domingo, 20 de outubro de 2013

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Violência - CELSO LAFER

O Estado de S.Paulo - 20/10

O século 20, que se prolonga no 21, foi qualificado como era dos extremos. Uma característica do seu extremismo é a generalizada presença e a propagação da violência, cujos efeitos visualizamos no impacto de sua repercussão globalmente difundida pelos meios de comunicação e multiplicada pelo efeito irradiador da era digital. Confrontamo-nos com a onipresença da violência ao tomar conhecimento do que se passa em escala larga e letal na Síria ou, de modo mais circunscrito, com os black blocs, que a inseriram em manifestações de rua até então pacíficas em cidades do Brasil, este ano.

Violência é palavra que provém do latim, tem a sua origem em vis, força, na acepção de tratar com força alguém, ou seja, coagi-lo, configurando uma agressão e um abuso, donde o sentido de violentar. No mundo contemporâneo a extensão da força viu-se multiplicada pela técnica, que a instrumentaliza de maneira extraordinária. Armas de destruição em massa, drones, armamentos mais ou menos sofisticados na ação de criminosos e suas redes - como o Primeiro Comando da Capital (PCC) - ou terroristas de várias vertentes são exemplos de como os implementos da violência estendem seus efeitos.

São múltiplas as proteiformes manifestações de violência, de que são exemplos a racial, a sexual, a xenófoba, a urbana e a rural, a tortura, a proveniente de fundamentalismos religiosos e políticos. Há a violência passional, impulsiva, mobilizada por medo ou ódio; e a violência calculadora, alimentada pela hostilidade, mas que racionaliza a ação para torná-la mais eficaz. É por esse motivo, dada a presença da violência no correr da História, que existem distintas reflexões que buscam explicá-la como sendo fruto da natureza humana, da ignorância, da luta de classes, do rancor, da revolta contra a injustiça, a corrupção, a hipocrisia.

A generalização da violência na era dos extremos converge com visões e perspectivas que a glorificam e a justificam como liberadora e regeneradora. O fascismo, ao se contrapor à democracia e ao papel do diálogo na vida política, exaltou-a e sustentou os méritos do belicismo. Na esquerda, a clássica diferença entre reformistas e revolucionários é a de que aqueles se norteiam pela mudança por meios pacíficos e estes se guiam pela aceitação e afirmação da violência revolucionária como caminho para mudanças, tendo em vista, na lição de Marx, que a violência é a parteira da História.

A violência, individual ou coletiva, no seu exercício estabelece, como aponta Sergio Cotta, uma diferença radical entre o violento e os outros, que se tornam objeto de uma despersonalização impeditiva da coexistência, cabendo apontar que é da natureza da violência não se sujeitar aos parâmetros das normas e da proporcionalidade que caracterizam o Estado de Direito. Com efeito, a violência, por princípio, decepa qualquer possibilidade de diálogo e se contrapõe às regras do Direito que pressupõem a igualdade perante a lei e a imparcialidade do julgamento. Por isso a prática da violência fere a dignidade da pessoa humana e se opõe à democracia, que postula a importância da comunicação e dos debates que fazem a mediação das diferenças na busca de um curso comum da ação.

A crítica implacável da democracia, de suas normas e seus valores caracteriza a obra de Carl Schmitt, pensador e jurista alemão de indiscutível, porém controvertida originalidade, que foi um dos coveiros da República de Weimar e integrou os quadros do nazismo. Ele se dedicou a rejeitar o papel das normas jurídicas e éticas na compreensão do que é a política. Postulou a sua autonomia, afirmando que a sua singularidade é dada pela clareza da distinção amigo/inimigo. O inimigo, para Schmitt, uma noção pública, é quem nega, na situação concreta, o modo de vida do seu oponente. Por isso deve ser repelido e combatido. A identificação do inimigo é uma decisão existencial não balizada por normas e sempre comporta na sua prática a possibilidade de sua eliminação física, que é inerente à lógica do combate configurado, na obra de Schmitt, pela absolutização da dicotomia amigo/inimigo.

Esse entendimento dicotômico e excludente da autonomia da política estimula a justificação da violência e merece registro porque a obra de Schmitt, com seu brilho satânico, continua fascinando não apenas a direita, mas significativas correntes da esquerda. Essas correntes encontram nos seus argumentos, como aponta Richard Bernstein em livro recente (Violence, 2013), elementos para questionar os méritos do normativismo de inspiração kantiana e do potencial para a convivência coletiva da democracia deliberativa e participativa e o papel da razão na tomada de decisões políticas, defendida, por exemplo, por Habermas.

A reflexão de Hannah Arendt e a diferença que ela estabelece entre poder e violência representam uma válida denegação da postura de Schmitt. É, para ela, um equívoco conceitual e prático fundir poder e violência. A violência não cria poder, destrói poder. Basta ver o que ocorre na Síria.

O poder resulta da capacidade humana de agir em conjunto e do concordar de muitos com um curso comum de ação, o que requer persuasão, palavra e debate, e não a intransitividade despersonalizada da violência. O poder, nesse sentido, é um conceito horizontal sustentado pela liberdade de associação e manifestação, cujo potencial se amplia na era digital por meio das redes e que enseja o empoderamento da cidadania. As instituições políticas são materializações do poder gerado pela ação conjunta, que se deteriora quando perde o lastro do apoio popular.

É por essa razão que a violência não só destrói o poder das instituições, como compromete a geração de poder, o que ocorre quando ela se insere, por exemplo, pela ação destrutiva dos black blocs na dinâmica das manifestações.

O fenômeno Dilma - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - 20/10

Repare como Dilma esbanja carisma. Não é uma sedutora? Que discursos! Palavra fácil, empolgante!


Uma pulga passeava, irrequieta, atrás da minha orelha. Dilma Rousseff ponteia as pesquisas. Mantido o panorama atual, vencerá sem dificuldade a eleição do ano que vem. Datafolha credita-lhe, nos vários cenários, o apoio bastante firme de 40% do eleitorado. A tal pulga ia para lá e para cá, desassossegada: como pode?
Foi um feito de Lula, a primeira eleição da presidente. Guerrilheira que um dia sonhara tomar o poder pelas armas, Dilma haveria de receber esse poder _ quem diria? _ como um regalo de amigo. Coisa tipo _ “Lembrei-me de você!”. Em 2010, Lula tomou-a pela mão e saiu a apresentá-la aos brasileiros. “Muito prazer, Dilma Rousseff”, dizia ela. “Mas pode chamá-la de mãe do PAC”, completava ele, pimpão. Assim, de mão em mão, de grão em grão, as urnas foram enchendo o papo e Dilma subiu a rampa catapultada pelo voto de 55,7 milhões de brasileiros. Agora, quando seu governo sacoleja no trecho final, deve estar mandando lavar, passar e engomar a faixa presidencial para nova entronização.
Contar com 40% dos 140 milhões de eleitores brasileiros significa que Dilma inicia a nova campanha com um estoque equivalente aos votos que obteve no segundo turno de 2010. Pois bem, o que eu me proponho trazer à apreciação dos leitores é a explicação para esse fenômeno. Fácil, como se verá. O SUS, sabe-se bem, caminha para a perfeição. Todos são atendidos a tempo e hora, em condições adequadas. Não há bom médico, no mundo, que não queira trabalhar aqui. A longa espera nas emergências tem se revelado um excelente meio de integração social e formação de novas camaradagens. Os finais de turno não deveriam ser brindados com champanha? A marcação de consultas especializadas e cirurgias segue cronograma rigoroso. Pontual e mortal. Doravante, insatisfeitos, procurem Raúl Castro! Aposentados do INSS providenciam passaportes e trotam mundo afora, efetivando aquele direito que Lula oposicionista apontava como coisa normal à velhice dos povos civilizados. A Educação, seja na base, cumprindo papel de promoção social e cultural, seja no topo, alinhando o Brasil com a elite tecnológica do planeta, opera prodígios na transformação da nossa realidade. A Economia? É lunática: contabilidade nova, inflação crescente, PIB minguante, carga tributária cheia… E a segurança pública enfim promove, como nunca antes neste país, digamos assim, o encontro dos criminosos com as grades e do povo com a paz social. Corrupção? Tudo intriga, maledicência, coisa de quem não tem o que falar.
Repare como Dilma esbanja carisma. Não é uma sedutora? Que discursos! Palavra fácil, empolgante! Ao final de cada locução, os auditórios se erguem e aplaudem-na em pé, seja em Itapira, seja na ONU. Durante estes anos como “presidenta”, não confirmou ela, plenamente, o que Lula assegurava a seu respeito? Observem como o governo foi bem gerenciado. Vejam o rigor com que se cumprem os prazos e se enxugam os gastos. O Brasil tem programa e cronograma, estratégias, previsões e provisões. Você duvida? Não prometera a presidente, aqui na terrinha, em 2010, que sua Porto Alegre teria, enfim, linha de metrô e nova ponte no Guaíba? Pois para desgosto dos incrédulos, as obras estão aí, novamente prometidíssimas! Basta que o Estado e o município, nos anos por vir, “casem” os bilhões que faltam. Um sucesso, o governo Dilma. Agora, se os motivos não se acham bem visíveis acima, então só resta procurá-los dentro da
s bolsas.

Privatização estatizante - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 20/10

BRASÍLIA - O leilão de amanhã do campo de Libra excita os leigos e divide os técnicos, mobilizando corações e mentes país afora.

A direita liberal critica a "privatização estatizante", enfatizando a contradição em termos. Já a esquerda antiquada grita que estão entregando as riquezas naturais para estrangeiros.

Em busca do equilíbrio, Dilma, a economista e gerentona, assimilou que, sem investimentos privados nacionais e externos, nem o pré- sal reverte para o bem-estar dos brasileiros nem o país avança. Contudo Dilma, a ex-pedetista e atual petista, se contorce entre o que acha melhor para o país e o que ela e seus partidos cultivavam como cláusula pétrea.

O resultado é o que os especialistas chamam de "abertura envergonhada", que fica no meio do caminho. Abre-se o mercado, mas com tantas dúvidas, condicionantes e rodeios semânticos que os grandes investidores se sentem amedrontados.

Investidor não é amigo nem benemérito. Quer ambiente favorável, confiança, regras estáveis e, obviamente, garantias razoáveis de ganhos. Em contrapartida, tem de comprovar competência e assumir responsabilidade para divi- dir o lucro do sucesso ou o prejuí- zo do insucesso.

Digamos que os investidores desejáveis sejam mais ou menos o oposto dos que ganharam a licitação dos aeroportos brasileiros, que não têm portfólio nem reconhecimento do mercado. Os grandes recuaram, eles avançaram. Deu no que deu e ninguém sabe como corrigir.

Vença quem vencer, a Petrobras tem garantido seu quinhão de 30% de participação e o governo brasileiro vai embolsar R$ 15 bilhões para cumprir o superávit fiscal. Entretanto a maioria dos consórcios estrangeiros é... estatal.

E seja o que Deus, os vencedores e a improvisação brasileira quiserem. As futuras gerações saberão avaliar.

Um passeio no Zoológico - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 20/10

Temos também esses parques em grandes cidades brasileiras, mas com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes


Não há motivo para pânico ainda, mas talvez para certa inquietação. Em muitas lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais aqui de Berlim, estampa-se, em local visível, um peremptório aviso aos fregueses: não se aceitam, sob nenhum pretexto, notas de quinhentos euros. Nas lojas onde não postam o aviso, quem tenta usar uma nota dessas recebe um olhar suspeitíssimo, se sente um Al Capone e fica com medo de que chamem a polícia. A loja prefere receber de volta a mercadoria escolhida a sequer tocar na nota maldita, não adianta insistir. Nas grandes lojas, os caixas também fazem um ar de extrema desconfiança, mas, quando a venda vale a pena, pegam a nota como se ela estivesse contaminada por uma bactéria mortífera e a levam para um exame pericial. Já devem ter inventado uma máquina especializada nesse serviço, porque o exame leva pouco tempo e se declara um alívio geral, quase festivo, quando o funcionário volta depois da perícia, já segurando a nota com o carinho devido a quinhentos euros legítimos. Suspiros, sorrisos e manifestações quase festivas se seguem, uma verdadeira confraternização internacional.

Já tomei vários sustos, pois, como lhes disse uma vez, carrego o infortúnio de ter a cara errada em toda parte. Nos Estados Unidos, tenho cara de cucaracha e, em formulários que patenteiam a obsessão racial americana, sou classificado como “hispânico”, lembrete para que não fique me achando branco, porque lá branco é uma coisa e hispânico, mesmo se louro de olhos azuis, é uma das três “raças” mais comuns, distinta de African Americans e de brancos. Devo ser a cara de Evo Morales e suponho que dou sorte em não me acharem descendente de negros africanos, porque a barra para estes, como sabemos, costuma ser mais pesadinha do que para hispânicos. E, quando não sou hispânico, creio que minha cara é de árabe, o que certamente já foi responsável por episódios pouco gloriosos em minha movimentada existência, como no dia em que, no aeroporto de Chicago, decidiram que minha aparência se encaixava num tal perfil do terrorista que na época usavam e me fizeram um checape minucioso, antes de me liberarem com o que me pareceu alguma relutância. E também houve um dia, no aeroporto de Atlanta, em que me retiraram da fila que já estava à entrada daquele canudo pelo qual se faz o embarque no avião para me revistarem, com direito a ter o traseiro fuçado por um cachorro, que, por sinal, demorou um pouco para dar seu veredito, me deixando com temor de ser enviado imediatamente para a prisão de Obama, em Guantánamo.

Na França, também tenho cara de árabe e na Espanha, como nos Estados Unidos, tenho cara de hispânico, ou seja, imigrante de alguma ex-colônia espanhola, que não costuma (ou não costumava, antes de a crise econômica bater por lá, fazendo com que os trocados gastos pelos turistas da América do Sul abafem momentaneamente o antagonismo) ser recebido de braços abertos. Em Portugal, tenho cara e fala de brasileiro e os funcionários da Imigração não costumam responder ao bom-dia jovial com que manifesto meu contentamento em estar de volta à terrinha. Uma vez, tentando caracterizar-me como grande amigo do país, apontei para minha comenda portuguesa, orgulhosamente espetada na lapela, e me veio a impressão momentânea de que aquele esbirro de maus bofes ia pedir meu encarceramento e deportação como impostor. Na Alemanha, tenho cara de turco. E cara de nordestino no Brasil, o que, como se noticia de vez em quando, pode render-me até linchamento. É duro.

É duro, mas, mesmo com este meu aspecto de cúmplice da quadrilha responsável pela falsificação de notas de quinhentos euros, Berlim continua a ser uma das cidades mais fascinantes do mundo. Ao contrário dos estereótipos que, no Brasil, alimentamos sobre os alemães, a cidade é alegre e gentil, aberta e hospitaleira, tanto quanto uma grande cidade pode ser. Em uma mercearia da Kantstrasse, é possível até comprar farinha de Feira de Santana, ou todos os ingredientes para uma feijoada. Ou, se não se puder fazer a feijoada pessoalmente, achar um restaurante que a sirva. Não descarto nem mesmo uma moquequinha, ou um tabuleiro de baiana na Breitscheidplatz. Entre museus, exposições, concertos, performances especiais, livrarias, restaurantes de todos os tipos e categorias e uma pulsação que não cessa dia e noite, é difícil escolher e achar tempo para ver e experimentar tanta coisa.

De minha parte, não dispenso a visita de sempre ao Zoológico, que não ouso descrever, porque não me considero capaz. Na entrada, topei novamente com um grupo de crianças, percorrendo tudo na companhia de uma professora. Ir ao Zoológico, assim como a museus e correlatos, é considerado uma importante ação educativa. Um bom Jardim Zoológico faz parte da educação que todos devemos dar à juventude e me vi, mais uma vez, encantado com o que se apreende e compreende por lá, abrindo a cabeça para o muito deste mundo cujo conhecimento nos é necessário e indispensável. E aí observei, mais uma vez, como as coisas são relativas. Temos também zoológicos em grandes cidades brasileiras, mas o estado em que no geral são mantidos, com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes, como acontece no Rio de Janeiro, não é educativo, antes muitíssimo pelo contrário. O que em Berlim educa, no Brasil deseduca. Não estou propondo que se gaste dinheiro com a reabilitação dos zoológicos brasileiros, temos outras prioridades. Mas sugiro que os eliminemos, enquanto forem chiqueiros infectos e cruéis, porque, do jeito em que estão, são muito danosos à educação dos jovens e do povo em geral. Já não gastamos o necessário com a educação. Então pelo menos paremos de gastar com a deseducação e a promoção da insensibilidade. Mas não aposto nem uma nota de quinhentos euros que isto venha a acontecer.

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