habilitado, agravando a iniquidade da regra jurídica a fazer tal distinção, que só subsistia devido ao regime servil, cuja abolição entre nós tardou.
Destinar, compulsoriamente, a terceiro, à pessoa física ou jurídica, ou, ainda, ao Estado a paga pelo serviço prestado por qualquer trabalhador é reviver uma das formas nefastas do regime servil: a expropriação do labor alheio — do esforço físico, intelectual e psíquico que permite ao homem livre consagrá-lo à sua realização e aperfeiçoamento existencial.
O Estado cubano não pensa assim, ao apropriar-se da renda do trabalho dos médicos, que inscreve na sua pauta de exportação. E tampouco o governo brasileiro, que cumpre as condições desse negócio, ao beneficiar-se dos serviços aqui prestados pelos médicos cubanos.
O Brasil precisa de mais médicos, assim como de mais professores etc. E, também, de mais atenção da sua sociedade, pois a complacência do governo com regras transviadas do regime servil, sob quaisquer formas insinuadas nas relações humanas, corrói o espírito de liberdade que anima a nossa imatura democracia.
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