quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Horror, indignação e vergonha – Editorial | O Estado de S. Paulo


Diante da tragédia ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, na qual 56 presos foram mortos – alguns decapitados, esquartejados e carbonizados – numa briga de facções criminosas, que chocou a opinião pública, os sentimentos predominantes são de horror, indignação e vergonha. Horror pela selvageria, indignação pela inércia do poder público, porque essa era uma tragédia mais do que anunciada, e vergonha diante de nós mesmos, em primeiro lugar, e também diante do mundo.

As cenas de barbárie, que se vêm tornando corriqueiras nos acertos de contas e nas revoltas nas penitenciárias de todo o País, dominadas por organizações criminosas, desta vez surpreenderam até mesmo os especialistas e observadores mais pessimistas. Só não se pode dizer que atingiram o paroxismo, porque a essa altura é possível esperar qualquer coisa, de tal forma se degradou a situação nas prisões. E a tal ponto que, apesar das dimensões e características da tragédia, as autoridades e a população respiraram aliviadas porque 13 funcionários e 70 presos tomados como reféns acabaram libertados, parte deles apenas ferida.

Durante a rebelião, que começou domingo e durou cerca de 17 horas, os presos ligados ao grupo Família do Norte (FDN), aliado ao Comando Vermelho (CV), do Rio, caçaram os integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), o grupo paulista que se espalhou por todo o País, no mais sangrento acerto de contas, até agora, entre essas organizações criminosas, que lutam pelo poder dentro dos presídios e disputam o tráfico de drogas, que há muito se transformou em sua maior fonte de renda. Derrotado nesse episódio, já se especula sobre o que fará agora o PCC, o mais forte daqueles grupos.

Tão chocante quanto a selvageria de Manaus – e embora de natureza diferente – é a constatação, que ocorre a qualquer pessoa minimamente informada, de que ela é tudo, menos surpreendente. Tanto ela como as muitas outras que a precederam são a consequência inevitável da omissão do poder público, em todos os seus níveis e em sucessivos governos, diante da degradação do sistema penitenciário e seu controle de fato por organizações criminosas como o PCC, o CV e a FDN. Situação que se agravou ainda mais e se tornou explosiva, quando a esse controle aberrante se juntou a disputa entre eles pelo predomínio e pelo tráfico.

A resposta do poder público a esse desafio nunca foi além de ações tímidas. A superlotação dos presídios e as consequentes condições degradantes em que vivem os presos – de Norte a Sul do País, em Estados ricos e pobres – não pararam de piorar nas últimas décadas. Entre 1990 e 2015, a população carcerária cresceu muito mais do que o número de vagas construídas. O sistema tem capacidade para 310 mil presos, mas abriga 600 mil. No Compaj, a relação é de 454 vagas para 1.229 detentos. A existência de um grande número de presos sem julgamento ou que poderia cumprir pena alternativa só piora as coisas.

Foi nesse caldo de cultura que vicejaram PCC, CV e FDN. O controle dos presídios por esses grupos inclui a livre entrada – com raríssimas exceções, que não pesam no conjunto – de telefones celulares que asseguram um eficiente sistema de comunicação entre os líderes presos e comparsas soltos.

Os governos federal e estaduais estão colhendo o que plantaram nas últimas décadas. E o mais desanimador é que, apesar das tragédias que se sucedem, entre as quais a de Manaus é – até agora – apenas uma das mais escabrosas, não há da parte das autoridades nenhum sinal de reação. Em vez de dar prioridade à melhoria e ampliação do sistema penitenciário, o governo federal editou medida provisória que permite transferir 30% dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para a área de segurança pública.

E o ministro de Justiça, Alexandre de Moraes, que passa por ser o inspirador desse disparate, ainda se permite tratar a tragédia de Manaus com um tom burocrático, sem a menor sensibilidade para aquilatar o que se passou – inclusive minimizando a luta de facções que está por trás dela –, numa atitude que beira a irresponsabilidade. É o pior que poderia acontecer nessa hora grave.

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