domingo, 4 de agosto de 2013

DENIS ROSENFIELD: 'FORÇA E VIOLÊNCIA'

Força e violência

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Marcos Bizzotto/Estadão Conteúdo
A cobertura midiática das manifestações violentas de ruas torna-se, muitas vezes, tediosa. Os fatos não são minimamente apresentados, além de o telespectador ou leitor ficar sem os instrumentos adequados para entender o que está acontecendo. Em geral os agentes da violência são apresentados como "infiltrados", sem  vinculação com  movimentos sociais.
 
 Isto seria verdadeiro se os entendêssemos  no sentido de movimentos espontâneos, independentes, frutos da sociedade civil, e não no sentido de movimentos sociais organizados, vinculados aos grupos mais à esquerda do espectro político. Neste último sentido, não se trata de "marginais", "criminosos", mas de "revolucionários", que almejam a transformação social por meio da violência. 
 
 Poderíamos definir esses agrupamentos políticos como de "dupla face", uma publicamente apresentada como palatável aos olhos da opinião nacional e outra oculta, mas organizada na instrumentalização da violência. Nessa  acepção, surgem os ditos "vândalos", que são politicamente organizados, com formas de atuação própria que se repetem por todo o país. Na primeira acepção, aparecem as demandas de redução das tarifas de transporte público, com alguns interlocutores que sabem  se apresentar diante das câmaras de televisão.
 
Nesse caso não se trata do crime organizado que se aproveita da situação, mas de uma forma de organização política que usa da violência para a consecução de seus objetivos. Pode ocorrer que haja até uma instrumentalização do crime organizado através de grupos situados mais à esquerda do espectro político. 
 
Peguemos o caso exemplar do Movimento do Passe Livre. De um lado, o movimento ganhou representatividade, uma vez que  lutou e conquistou a redução de tarifas do transporte público na cidade e no estado de São Paulo, repercutindo sobre todo o País. Sua imagem pública, nesse sentido, é altamente palatável. 
 
De outro lado, trata-se de um movimento organizado, cuja pauta é nitidamente anti- economia de mercado, antidireito de propriedade, e confessa afinidades com outros movimentos sociais e  grupos à esquerda dentro do PT, além de  outros partidos de extrema esquerda, como PSOL e PSTU. Note-se que todos esses grupos são de natureza revolucionária, anticapitalista. São contra o governo petista por este não ter honrado a ideologia e o discurso do partido. 
 
É nesta perspectiva que deve ser compreendida a pauta levantada contra a "criminalização dos movimentos sociais". Trata-se de  bandeira já antiga,  muito utilizada pelo MST para se manter ao abrigo da legislação penal. Um crime não seria um crime, mas um "ato social contra a injustiça" ou contra o "capitalismo". Durante anos, o MST  utilizou esse discurso para invadir impunemente propriedades rurais. Na verdade, buscava – e busca – o passe livre da impunidade.
 
Eis que o passe livre ganha outra significação. Não se trata da tarifa zero dos transportes públicos, mas da legitimação da violência, como se a sociedade não tivesse direito de se defender. Quando os próprios manifestantes, em sua ampla maioria, se demarcaram desses atos violentos, eles reivindicavam para si outra forma de fazer política, livre das amarras "revolucionárias" da esquerda. Se a sociedade brasileira embarcar nessa ideia da não criminalização dos movimentos sociais, ela terminará por abrir caminho à impunidade. 
 
O Rio de Janeiro, nesses últimos dias da visita do Papa, e antes dele, bem mostra como a impunidade se traduz pela multiplicação da violência. Há, mesmo, uma espécie de subentendido nas operações policiais de todo o Brasil de não utilização da repressão, como se essa fosse uma forma de operação não adequada a um Estado democrático. Cabe aqui um reparo conceitual em relação à cobertura dos meios de comunicação, comum ao viés ideológico reinante na sociedade brasileira atual. 
 
Muitos jornalistas equiparam, como se fossem a mesma coisa, a "violência policial" à "violência" de manifestantes que queimam ônibus, depredam, quebram vidros e saqueiam lojas. Só se pode falar de violência policial quando ela exorbita para o que não é justificável, atingindo, por exemplo, inocentes. O Estado, no exercício de suas atribuições de segurança, utiliza a força para assegurar a vida dos cidadãos e a integridade dos seus bens. 
 
A repressão é uma expressão desse uso legal da força, embora muitos entendam a repressão de um ponto de vista pejorativo. Repressão é impedir a eclosão da violência. Nenhum Estado democrático pode existir sem o uso policial da força, pois sucumbiria ao exercício generalizado da violência. O que uma minoria de manifestantes fez foi recorrer à violência, e deve ser reprimida. Não importa se o governador é do PSDB (São Paulo), do PT (Rio Grande do Sul) ou do PMDB (Rio de Janeiro). 
 
Deveria causar espanto o fato de várias forças policiais terem saído às ruas com ordens expressas de não reprimir. Em alguns estados, foram orientadas a não usar balas de borracha, ou a utilizar com máxima parcimônia bombas de gás lacrimogênio e falou-se em supervisão da Anistia Internacional. A orientação foi  não reprimir, o que equivale a dizer: o caminho está livre para a violência.
 
Não se trata,  evidentemente, de justificar os abusos policiais que, de fato, ocorreram. Tropas melhor preparadas cumprem melhor as suas obrigações. Daí não se segue, contudo, que as forças de proteção da sociedade não possam cumprir com seus deveres mais elementares. De tanto bater nas polícias, alguns formadores de opinião estão abrindo as portas para as formas mais extremas de violência. 
 
Por último, cabe a pergunta, válida para todo o País: por que os agentes da violência não são devidamente presos e identificados? Por que  suas ramificações ideológicas e políticas não são devidamente investigadas? Será que elas mostrariam uma "inocência" inexistente? 
 
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRS

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