segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Fernando Gabeira: Políticos para se falar bem


- O Globo

Arinos e Nabuco, no meu entender, têm muito em comum. Longas passagens pela Europa, famílias de políticos ilustres

Hoje gostaria de elogiar dois políticos brasileiros. Não se assustem: estão mortos. Um deles é Afonso Arinos, cujas memórias, “A alma do tempo”, acabam de ser publicadas na íntegra pela Top Books, um feito editorial, pois constam de 1.779 páginas, incluídas as notas. Nos últimos dez dias, consegui ler 400. Não posso falar ainda sobre o livro no conjunto. Mas o que li até agora é o bastante para lamentar ter perdido, por alguns anos, a chance de conviver com Arinos no Congresso. Quando cheguei, já não estava mais.

Essa hipótese de convivência nem existiu com Joaquim Nabuco, autor de “Minha formação”. Só mesmo na fantasia poderia estar ao seu lado, fazendo perguntas, ouvindo e anotando seus discursos.

Arinos e Nabuco, no meu entender, têm muito em comum. Longas passagens pela Europa, famílias de políticos ilustres. Nabuco e Arinos escreveram sobre seus pais. Nabuco, “Um estadista do Império”, Arinos, “Um estadista da República”, dois livros já indicam uma certa continuidade histórica entre os dois.

Nabuco foi um dos líderes da campanha pela Abolição. Afonso Arinos é o autor da lei brasileira contra a discriminação racial. O que José Guilherme Merquior diz sobre Arinos, num dos prefácios de “A alma do tempo”, talvez seja válido também para Nabuco: “o sabor das elites que aprendem com a história e acabam por liderar as mudanças construtivas.”

A principal tentação é a de afirmar que existem políticos interessados no país, capazes de se bater por grandes ideias, algo bastante diferente do que se pensa hoje. Gilberto Freyre destaca essa qualidade em seu conterrâneo Nabuco, acentuando que é importante conhecê-lo num momento em que os políticos parecem mistificadores e o Congresso, uma inutilidade dispendiosa.

Minha vontade de estudar e escrever sobre as semelhanças entre Nabuco e Arinos não é tanto extrair uma lição de moral de sua experiência política e sua passagem brilhante pela vida pública.

No fundo, é mais a constatação de um tempo perdido, uma certeza de que essas estrelas não acontecem mais em nossa constelação dirigente. A hipótese é de que a política perde importância, e essa decadência está associada ao próprio declínio do Estado, que aos poucos vai perdendo suas clássicas funções.

De qualquer forma, num passe de realismo mágico, seria interessante reviver essas duas figuras e passear com elas no panorama desolador de Brasília.

Nabuco certamente ficaria mais assustado, pois morreu muito antes da mudança da capital. Arinos viu a cidade nascer, passou por ela dois meses após sua fundação. Suas observações na época coincidem com as minhas hoje.

Arinos critica a inadequação dos prédios de Niemeyer para os órgãos públicos. Acha que não têm a privacidade necessária. O mesmo tenho dito sobre o Congresso, com pouco espaço específico para articulações. Ele reclama de não ter visto um cavalo arriado, uma galinha viva nas ruas de Brasília. Vi algumas carroças, mas galinha, só nas mesas.

O mais interessante, no nascimento de Brasília, foi sua intuição de que havia algo errado nas relações humanas e que aquilo indicava um potencial de corrupção nos círculos superiores.

Outro dia, li um relato na revista “Crusoé” sobre o que se passava em alguns gabinetes da Câmara, deputados comendo pão com linguiça, pedaços de galinha e trocando imagens de mulheres nuas nas telas de seus telefones. O que diriam Nabuco e Arinos diante dessa paisagem? Possivelmente, buscariam refúgio na literatura.

No meu último mandato, o nome de Nabuco surgiu como um meteoro num debate na Câmara. Um deputado me perguntou: “Quem é esse cara? Deve ser do PFL de Pernambuco, suponho”. “Ah, bem”, disse ele, e continuou o bate-boca.

Ambos, Nabuco e Arinos, de uma certa forma foram acusados de distância do país, de serem intelectuais com os olhos na Europa. Ao falar de Nabuco, Arinos explica bem o que há por trás de uma falsa impressão:

“A personalidade nacional coexiste muito bem. Nenhum diplomata brasileiro mais universal e mais nacional que Joaquim Nabuco. Nabuco é como um parque brasileiro antigo, cheio de mangueiras, de jaqueiras, de bogaris e que, de longe, dá a impressão de ser um parque inglês. É como um dos velhos jardins da Rua São Clemente”.

domingo, 30 de dezembro de 2018

Carlos Alberto Sardenberg: Melhorou, mas o velho está por aí



- O Globo

Bolsonaro pega um país mais arrumado. Fica também um Brasil velho, que atrapalha qualquer mudança

A economia claramente melhorou nos dois anos do governo Temer. Foi até surpreendente: a equipe econômica manteve sua integridade e sua capacidade de atuação mesmo depois que o governo foi atolado por denúncias de corrupção.

O país saiu de uma perversa combinação de recessão com juros altos e inflação elevada para um quadro de recuperação do crescimento, juros historicamente baixos, por um largo período, e inflação abaixo da meta. Contas externas em ordem, graças a saldos comerciais e investimentos estrangeiros.

Na verdade, o país voltou ao normal quando comparado com o resto do mundo. No tempo de Dilma, excetuando-se um ou dois, os países estavam em crescimento, com inflação e juros muito baixos.

Pois o Brasil de Dilma era exatamente o contrário: perda de riqueza, PIB em queda, inflação acima dos 10% mesmo com juros nas alturas. Merecia um prêmio Ignobel.

As contas públicas brasileiras continuam em estado de desastre. Nem se pode dizer que melhoraram, mas é certo que deixaram de piorar. Ou seja, antes iam de mal a pior; agora foram de pior a mal.

O déficit público foi reduzido, aprovou-se um teto de gastos —reforma inédita e crucial —, mas o problema estrutural é o mesmo: as despesas previdenciárias e com pessoal consomem parte cada vez maior do orçamento. Acreditem: se não for feita nenhuma reforma, em pouco tempo, algo como quatro ou cinco anos, toda a receita de impostos será destinada a pagar salários, pensões e aposentadorias.

Os salários dos juízes até poderão sair em dia, mas eles e todos os funcionários ficarão em casa porque não haverá dinheiro para pagar a conta de luz dos tribunais. Nem os medicamentos para hospitais. Pensaram no Estado do Rio de Janeiro? Pois é, pior que isso.

De todo modo, Bolsonaro pega um país mais arrumado e pronto para reagir bem às reformas.

Fica também um Brasil velho, que atrapalha qualquer mudança. Começa pelo Judiciário, empenhado em elevar salários, dane-se o resto. A troca do auxílio-moradia por um aumento salarial, tudo decidido dentro do próprio Judiciário, foi um escândalo monumental. Estranho que tanta gente acha que é assim mesmo, paciência.

Pior, o escândalo não terminou. Primeiro, que o Conselho Nacional de Justiça salvou o auxílio-moradia, com restrições, é claro. Mas podem apostar que essas restrições serão, digamos, “adaptadas” ao longo do tempo.

Enquanto isso, tribunais estaduais, como o de Mato Grosso do Sul, arranjam um auxílio-transporte que dá para pagar algo como dez mil litros de gasolina por mês.

Podem procurar outras peças pelos estados. Com isso, o teto salarial, agora de R$ 39 mil e uns trocados, continua sendo ultrapassado em diversos setores do funcionalismo, especialmente naqueles colocados mais longe do público. Policiais nas ruas, professores nas salas de aula, médicos e enfermeiros nos hospitais continuam na escala inferior.

A reforma do setor público tem duplo objetivo: conter o déficit e reduzir desigualdades. Não será tarefa fácil quando se sabe que as maiores desigualdades estão no Judiciário e nos Legislativos, por onde passam as reformas.

De resto, passam para 2019 muitos outros episódios antigos. Lembram-se do caso Celso Daniel? Pois a polícia de São Paulo acaba de prender, por acaso, numa blitz de trânsito, Klinger de Oliveira, condenado a 17 anos, em segunda instância, em novembro do ano passado, acusado de corrupção na prefeitura de Santo André (SP).

Segundo o processo, a roubalheira ocorreu durante a prefeitura de Celso Daniel (PT), assassinado em 2002. Caso obviamente em aberto.

A Lava-Jato encerra 2018 muito perto de um evento extraordinário: a negociação para delação premiada de Sérgio Cabral, que pode entregar membros do alto Judiciário e da comunidade internacional que decidiu sobre a Olimpíada, por exemplo.

E a gente fica pensando: se Cabral fechar a delação, só fica faltando o Lula. Parece que o STF vai tentar soltá-lo no ano que vem. Mas e se Cabral entregar o chefe? Lula poderia, então, ficar na situação de delatar ele também (quem?) ou passar um longo período na cadeia.

E Temer e seu grupo deixam o poder para os tribunais.

José Antonio Segatto: Desventuras de uma revolução


José Antonio Segatto: Desventuras de uma revolução

- O Estado de S. Paulo

Despótica e hostil à democracia, a gerontocracia cubana perdeu o encanto

Há seis décadas, em 1.º de janeiro de 1959, uma coluna rebelde tomou Havana, desencadeando um processo revolucionário. Encetada dois anos antes por um grupamento guerrilheiro em Sierra Maestra, a insurreição levou à deposição da ditadura corrupta e cruel de Fulgêncio Batista (1952-59) e sua substituição por um governo nacional-democrático , a seguir metamorfoseado em regime de cunho socialista, sob a liderança de Fidel Castro.

A sublevação vitoriosa, de fato, só foi possível dado o amplo apoio sociopolítico nas cidades: Movimento 26 de Julho, organizações sindicais e estudantis, partidos liberais e comunista, etc. Entretanto, forjou-se, em seu curso, uma versão mítica da revolução, segundo a qual ela só teria sido exequível pela façanha de um pequeno grupo de destemidos guerrilheiros comandados por Fidel Castro e Che Guevara - este, sobretudo após seu assassinato na Bolívia, em 1967, ganhou aura romântica e foi transformado numa espécie de grife, ícone da juventude rebelde.

Desde o princípio, ressalte-se, a revolução cubana tornou-se inconveniente para os Estados Unidos, cuja reação - compressão, rompimento de relações diplomáticas, financiamento da contrarrevolução (invasão da Baía dos Porcos), bloqueio econômico, etc. - empurrou o novo governo para a esfera de influência soviética.

Já em 1961 foi proclamado o caráter socialista da revolução, cujos desdobramentos a impeliram para a reprodução do regime soviético, adaptando-o aos trópicos caribenhos: propriedade estatal dos meios de produção, partido único, abolição dos direitos civis e políticos, coibição do dissenso, estabelecimento de polícia política de monitoramento e coação político-ideológica e da sociabilidade, supressão dos resquícios de democracia. Em consonância a isso o Partido Comunista Cubano (PCC), refundado em 1965, tornou-se partido-Estado. Sua adoção pela URSS, no entanto, com os crescentes préstimos econômicos e militares, políticos e culturais, implicou a instauração de um tipo de socialismo dependente e subsidiado.

Congruente com esse projeto-guia, em 1967 o Estado cubano, secundado pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) - numa hábil operação política -, fundou a Organização Latino-Americana de Solidariedade (Olas). Objetivando tirar o foco da pressão norte-americana sobre a ilha, deveria ser um instrumento multiplicador de movimentos revolucionários no continente, ou seja, espécie de estado-maior da revolução - apoio político, logístico, financeiro, bélico -, disseminaria focos guerrilheiros na região. Pequenos grupos de elite, vanguarda armada revolucionária, teriam o dever de replicar o exemplo cubano nos diversos países. Da dissidência dos partidos comunistas e de outros grupamentos ou seitas esquerdistas despontaram movimentos guerrilheiros de variadas espécies em países como Guatemala, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil, Uruguai, Argentina e outros.

À exceção da Nicarágua, onde a Frente Sandinista tomou o poder em 1979, nos demais lugares não só malograram, mas em muitos casos resultaram em tragédias políticas e até mesmo humanitárias. A reação brutal de setores dominantes por meio das Forças Armadas, com auxílio americano, criou condições para golpes de Estado e para o estabelecimento de ditaduras atrozes. Caso emblemático foi o do Chile, em que se abria, segundo Eric Hobsbawm, com a eleição de Salvador Allende “a perspectiva emocionante de uma transição pacífica sem precedentes para o socialismo”.

No caso chileno, a ação cubana desempenhou papel considerável na desestabilização do governo da Unidade Popular. Em 1972, Fidel Castro prorrogou sua visita ao país por um mês, acompanhado por insignes personagens do seu serviço de inteligência, que lá se instalaram por tempo alongado, pressionando o governo e/ou atiçando ações aventureiras de grupos e movimentos esquerdistas.

Além disso, a revolução cubana constitui um marco divisor na história da esquerda na América Latina. Os partidos comunistas que então iniciavam processos de renovação de seus projetos e de suas práxis - valorização da democracia, adoção da via pacífica e processual para o socialismo, abandono de compreensões estagnacionistas - sofreram uma inflexão e se defrontaram com a obliteração de suas intervenções político-institucionais no âmbito do Estado de Direito Democrático.

No momento em que o projeto da Olas já havia dado provas do seu infortúnio e a democracia (re)emergia na América Latina - em coincidência com o colapso do socialismo real e a dissolução da URSS -, o regime cubano, consorciado com o Partido dos Trabalhadores (PT), (re)fundou órgão de articulação no continente sob sua orientação. Em 1990 foi realizado o 1.º Fórum de São Paulo, com a participação de dezenas de partidos e movimentos, grupos e seitas de procedências distintas da esquerda. Tratava-se de substituir a estratégia insurrecional pela luta político-institucional.

A iniciativa teve relativo sucesso nas décadas seguintes, com a ascensão ao poder do bolivarianismo na Venezuela e em países andinos, do petismo no Brasil, da Frente Ampla no Uruguai, do peronismo na Argentina, do sandinismo na Nicarágua, etc. Quase todos eles, porém, com raras exceções, experimentaram a desventura do domínio e do mando em grande medida por não terem compromisso com os valores e procedimentos democráticos.

Se de início, nos anos 1960, a revolução cubana exerceu razoável fascínio, os rumos que tomou com o tempo, no entanto, levaram-na a perder, gradativamente, o encanto - regime de padrão autoritário-burocrático, de feitio castrense , dirigido por uma gerontocracia despótica e hostil à democracia, seu destino foi desventuroso, redundando num socialismo miserável.
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*José Antonio Segatto é professor titular de sociologia da Unesp

Interessante ver isso de um quadro da esquerda, que, ao analisar as desventuras da revolução cubana e seus efeitos maléficos para a a América Latina, reconhece o relativo sucesso, e depois o retumbante fracasso do Foro de São Paulo, em seu  projeto de expansão do socialismo latino americano. Estas pessoas negaram durante décadas a existência do Foro criado por Fidel, Lula e Frei Beto, dentre outros. A esmagadora maioria da mídia esquerdista negou vergonhosamente o fato da existência do Foro. Só Olavo de Carvalho bradou sozinho, e foi constantemente chamado de louco e teórico da conspiração, dentre outras sandices. Olavo tinha razão. Agora a vez dos historiadores e analistas políticos de direita esmiuçar toda esta terrível organização que atrasou todos os países envolvidos em décadas, do já secular atraso político e econômico

RAFAEL BRASIL.

sábado, 29 de dezembro de 2018

Fernando Gabeira: Uma pequena dose de Jânio


- O Estado de S.Paulo

Era mais confortável canalizar as atenções para o biquíni que para as finanças nacionais

O futuro ministro da Cidadania, Osmar Terra, falou em proibir o álcool em algumas circunstâncias e provocou polêmica. Creio que as pessoas entenderam que Terra queria proibir o álcool de forma geral.

A experiência no Brasil, no entanto, já mostrou que em certos momentos é possível controlar o consumo com êxito na redução da violência. Para isso é necessário um mapa preciso dos incidentes violentos, indicando hora e lugares onde acontecem.

Não concordo com a visão geral de Osmar Terra sobre política de drogas. Mas também não concordava com a visão proibicionista do velho e saudoso Elias Murad. Uniam-me a Murad, assim como a Osmar Terra, não só a amizade cotidiana, mas uma certa humildade diante desse complexo problema, para o qual ninguém pode dizer que tenha todas as únicas respostas certas.

Basta ver, no momento, a devastação humana que o consumo de opiáceos está provocando nos Estados Unidos. É um desafio para o governo Trump, mas suas raízes o antecedem.

Mas a democracia nos faz experimentar. No Brasil, com a vitória conservadora, é razoável que a política de Terra seja desenvolvida. No Canadá, por exemplo, o governo rumou noutro sentido, legalizando a maconha. Dizem os jornais que a Marlboro entrou no negócio e suas ações subiram mais que as da Bombardier, a correspondente canadense da Embraer.

Não sou ingênuo a ponto de apresentar uma única variável, o sucesso econômico, como critério para analisar uma política dessa envergadura. Apenas registro: a democracia abre o caminho para diferentes experimentos.

Esse pequeno debate em torno do anúncio de Osmar Terra me fez refletir sobre o passado, mais especificamente o período Jânio Quadros. Sem querer comparar governos, registro apenas que naquela época havia também uma combinação entre temas conservadores nos costumes e medidas amargas na economia.

Nos costumes, os temas são muito mais voláteis do que a constância insuperável do preceito econômico que nos proíbe de gastar mais do que produzimos, ao longo de muito tempo. Nenhum governo federal se importaria hoje em proibir brigas de galo, como Jânio fez. Mesmo temas mais amplos, como as vaquejadas e os rodeios, deslocam-se para o Congresso e o STF.

O que diria, então, da proibição do biquíni? Isso provocaria um movimento maior que a revolta das vacinas nos tempos de Osvaldo Cruz. Talvez nem isso, apenas uma explosão nacional bem-humorada.

O interessante em Jânio não era a coexistência dessas duas pautas, que, em outro nível, existem também no governo Bolsonaro. O interessante era como Jânio as combinava.

Sempre que era forçado a tomar medidas econômicas impopulares, Jânio lançava uma dessas proibições que eletrizam a opinião pública. Era muito mais confortável canalizar as atenções para o biquíni do que para as combalidas finanças nacionais.

Não creio que Bolsonaro siga o mesmo caminho. Nada neste período preparatório sugere o cinismo e a sofisticação de Jânio. Além do mais, parece-me que Bolsonaro realmente acredita nos temas de comportamento que defende e vai brigar por eles com o entusiasmo de quem se batizou no Rio Jordão.

Mais que semelhanças, vejo no governo Bolsonaro o fim de algo que surgiu no governo Jânio: a chamada política externa independente, que estabeleceu relações diplomáticas com países socialistas, Cuba incluída. Ainda sem julgar o mérito dessas políticas, tudo indica que o peso ideológico na gestão Ernesto Araújo vai revolucionar as bases do trabalho de Afonso Arinos. Portanto, as comparações entre os governos Jânio e Bolsonaro não podem ignorar essa descontinuidade.

Por falar em Afonso Arinos, recebi nas vésperas do Natal o monumental livro de memórias, intitulado A Alma do Tempo. Um verdadeiro ato de heroísmo do editor José Mario Pereira, da TopBooks. O livro tem 1.790 páginas. Ainda não cheguei à metade do caminho. Cuidarei dele em outros textos.

Os últimos anos foram muito focados na experiência do PT, no máximo, no governo tucano, que lhe antecedeu. Com a ajuda de Arinos e, certamente, de Joaquim Nabuco, ambos atores e intérpretes da saga política familiar, é possível olhar um pouco mais para trás, puxar fios mais longos da meada histórica.

A primeira tarefa, e nisso creio que as memórias de Arinos ajudam, será examinar a experiência de Jânio. Não cheguei no livro plenamente a ela. Mas já no início há referências à instabilidade de Jânio.

Collor foi também uma experiência conservadora. Mas parecia voltado para a economia, para um consumo cosmopolita, uma clássica defesa do meio ambiente.

Bolsonaro pertence aos tempos modernos, em que, segundo Umberto Eco, se desenha um populismo qualitativo de TV ou internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “voz do povo”. A diferença é que ele chegou ao poder não pela resposta emocional de um grupo selecionado, mas pela vontade da maioria do povo brasileiro. Em outras palavras, até aqui, tudo bem.

Até onde minha vista alcança, os primeiros sobressaltos estão ao norte. Maduro assume dia 10 e a Colômbia propõe que os outros países não reconheçam seu novo governo. Por sua vez, o próprio Maduro andou apreendendo um navio da Guiana, reavivando aquele velha querela em torno de Essequibo, problema que vem desde o século 19 e envolve uma região rica em minérios e um mar potencialmente com muito petróleo. E ainda por cima disse que o general Mourão tem cara de louco. Mourão serviu na Venezuela, conhece a gênese do bolivarianismo.

Vai ser preciso cabeça fria naquela fronteira, concentrar no trabalho humanitário. Provocações podem surgir. Maduro está precisando de inimigos para garantir a coesão interna.

O Brasil só precisa de paz para se reconstruir.

"Começa a Era Bolsonaro", por Ruy Fabiano


Não lhe falta lastro popular: segundo o Ibope, inicia-se sob as expectativas otimistas de nada menos que 75% da população.
Não é pouco – e é surpreendente, já que se elegeu com 59% dos votos válidos, o que significa que ou as urnas se equivocaram ou 16% dos que votaram no PT mudaram de ideia dois meses após o segundo turno, não obstante o radicalismo que marcou a campanha.
Como não há registro físico dos votos, nunca se saberá.
O que importa é que o anseio por mudança, que começou a se exteriorizar em 2013, numa sucessão de gigantescas manifestações de rua em todo o país – e que desaguou, em 2016, no impeachment de Dilma Roussef -, foi por ele capitalizado.
As mesmas multidões voltaram a se manifestar em sua campanha, sobretudo após o atentado de que foi vítima.
O fenômeno Bolsonaro não é obra individual. Ele tornou-se estuário do clamor popular por ruptura com a (des)ordem vigente, que o impeachment não aplacou. Ao contrário, intensificou.
Michel Temer, o estepe de Dilma, mesmo conseguindo a façanha de fazer com que o país parasse de piorar, não serenou o quadro. Entrega um país um pouco melhor que o que recebeu, mas, no plano moral, manteve o padrão, exposto pela Lava Jato.
Ele e Dilma, entre outros companheiros da parceria PT-MDB, devem se reencontrar em breve nos tribunais.
Desde a retomada do poder pelos civis, a partir de 1985, o país passou a seguir uma agenda de fundamentação esquerdista, em conluio com o mais deslavado fisiologismo, levado ao paroxismo a partir dos governos do PT. Não podia dar certo – e não deu.
A soma de corrupção com gestão temerária tornou-se insustentável e levou o país à ruína. À exceção do breve interstício do Plano Real, que o PT liquidou, o país patinou, entre um governo e outro, na instabilidade econômica, política, social e institucional.
A Lava Jato submeteu os três Poderes a um strip-tease moral sem precedentes. O saldo é eloquente: 14 milhões de desempregados, déficit orçamentário de R$ 150 bilhões, mais de 60 mil homicídios anuais, índice de guerra civil. Entre outras coisas.
O resultado foi a eleição de alguém que, ao longo de todo esse processo, foi o contraponto ideológico mais veemente aos sucessivos governos, com ênfase aos do PT. A princípio, era uma voz periférica, a bradar da tribuna do baixo clero da Câmara, sem audiência do grande público, ao qual só chegava de forma caricatural, nos momentos (não poucos) em que se excedia em sua retórica.
Gradualmente, porém, com a deterioração da cúpula política, passou a ser ouvido, valendo-se da intermediação das redes sociais, já que a mídia convencional o ignorou até onde pôde.
Importa dizer que a sociedade, em sua maioria, viu (e vê) nele um corpo estranho ao ecossistema político vigente, e em condições de mudá-lo. A montagem ministerial, não obstante controvérsias pontuais, foi bem avaliada, segundo o Ibope.
Os próprios adversários já admitem que não será fácil reverter o processo que se inicia. José Dirceu previu que “a Era Bolsonaro será longa”. E Fernando Haddad já declarou que o projeto liberal do novo governo “pode dar certo”. Admitir, porém, não significa se conformar.
O PT retoma sua maior habilidade: a de força predadora. Fará (já está fazendo) oposição sistemática.
Terá, porém, contra si a Lava Jato robustecida, cujo símbolo, Sérgio Moro, deixa a modesta primeira instância de Curitiba para assumir a cabine de comando do Ministério da Justiça.
O Brasil que se inicia, mesclando tecnocratas, militares, políticos e neófitos, terá múltiplos desafios e enfrentará turbulências. Terá de aprender a trocar o pneu com o carro andando.
De tédio, com certeza, não padeceremos. Apertem o cinto – a viagem vai começar.

Ruy Fabiano é jornalista

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Bolsonaro: tudo para um bom início


- Valor Econômico

Apenas alguma barbeiragem política grave na base de apoio do governo pode levar a um cenário diferente

O governo do presidente eleito Bolsonaro tem todas as condições iniciais para dar certo. Este é o meu sentimento quando escrevo a última coluna do ano. Em primeiro lugar, porque inicia seu governo em um ponto do ciclo econômico de curto prazo extremamente favorável. A terrível recessão provocada pela incompetência do governo de Dilma Rousseff provocou uma correção brutal dos principais mercados no Brasil, criando as condições necessárias para uma recuperação cíclica bastante sólida.

O presidente Michel Temer, com uma política econômica correta, mostrou o potencial desta nova fase de crescimento, mas perdeu a oportunidade de consolidá-lo por questões fora do ambiente econômico. Com isto, o nível de atividade, nos últimos dois anos, permitiu a manutenção das condições favoráveis de oferta e demanda em setores importantes do tecido econômico. Por exemplo, o hiato do produto permitiu que o Banco Central administrasse um dos mais exitosos processos de desinflação da história econômica recente.

O relatório da reunião do Copom de dezembro mostra a extensão deste processo de desinflação dos últimos anos ao projetar para 2019 e 2020 uma taxa de aumento dos preços abaixo do centro da meta do BC e, acenar inclusive, com uma possível redução adicional dos juros Selic em 2019. Com isto, teremos mantido, por três anos seguidos, o controle da inflação, sem a utilização de mecanismos espúrios de controle de preços e outros artificialismos. O novo presidente vai assumir seu cargo sem nenhuma distorção maior no sistema de preços de mercado ou dos controlados administrativamente.

Por outro lado, a nova previsão da safra agrícola de 2018/2019, divulgada pelo IBGE na última semana, reforça este cenário benigno da inflação pela manutenção, por um prazo seguido de três anos, de uma oferta abundante de alimentos nos mercados internos. Não vai ser por problemas de oferta que poderemos ter alguma surpresa desagradável neste segmento importante de preços e que representa cerca de 40% do IPCA.

Outro efeito importante da produção agrícola prevista para 2019 é a manutenção de um saldo comercial superior a US$ 60 bilhões em nossa balança de pagamentos. Sem a ocorrência de uma verdadeira catástrofe nos mercados externos de capitais, a taxa de câmbio no Brasil deve ficar no intervalo de R$ 3,50 a R$ 3,80. Cabe aqui ressaltar que, no cenário econômico e político que espero, a entrada de capitais externos deve pelo menos manter os níveis atuais de US$ 65 bilhões anuais, fortalecendo o real.

Além da possibilidade de um crescimento econômico sólido em seu primeiro ano na Presidência, outro fator extremamente positivo para o novo governo é o apoio da população, como mostram pesquisas recentes divulgadas. Com mais de dois terços dos brasileiros confiando no novo presidente fica mais fácil a relação do Palácio do Planalto com o Congresso. Esta combinação - crescimento econômico e apoio da população - é suficiente para que a equipe do presidente possa, pelo menos inicialmente, encaminhar a questão da reforma da previdência. Isto deve ser suficiente para acalmar os mais agitados com a questão fiscal e da dívida pública.

Com isto, creio, estará criada a condição suficiente para a economia crescer algo como 3% ao ano na parte final do ano próximo. À medida que este cenário se consolide entre a mídia e os principais analistas econômicos, a tarefa do governo, em relação à agenda de reformas que se fazem necessárias para um crescimento econômico sustentado, ficará facilitada pela manutenção de um otimismo perdido há muito tempo na sociedade brasileira.

Apenas alguma barbeiragem política grave na base de apoio do governo pode levar a um cenário diferente deste nos próximos meses. A falta de experiência - política e administrativa - do PSL, partido de Bolsonaro, é um risco que só pode ser afastado pelo acompanhamento dos fatos nos próximos meses. A montagem do novo ministério, primeiro teste efetivo do potencial de governabilidade do governo eleito, terminou com poucos e negligenciáveis percalços. O próximo desafio será a gestão do processo de alternância de poder no Senado e Camara de Deputados, agora em janeiro.

Uma última peça para a montagem de meu cenário para 2019 fica por conta da economia internacional e, apontada hoje pelos mercados, como maior fator de risco para a economia brasileira. O estabanado governo do presidente Trump é hoje responsável por um cenário de confronto nas relações internacionais e pelo risco real de recessão na maior economia do mundo. O agravamento do confronto comercial com a China, parte de um conflito maior entre a economia mundial dominante e a China que em poucos anos tomará esta posição, pode acelerar os riscos de recessão econômica já contratada pelos erros cometidos no front fiscal pelo presidente americano. A combinação destas duas forças desestabilizadoras pode criar uma situação internacional muito difícil.

Mas o Brasil, dada a situação de nosso ciclo econômico, certamente vai sofrer menos as consequências deste cenário em 2019. Particularmente não visualizo riscos maiores para nós vindo do front externo e que inviabilize o cenário local projetado acima.
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Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

domingo, 16 de dezembro de 2018

Mariana Godoy entrevista William Waack (14/12/2018)

Mariana Godoy entrevista William Waack (14/12/2018)

Eliane Cantanhêde: Os aplausos vão para...


- O Estado de S.Paulo

Além da Economia e da Justiça, Bolsonaro acerta na Agricultura e na Infraestrutura

Apesar do foco na Economia, com Paulo Guedes, e na Justiça, com Sérgio Moro, a formação de pelo menos duas outras áreas merecem aplauso no futuro governo Jair Bolsonaro: a Agricultura e a Infraestrutura. Além de serem grandes geradoras de empregos, o que é urgente, ambas são fundamentais para o desenvolvimento, a recuperação da nossa combalida economia.

Na Agricultura, a agrônoma Tereza Cristina é dessas que não faz estardalhaço, não se mete em confusão, trabalha muito e ganhou respeito e interlocução na Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e na Frente Parlamentar do Agronegócio. Não chegou ao Ministério da Agricultura por outra coisa senão mérito.

Na Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, capitão reformado do Exército, como Bolsonaro, tem três troféus: passou num concurso para a única vaga de consultor legislativo da Câmara, foi o primeiro de turma no Instituto Militar de Engenharia (IME) e tem a maior média de notas de engenharia civil na história da instituição.

Tereza Cristina anuncia três prioridades. Primeiro, reformular e ampliar o seguro para os produtores rurais e, com isso, poder ampliar o crédito, hoje limitado e restrito ao Banco do Brasil. E está obstinada com a ideia, como Bolsonaro, de flexibilizar regras, desburocratizar, acelerar concessões de alvarás.

Nos agrotóxicos, é pragmática: a questão não é usar ou não, é calibrar o uso com segurança e eficácia. “Ninguém planta nada sem defensivos agrícolas, isso não existe. O que precisamos é racionalizar o uso e preservar as garantias.” Esse debate é uma guerra, mas ela prefere diplomacia, está costurando apoios, explicando, convencendo.

Outra questão-chave para o agronegócio, um dos mais poderosos do mundo e essencial para manter o Brasil flutuando na recessão de 2014, 2015 e 2016, é a infraestrutura. Sem estradas, pontes, ferrovias e portos, não tem como escoar a produção. No mínimo, com segurança e competitividade. E aí entra o ministro Tarcísio Freitas.

Ele já assume com o PPI a pleno vapor no governo Temer, com R$ 239 bilhões à mão. Assim, Bolsonaro fará dois golaços já na largada, com a concessão, em março, de mais doze aeroportos, inclusive Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), e a licitação da concessão da Ferrovia Norte-Sul. A expectativa é a conexão ferroviária de Mato Grosso à Norte-Sul, unindo os portos de Itaqui, ao norte, e de Santos, ao sul. “Sem um real do orçamento”, diz ele, um privatista convicto.

Suas prioridades: 1) transferência de ativos à iniciativa privada (privatização, concessão...); 2) tirar os esqueletos do armário, como passivos de concessões que falharam, caso de Viracopos (SP); 3) decidir o que fazer com as obras públicas paradas (uma das tragédias brasileiras) e garantir eficácia nas futuras. Suas palavras de ordem: planejamento, racionalidade, previsibilidade e credibilidade, tudo o que os brasileiros precisam e os investidores internacionais exigem. O momento é favorável ao Brasil, com México adernando à esquerda, Argentina em crise, ambiente político duvidoso em alguns e falta de escala nos demais. Onde investir? No Brasil, claro.

Assim caminha o futuro governo, com grandes nomes e expectativas na economia de Guedes, no combate à corrupção com Moro, mais segurança na agricultura e audácia na infraestrutura. Agora, é cuidar para que a política não atrapalhe. Na reforma da Previdência, é aprovar ou aprovar.

Além disso, Bolsonaro precisa ter consciência de que seus filhos estão excessivamente sob os holofotes e isso nunca dá certo. Com um funcionário atrás do outro assombrando a família no submundo da Alerj e pairando sobre o próprio pai em Brasília, ninguém vai falar de agricultura e infraestrutura, só de fantasmas.

sábado, 15 de dezembro de 2018

A reação da mídia e da esquerda à fala da ministra que viu Jesus numa goiabeira é puro ódio a pobres - Flavio Morgenstern


A reação da mídia e da esquerda à fala da ministra que viu Jesus numa goiabeira é puro ódio a pobres

Muitos riram de Damares Alves, futura ministra dos Direitos Humanos, por ver Jesus numa goiabeira. Não riram da experiência, e sim da pobreza de uma menina abusada sexualmente
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A futura ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, causou celeuma na internet por ter dito em um culto evangélico que viu Jesus em um pé de goiaba na sua infância. Ao menos era apenas isso que se lia nas manchetes. Como tudo o que gera furdunço na internet, ninguém pesquisou nada, mas já estavam armando a Terceira Guerra Mundial por conta de frases soltas.
A internet, sobretudo aquele nicho Twitter-YouTube, uma espécie de Vila Madalena-Leblon virtual, onde todos são ricos, belos e poderosos, mas se fingem de oprimidos, explorados, humilhados e ofendidos (quanto mais se fizer de coitado, mais curtidas e grana na conta), tratou de tratar a ministra Damares como uma evangélica lunática retardada, como aliás essa turma trata todo mundo que não acredite em patacoadas de Richard Dawkins.
Ricardo Noblat, Marcelo Rubens Paiva, Rosana Hermann, Vera Magalhães, José Simão, William de Lucca, Gilberto Dimenstein, Xico Sá, Reinaldo Azevedo, Kelly Matos, Nilson Xavier, Leandro Karnal e o perfil do Globo Rural no Twitter: todos aproveitaram-se da frase para exibir sua superioridade epistemológica por nunca terem visto Jesus em um pé de goiaba.
Toda a metafísica, a profundidade de pensamento dos formadores de opinião do Brasil (seja um colunista do Estadão, seja um YouTuber teen, para quem consegue perceber alguma diferença) é feita através de manchetes. Ninguém ali tem uma única dúvida, um esgar de desconfiança em relação a alguma manchete de jornal. Os tais “céticos”, os que julgam ter pensamento “científico”, constróem todo o seu castelo de cartas baseando-se na crença absoluta nos sentimentos que uma manchete de jornal é capaz de evocar nos leitores mais apressados e desatentos. 
Por exemplo, se Damares Alves pensa em exigir não apenas pena de prisão, mas de multa para estupradores, mas a manchete fala apenas que a futura ministra dos Direitos Humanos falou em “Bolsa Estupro”, pronto: todos saem regurgitando seu interior para esfregar na cara do público como são superiores, inteligentes, bonitos, cheirosos, poderosos e merecem mais curtidas e dinheiro porque sabem do ridículo que é uma “Bolsa Estupro”. O teatrinho das vaidades funciona pela aposta certa de que milhões e milhões de pessoas no público tampouco lerão algo além da manchete cretina, pois até as notícias de uma mídia com um ranço de desinformação acabariam com a brincadeira – que dirá se buscassem textos sérios. E isso apenas em UM exemplo.
Quase todas (e é difícil achar as exceções) as crenças da mídia e da esquerda são baseadas neste princípio.
O problema: a manchete “Futura ministra diz ter visto Jesus num pé de goiaba” soa ridícula, óbvio. Mas simplesmente foi mais uma manipulação retardada da mídia (ou seja, de freqüentadores da Vila Madalena-Leblon na puberdade da vida real) para fazer leitores de manchete acreditarem-se inteligentes e poderosos por não terem visto Jesus em goiabeiras (parabéns pra vocês, hein? que seres humanos maravilhosos e invejáveis vocês são. posso andar com vocês no recreio?).
Lendo-se qualquer matéria sobre a dita frase, descobrir-se-ia que o ridículo revela uma humildade quase santa. Damares afirmou que tinha pensado em se matar após passar 4 anos sendo abusada sexualmente, dos 6 aos 10 anos. Decidiu-se pelo suicídio usando veneno de rato. Foi até a goiabeira no quintal da sua casa, aonde costumava ir para se sentir bem, e disse ter visto Jesus subindo até o galho em que estava. Temeu que Jesus se machucasse, mas ele subiu até ela e pediu que ela não se matasse.
Vamos rir de quão “ridícula” é a futura ministra dos Direitos Humanos agora?
Os jornalistas que postaram piadas saíram-se com a desculpa de que não sabiam de que se tratava de uma criança que tinha sido abusada. Ora, e por que não sabiam? Porque só leram a desgraça da manchete e já criaram mais elementos para a sua metafísica em que são superiores aos crentes, são mais científicos do que os lunáticos conspiracionistas da equipe de Bolsonaro, são mais belos do que essa bancada evangélica com crenças ultrapassadas e ternos desalinhados de R$ 90. E se acharam mais inteligentes, mais morais. Logo os jornalistas, os formadores de opinião, aqueles que querem formar e informar – aqueles que deveriam estar informados antes de tentar informar milhões. 
Os de esquerda, sobretudo, não viram nenhuma contradição entre tirar sarro de uma pobre menina abusada sexualmente que pensou em se matar por isso e depois patrulhar piadinhas politicamente incorretas, alegando serem “machistas”. Aquilo que não tem um nome pomposo, com -ismo ou -fobia, ou um nome em inglês começado com man-, não é chic o suficiente para que um esquerdista note. Os problemas do mundo para ele são só os que cabem nos termos da modinha.
Óbvio que para as pessoas limpinhas, de classe média, mostrando que são sofisticadas, soa ridículo que uma ministra de Estado apareça em um culto evangélico (aquela religião das periferias, sabe?) e fale de Jesus aparecendo em um pé de goiaba. Até a palavra é engraçada: goiaba. É apelido de quem é meio bocó, diga-se. A fruta preferida do Chico Bento, o caipira atrapalhado.
O que esses gênios da epistemologia não percebem é que o relato pode ser brega, pode ser ridículo, pode inclusive ser falso: mas é perfeitamente condizente com a imaginação de uma criança de 10 anos. 
Aliás, também condizente com a própria história do cristianismo: o Filho do Homem, cujo reino não é desse mundo, nasceu numa manjedoura  ou seja, no local onde os animais comem nos estábulos. Fez seus milagres e pregações primeiro para pastores e pescadores, as pessoas até hoje mais simples que existem. Andou entre leprosos e prostitutas. Disse que alimentar os mendigos era o mesmo que alimentá-Lo. E a maioria absolutíssima dos relatos de aparições de Jesus na história da Igreja O mostram como um miserável, ao ponto de fazer um jovem aristocrata criar a maior ordem mística de pobreza do Ocidente, um tal de São Francisco Xavier. 
E quem é essa tal Damares Alves? Vejamos o que escreveu Ícaro de Carvalho:
Postaram um vídeo da futura Ministra de alguma coisa, que fez um testemunho sobre Jesus, ela e um pé de goiabas.
Assisti ao vídeo e falei: “Meu Deus! Esse vídeo é engraçado demais! Quem que é essa mulher? Que meme animal!”.
Fui procurar quem era, só para dar mais algumas risadas. Descobri que ela:
“Foi uma das fundadoras do Movimento Brasil Sem Aborto, a entidade organizada mais influente na defesa dos nascituros no Brasil. É palestrante reconhecida nacionalmente pelo combate à pedofilia e coordenadora do Movimento Nacional Brasil Sem Drogas.
Advoga voluntariamente, há 30 anos, para mulheres em situação de vulnerabilidade social e violência doméstica e é coordenadora do Instituto Flores de Aço, com sede em Brasília, que milita em defesa dos direitos da mulher”.
Me senti um lixo. Eu não tenho envergadura moral nem para falar com essa senhora de igual pra igual. 🙂 ❤️
Enquanto a galera tenta parecer superior por saber falar “sou feminista” ou “luto contra o patriarcado”, a futura ministra, a “maluca do pé de goiaba”, tem esse currículo. Quem somos nós na fila do pão para falar que fazemos algo pelos oprimidos perto da futura ministra de Direitos Humanos?
Para ver o ridículo dessa turma que se acha culta e sofisticada, e ao mesmo tempo tenta se fazer de oprimida e preocupada com a exploração dos mais simples, cheia de -ismos -fobia, bastaria imaginar como lêem um livro como o clássico infantil do Brasil Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos. No livro, um menino pobre também tem como único amigo uma árvore. Será que os gênios da leitura da realidade diriam que o livro é ridículo, porque onde já se viu uma árvore falar? O desfecho do livro e do caso da ministra são completamente opostos, mas a imaginação infantil é muito bem retratada: não se pode ver beleza em uma menina que viu Jesus depois de tantos estupros que destruíram seu útero, tornando-a estéril? Até para um ateu, a cena é tocante. Ou prefeririam mesmo que a menina não tivesse visto Jesus e se matasse, depois de um dos maiores horrores pelos quais uma menina pode passar, só para confirmar sua visão de mundo e que evangélicos e cristãos são ruins e seria melhor ter votado no Haddad?
Mais do que tudo, o que não foi ainda abordado é como esse socialismo chic, esse progressismo de quem leu xerox da Escola de Frankfurt no curso de Jornalismo e se acha a última tubaína da favela por denunciar “ideologia” e “discurso de classe” no “ópio do povo”, acaba justamente sendo um preconceito desabrido contra os pobres. 
Afinal, o que se torna mais “risível” na fala da ministra Damares não é nem Jesus (um “Frei” Betto ou um Leonardo Boff podem falar de Jesus uma vez a cada 20 anos, ou o próprio Lula pode se comparar a Jesus sem causar nenhum estardalhaço), e sim a goiabeira. A fruta de nome engraçado. A árvore que pobre tem no quintal de casa. Aquela coisa que a turminha Twitter-YouTube, ou Leblon-vila Madalena, só conhece via suco orgânico com algum chef gourmet nos seus restaurantes vegan pagando R$ 30 por copo, mas não vai trepar numa goiabeira no quintal e comer goiabas desviando as mordidas dos bichos. 
O preconceito aí, muito mais do que religioso, como foi retratado, foi também econômico. É a esquerda frescurentinha, que acha que os problemas do mundo são “transfobia” em banheiro de faculdade de Publicidade ou “lugar de fala” em diálogo de série da Netflix. Esses esquerdistas acham que uma criança evangélica não sofre  quem sofre é apenas youtuber falando em patriarcado. É uma esquerda que já nada tem de metalúrgica ou sindical: tem é nojinho de pobre.
Damares Alves representa a simplicidade e moral dos brasileiros que encontram força nas maiores adversidades, que encontram o bem circundados pelo mal no fundo de seus próprios corações. As pessoas que fizeram piadinha sem nem se dar ao trabalho de ler o que a ministra disse representam bem o abismo moral, o umbigocentrismo da troca de afagos e o divórcio da realidade da turminha descolada da internet. 
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