Na época em que estudei em Garanhuns, com freqüência eu tinha contato com um senhor simpático, elegante, trejeitos ingleses e muito bom de conversas. Como também sou de conversa fácil, íamos sempre discorrendo sobre vários assuntos no ônibus dirigido por Nininho. Certo dia, para minha surpresa, esse senhor me contou uma história interessantíssima. Tornou-se famoso dentro do ônibus que eventualmente usava quando voltava de Caetés (ele morava em Garanhuns na época) em visita a seus parentes. Mal sabia eu que esse senhor foi o homem que transportou a família do Lula até o sudeste. Mexendo aqui nos sites, encontrei uma entrevista com ele e pude revê-lo. Vejam que história!
ENTREVISTA COM O MOTORISTA QUE LEVOU LULA E A FAMÍLIA PARA SÃO PAULO EM 1952.
Ao reconstituir a história da vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o filme Lula, o Filho do Brasil, a ser rodado em 2009, o cineasta Fábio Barreto deparou com o caminhoneiro José Francisco dos Santos.
Ele diz ser o motorista que, há 56 anos, levou Lula e sua família de Garanhuns, no interior de Pernambuco, para São Paulo. O caminhoneiro relembrou a viagem em entrevista à repórter Mariana Amaro.
Como foi a viagem que o presidente Lula fez, ainda criança, para São Paulo?
Começou às 5 horas da manhã de um dia de calor de 1952 e durou para mais de dez dias. O menino Lula quase ficou para trás.
Como isso aconteceu?
Logo que peguei a estrada, pediram para ir ao banheiro. Parei. Uns vinte minutos depois, disseram que todo mundo já estava no pau-de-arara. Como eram mais de 100, não tinha condição de contar. Perguntei de novo se estava todo mundo lá. Disseram que sim. Já tinha rodado uns 40 metros quando uma mulher gritou: “Meus filhos ficaram”. Parei e vi dois moleques pançudos chorando e correndo atrás do caminhão. Um dia desses, o Vavá (Genival Inácio da Silva) me contou que eram ele e Lula.
Quanto o senhor cobrou pela viagem?
Deles, eu não cobrei nada. Não tinham de onde tirar. Estavam passando necessidade. Um político amigo meu me explicou a situação e pediu que eu não cobrasse. Fiquei no prejuízo. O político me disse que eram oito pessoas. Quando eu cheguei, onze me esperavam. Como cada passagem custava 250 cruzeiros, deixei de ganhar 2 750 cruzeiros. Eles não foram os únicos que vieram de graça. Eu trouxe mais de 100 000 pessoas para São Paulo. Não teve viagem em que não viesse alguém sem pagar.
Mas era um bom negócio ser dono de pau-de-arara?
Era ótimo. Cheguei a ter quatro caminhões para trazer o povão do Nordeste para São Paulo. Juntei bastante dinheiro. Acabei perdendo quase tudo quando entrei na política. Em 1962, eu me elegi vereador em Garanhuns. Tive um mandato de seis anos. Fui do partido do governo militar, a Arena (Aliança Renovadora Nacional). Gosto muito de política, mas, naquele tempo, tinha de ter dinheiro para entrar nela. Os eleitores exigiam muito. Cobravam pelo voto. Queriam sapato, roupa, passagem, consulta médica…
O senhor já votou em Lula?
Nunca. Não votei nem votarei. Até a família dele dizia que ele era comunista, e eu sempre fui de direita. Aliás, tenho um desejo grande: gostaria de viver para assistir à volta do regime militar ao nosso país. Foi Pedro Álvares Cabral quem descobriu o Brasil, mas quem construiu o país foram os 21 anos de governo militar. Se for tirado o que o regime militar construiu, não fica nada.
Depois da viagem, o senhor chegou a reencontrar o presidente?
Sim. Em 2006, ele foi a Garanhuns e falou que queria me conhecer. Quando cheguei, esperei que fosse, pelo menos, me oferecer a mão. Ele falou para mim: “Dizem que foi o senhor que levou minha família e eu para São Paulo em 1952″. Eu respondi: “Dizem não, é a realidade”. Lula deve ter pensado que era mentira, porque me pareceu muito mal-agradecido. Depois, quis ver onde ficava a casa em que ele estava quando eu passei para buscar a família. Aí, foi um pouco mais simpático.
O senhor se arrepende de ter-lhe dado carona?
Na vida, só me arrependo de não ter aprendido a ler direito. Se eu tivesse estudado, seria um Rui Barbosa.
Fonte: Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário