quarta-feira, 22 de novembro de 2017

"Mugabe e seus colegas fizeram da África a Venezuela do século 20", por Leandro Narloch




Folha de São Paulo


Quando brasileiros escolarizados refletem sobre as causas da miséria da África subsaariana, costumam repetir em coro que "as potências europeias, ao criarem fronteiras artificiais que não respeitavam divisões tribais, criaram golpes e guerras civis no continente". Robert Mugabe, que renunciou nesta terça-feira (21) à Presidência do Zimbábue, mostra que esse lugar-comum do Enem não dá conta de toda a explicação.

Certamente o imperialismo europeu tem sua culpa. Mas o que esculhambou mesmo a África foram algumas ideias europeias –ideias erradas que inspiraram revolucionários e intelectuais.

Mugabe é um dos últimos exemplos do ativista africano intelectualizado e marxista, com frequência formado em ciências humanas em universidades europeias, que ao chegar ao poder deixou seu país ainda mais miserável que na época do domínio europeu.

Influenciados pelo leninismo, os ativistas africanos dos anos 1960 acreditavam que uma vanguarda de intelectuais redentores deveria guiar as massas rumo à revolução.

"Essa superioridade moral os colocou acima da prestação de contas com o povo", escreveu o cientista político etíope Messay Kebede. Foi assim que intelectuais se converteram tão facilmente em ditadores.

(Um retrato magnífico do clima intelectual daquela época está no romance "Uma Curva no Rio", de V.S. Naipaul, Nobel de Literatura de 2001.)

Mugabe conheceu o marxismo na África do Sul, onde se formou em história e literatura inglesa. Seu grande inspirador foi Nkrumah, o primeiro líder político da Gana recém-independente. Formado em filosofia na University College London, capa da revista "Time" em 1953, Nkrumah encarnava o otimismo do "wind of change" que soprava pela África.

Durou pouco esse otimismo. Nkrumah fechou Gana ao comércio internacional, aumentou impostos sobre os produtores de cacau para financiar projetos de modernização (como uma companhia aérea estatal), transformou o superavit do país em deficit, proibiu partidos políticos e usou a Justiça para perseguir opositores.

Na Tanzânia, o primeiro-ministro Julius Nyerere, formado em economia na Universidade de Edimburgo, confiscou bancos, fazendas e companhias estrangeiras. Queimou vilarejos para forçar a população a trabalhar em fazendas coletivas que, claro, não deram certo. Grande exportador de comida em 1960, a Tanzânia se tornou o maior importador na década seguinte.

Zimbábue, Tanzânia, Moçambique, Quênia, Etiópia, República Democrática do Congo, Senegal, Uganda e diversos outros países africanos passaram por uma sequência de eventos muito parecida. Envolveu ditadores socialistas, confisco de propriedades, fuga de capitais, crise fiscal, hiperinflação, desabastecimento, crises de fome, emigração e perseguição de opositores.

A tragédia que a Venezuela vive atualmente segue esse mesmo roteiro –por enquanto, com consequências mais brandas que no Zimbábue de Robert Mugabe.

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