quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Copa pode contribuir para estourar a meta de inflação em 2013

Copa pode contribuir para estourar a meta de inflação em 2013

Preços dos serviços, que crescem acima dos índices inflacionários, avançam mais com a perspectiva da chegada de turistas

Sabe aquele corte de cabelo que os brasileiros fazem mensalmente? Ele ficou mais caro em 2013, junto com o refrigerante e a água mineral também consumidos fora de casa, e a manicure. Talvez os brasileiros nem tenham percebido a diferença, que acaba diluída entre outros gastos cotidianos de maior relevância. Mas esse inofensivo ato de cortar as madeixas ajuda a compor um importante setor da economia, o de serviços, cujo crescimento dos preços tem ficado acima da inflação geral – que é de 5,91%, enquanto a de serviços atingiu 8,75% em 2013. Pior do que isso: pode pesar ainda mais no bolso em momentos de grande demanda, como durante uma Copa do Mundo.
“O período da Copa envolve uma série de riscos inflacionários. Pode haver uma pressão mais concentrada do setor de serviços, que contará com uma demanda adicional, por mais que esses valores possam ser diluídos depois”, afirma Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). “A probabilidade de o IPCA ficar acima do teto em 2014 não é pequena”, ressalta.
Ele lembra que os preços de algumas atividades cotidianas parecem distantes da realidade. “Hoje em dia, você vai a um restaurante e gasta o equivalente a um DVD, um liquidificador. Uma consulta médica, a depender do médico, sai pelo preço de um fogão”, resume Carmo, que aponta o aumento menor do salário mínimo neste ano como um contrapeso, assim como o piso salarial definido pelos Estados.
No acumulado do ano passado, as refeições fora de casa lideraram os impactos individuais no medidor oficial da inflação, com 0,47 ponto percentual e um aumento de 9,49%. Produtos amplamente consumidos no dia a dia nas ruas, mais sensíveis à alta dos preços de serviços, estiveram entre os itens que avançaram acima do número registrado no ano anterior.
Mas o aumento acima da inflação não é privilégio apenas do barbeiro ou cabeleireiro. Atividades como tratamento de animais, consertos e manutenção, estacionamento e a de dentista fazem parte do setor de serviços, que sobem sem obedecer a uma lógica muito estabelecida. Se o vizinho aumentou, a loja ao lado pode acompanhá-lo na medida. Em um momento de consumo aquecido, esse quadro pode ganhar força.
“Os preços resultam muito da demanda interna, da informalidade. Aumenta-se o preço de um corte de cabelo desde que haja procura”, afirma, por sua vez, o professor Carlos Alberto Ramos, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Ele destaca ainda a importância da renda no setor, que foi o que liderou a abertura de vagas ao longo de 2013, com 545 mil postos, para pessoas com menos recursos.
Em dezembro, o Banco Central destacou, com base em estudos anteriores, que choques decorrentes da realização de megaeventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos podem ser ligeiramente inflacionários. “O choque incide sobre a dinâmica dos preços no ano em que o nome do país sede é anunciado. Inicialmente a inflação diminui, a seguir aumenta e o efeito máximo do choque se verifica no ano seguinte ao da ocorrência do megaevento.”
Em outro estudo que acompanhava o seu relatório trimestral de inflação, a instituição destacou que os subsetores de serviços intensivos em trabalho, e alimentação fora do domicílio e passagem aérea, “com representatividade conjunta de 48,8% no segmento de serviços no IPCA, contribuíram com 54,7% da inflação total dos serviços no período de doze meses encerrado em novembro de 2013.”
“É plausível afirmar que a evolução recente do emprego e da renda do trabalho, os programas de transferência de renda e o processo de inclusão social, ao menos em parte, explicam, sob uma perspectiva de demanda aquecida, a dinâmica dos preços de serviços”, analisou o estudo divulgado pelo BC.
Carmo explica que o impacto do setor no período poderá ficar evidente no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medida oficial de inflação no país, já que a grande maioria das 12 cidades-sedes do Mundial serve de cenário para a coleta de preços do indicador. E isso teria ainda efeitos na campanha política visando às eleições presidenciais de outubro, já que o IPCA de julho é divulgado apenas no início de agosto, acrescenta.
O IPCA encerrou 2013 em 5,91%, acima dos 5,84% do ano anterior. O governo trabalha, em tese, para atingir o centro de sua meta em 4,5%, embora possua uma margem de tolerância de dois pontos percentuais. Os números acima do esperado foram acompanhados por um ciclo de alta da taxa básica de juros brasileira. Na última reunião, o BC subiu pela sétima vez, deste vez em 0,50 ponto percentual, para 10,50% ao ano, com a economia ainda em marcha lenta.
Entre os grupos do índice em geral, o item Alimentação e Bebidas foi o que mais impactou o IPCA ao longo de 2013, respondendo por 34% do total. Os gastos do brasileiro com alimentação aumentaram em todas as regiões do país pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o órgão, essas despesas detêm uma “parte significativa” do orçamento das famílias, equivalente a 24,57%.
O segundo grupo geral com maior valorização foi o de Despesas Pessoais. Além do aumento dos rendimentos dos serviços dos empregados domésticos, pressionaram o conjunto os gastos com cigarro, manicure, costureira, cabeleireiro e hotel. Este último item, que registrou 10,81% em 2013, tem sido inclusive alvo do governo federal a fim de se evitar preços abusivos durante a Copa, junto com as companhias aéreas.
“A gente tem alguns serviços de qualidade duvidosa e preços bastante indigestos”, diz Samy Dana, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo. “Há o custo-Brasil da parte empresarial, com as despesas com tributos, mão de obra e infraestrutura, mas também temos o lucro-Brasil. E devemos ficar atentos, porque o turista vai embora, mas a gente vai ficar. E se sentir lesado é péssimo”, conclui.

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