A Grécia levou algum tempo para destruir os instrumentos de proteção ao crescimento e à estabilidade econômica e pôr no lugar o caos que fez mergulhar o país na maior crise social de sua história recente. Funcionou assim: por vários anos o governo gastou mais do que arrecadava, o déficit cresceu como bola de neve e, para cobri-lo, o país tomava empréstimos cada vez mais caros, elevando a dívida pública a patamares absurdos, impagáveis. Para esconder a ameaça de descontrole, os governantes falsificaram os indicadores econômicos e seguiram tomando empréstimos.
Mas o mercado financeiro não é bobo, percebeu a falseta e fez secar as fontes que jorravam dinheiro na Grécia. Falido, sem tostão para pagar os credores, o governo grego recorreu ao FMI para evitar o pior: a moratória que arrastaria a Europa inteira.
O leitor com mais de 35 anos conhece bem esse script. O Brasil o viveu em dois momentos: nas moratórias de 1982 e de 1987. Nos dois episódios, sair do caos e recuperar o crédito perdido implicou recessão econômica, retração dos investimentos, desemprego, congelamento de salários e empobrecimento do País e dos brasileiros. Como acontece agora na Grécia, aqui também ocorreram manifestações de protesto, confronto com a polícia, feridos nas ruas.
O governo FHC criou mecanismos institucionais para proteger o País contra gestões públicas irresponsáveis, e o mais importantes deles foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acaba de completar dez anos e foi comemorada em seminário em Brasília.
No debate foi unânime a aprovação à lei. Até o PT, que brigou para não aprová-la em 2000, hoje no governo a aplaude. Mas para governadores e prefeitos, não para a gestão Lula. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse no seminário ser contra definir limites para o endividamento da União, como há para Estados e municípios. Se José Serra for eleito, com certeza o ministro muda de opinião. Agora não, porque Lula quer ter liberdade para aumentar a dívida pública e emitir dinheiro para gastos questionáveis, sem se submeter a limites e ameaçando o futuro do País.
O governo Lula foi bem na gestão de gastos e da dívida enquanto o ex-ministro Antonio Palocci comandava a economia. Ele e Paulo Bernardo, do Planejamento, arquitetavam um plano de redução de despesas e da dívida pública quando foram golpeados pela ex-ministra Dilma Rousseff. A partir daí o governo deu uma guinada política em direção ao Estado forte, grande e caro, que não se limita a regular - interfere e toma o lugar de agentes privados.
No modelo Dilma, se o Estado precisa de dinheiro para funcionar, não há problema: aumenta-se a dívida pública, mas com a artimanha de maquiar a contabilidade e parecer para os credores que não vai tirar do superávit primário (economia para pagar a dívida). O governo transfere dinheiro para o BNDES e diz que está emprestando; emite dívida para capitalizar a Petrobrás e não inclui no superávit primário; promete fazer o mesmo com a Eletrobrás e, em final de gestão, ressuscita a Telebrás e empurra para o próximo presidente desembolsar R$ 3,2 bilhões para capitalizá-la. Nada disso entra na contabilidade da dívida líquida, mas a dívida bruta explode.
São esqueletos que o governo Lula deixa para o sucessor. E, como do Palácio do Planalto saem sinais de que quem comanda é o interesse político e o papel da economia é viabilizá-lo, os súditos da Câmara dos Deputados seguem a lição do chefe e aprovam o fim do fator previdenciário e o aumento de 7,7% para aposentados, acrescentando mais R$ 5,4 bilhões no enorme rombo na Previdência. Não causará espanto se Lula não os vetar. Afinal, o bem-amado não quer deixar o governo odiado por aposentados.
A situação financeira do Brasil é diferente da da Grécia. Mas a Grécia não chegou ao colapso rápido, foram anos de má gestão. Aqui, o risco é estarmos iniciando a trajetória da Grécia, conduzidos por um governo que gasta mais do que pode e expande a dívida pública para saciar seus gastos. E pior: com a inflação ascendendo.
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