Quer seja através de uma igreja, um clube ou grupo político, os jovens tem sempre a mania de serem exagerados em seus engajamentos. E o pior é que acreditam que as resoluções serão, mais/ou menos, instantâneas, proporcionalmente ao “fervor” devotado a causa a que se dedicam. Muita emoção, muita adrenalina e, também, na maioria das vezes, muita inocência e intolerância.
Eles querem, quase sempre, mostrar de maneira bem clara e, por isso - são “espetaculosos”- que estão certos. Quer seja pela “ostensividade” nas demonstrações quer seja pela reclusão excessiva, que torna bem visível a invisibilidade a que, supostamente, se propõem - os jovens , encontram sempre uma maneira de aparecer de forma bem contundente. Evidentemente que esses processos não são vividos de forma consciente. E, é claro, também que existem as gradações e diferenças mas , de uma maneira geral - nos jovens - tudo é excessivo, desde a exuberância à timidez. Com a maturidade existe uma tendência, através “das aparas” – oportunidades, experiências e porradas - oferecidas pela vida, das pessoas adquirirem um comportamento mais estável e assumirem engajamentos mais conectados com “o sentir e pensar”, tornando o seu agir mais coerente.
Bom, existem , também – e em número bastante significativo – aquelas pessoas que envelhecem, mas não amadurecem... Não vou discutir aqui as causas “desse fenômeno”, mas que acontece, acontece.
Sem querer transformar essas “mal traçadas linhas” em verdades absolutas, e com a intenção apenas de dar um pequeno parecer sobre o assunto de forma a clarificar o contexto de alguns episódios vividos por mim, na juventude, acho entretanto , que existe essa tendência aos excessos e extremos na juventude. Partindo daí, os engajamentos ou, falta deles, são sempre exagerados e, como tudo que é exagerado, são perigosos. Temos, quando somos jovens, áreas de afinidade e interesse e coisas que nos atraem, de forma que sabemos, ou pelo menos, intuímos , o que queremos – não acredito no que se diz por aí que os jovens não sabem o que querem. Acho que em certo sentido, eles sabem sim, mas sem dúvida nenhuma com o seu açodamento e, dependendo da presença ou “falta de presença” de referências fortes, os jovens podem se perder..., nas mais diversas formas - de si mesmos, dos propósitos que perseguem e, em casos mais drásticos, da própria vida. Os meios de comunicação estão aí, com casos verdadeiramente assombrosos.
É a idade onde se corre riscos sem nenhuma consciência deles e os passos são sempre maiores ou menores do que as próprias pernas. E tanto em um caso quanto em outro existe um descompasso nas passadas.
Lembro-me que desde menina tinha um certo interesse e atração por tudo o que fosse grupo, participação e defesa de direitos. Então fiz parte de grupos religiosos, filantrópicos e políticos. Achava realmente que tinha de dar uma contribuição para a sociedade e “lutar pelos direitos dos pobres e oprimidos” – justiça para mim era a palavra de ordem, e ainda é hoje. Só que me meti em confusões monumentais porque o meu perfil de jovem era composto de timidez e ousadia e essa última característica sempre sobrepujava a primeira e criava situações realmente “danadas”.
Em época de colégio, fazia parte de um grupo da igreja católica progressista e discutíamos bastante sobre a importância de nossa contribuição para a construção de um mundo melhor - estudávamos, participávamos de passeatas de protestos e movimentos de solidariedade. Nessa época, minha ligação com a igreja era mais de cunho político e social do que religioso - fui cair em um grupo de igreja através de amigas que participavam e tive oportunidade de conhecer padres que tinham um posicionamento bem coerente diante da vida, à partir da doutrina cristã. Isso me encantava, pois minha experiência, de infância, com a Igreja Católica tinha sido muito ruim. Portanto, o que me interessou mais nesses grupos foi o contato com os protagonistas da Teologia da Libertação e disso não me arrependo de maneira nenhuma - foram ótimos esses contatos, aprendi muito.
O problema complicou mais quando fui convidada a compor a chapa do grêmio do colégio em que estudava – Colégio Estadual do Recife. Ao sermos eleitas, descobri que algumas colegas do grêmio namoravam com rapazes ligados a diversos partidos políticos clandestinos na época. Quanto a isso, já desconfiava mesmo..., não achava nada demais, mas depois comecei a perceber que éramos “joguetes” na mão desses caras e como os partidos eram diferentes, existiam brigas dentro da própria equipe. Minha situação era extremamente desconfortável porque não tinha ligação com nenhum partido e muitas coisas eram omitidas de mim – na realidade acho que fui convidada, porque tinha uma certa liderança e idéias progressistas para eles e, poderia, no turno da manhã, pois as demais colegas eram da tarde e da noite, “ inflamar” o colégio. Comecei a me desentender com as pessoas, queria ser informada de tudo – tinha esse direito!
Certa ocasião, peguei uma grande briga porque as colegas queriam buscar a adesão das alunas do colégio para uma manifestação na reitoria da Universidade Federal de Pernambuco, em protesto pela invasão da Universidade de Brasília (ano de 1968). Fui contra porque essa manifestação seria pela manhã e, no turno da manhã, a média de idade era muito menor do que a da tarde e da noite e, eu achava um absurdo expor meninas de 12 a 15 anos a uma situação perigosa, sem elas ao menos entenderem o motivo. Enfim, lutando contra minha timidez, firmei essa posição, mas no dia da tal manifestação , chegaram as companheiras da tarde e da noite – os namorados ficaram na parte externa do colégio e começaram a insuflar o grupo. De repente, chega o pai da “rebelde principal”, puxa ela pelos cabelos e a leva para casa a força. Outras sumiram subitamente e eu, sem entender direito o que estava acontecendo, me encontrei sozinha com uma colega do grupo que concordava comigo e, não tivemos saída. Eu era a vice-presidente do grêmio e as outras meninas do colégio queriam explicações, então subi em um banco e tentei acalma-las e explicar uma situação que nem mesmo eu entendia. De repente, um policial surgido não sei de onde, pega no meu braço e graças a empolgação das adolescentes que queriam livrar a nossa cara e empurraram o policial, eu e a outra colega, saímos correndo com o coração aos pulos e os pés batendo na bunda . Fizemos o percurso do Parque 13 de Maio até Colégio Estadual de Pernambuco, hoje Ginásio Pernambucano, com a velocidade de balas de canhão – não sei como chegamos vivas com todo aquele medo e pavor. Mas, como éramos jovens e o juízo era muito pouco, resolvemos , já que estávamos lá, aproveitar e participar de uma outra manifestação que estava acontecendo no momento, com outro grupo. Minha colega até inventou de dar uma entrevista para um jornalista que estava lá. Enfim, depois do susto, ficamos eufóricas e a adrenalina era tanta que não conseguíamos pensar no que tinha acontecido, nem no que deveríamos fazer. Ficamos agindo só “em cima” da emoção. Ter escapado do policial que corria atrás da gente nos deixou “cheias de poder” e foi só isso o que contou todo o restante do dia.
Márcia Suelena
19 de Outubro de 2008.
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