segunda-feira, 23 de julho de 2018

"Estupidez tóxica", por Luiz Felipe Pondé


Existe um novo conceito no mercado das ciências humanas (esse ramo do conhecimento mais sectário do que templos de fanáticos): masculinidade tóxica. Um primor. Logo existirão debates sobre masculinidade tóxica. 
Teses, debates na televisão. Fogueiras. Qual a acusação mesmo? “Ele é um caso grave de masculinidade tóxica, você não sabia?!”
O que vem a ser essa pérola inteligentinha? Ouvi o termo aplicado aos personagens masculinos do escritor americano Philip Roth (1933-2018).

Qual o pecado deles? Gostam muito de mulher. Pensam nelas como objetos de desejo. Sofrem por elas e as fazem sofrem. Tudo o que sempre foi considerado normal no afeto antes de o mundo ficar idiota. Imagino que a masculinidade não tóxica seja a de homens castrados.
Nelson Rodrigues fundou a reflexão sistemática sobre a idiotice contemporânea na mídia e na universidade (na inteligência como um todo). 
Seu “idiota da objetividade” é o ancestral direto do inteligentinho (termo fofo para idiota da inteligência), do idiota do bem, do idiota da tecnologia, do idiota da saúde, do idiota da educação. E o que eles todos têm em comum? Qual o DNA deles (como diria o idiota do mundo corporativo)?
Todos querem salvar a humanidade, tornando-a letra morta. Sangrando a vida. Acusar Philip Roth de masculinidade tóxica, crer que esse pode vir a ser um conceito “sério”, é ser um idiota da objetividade e do bem, ao mesmo tempo.
Mas, vejamos um grande exemplo disso, muito recente, ligado à recente Copa do Mundo na Rússia. Aliás, as discussões politicamente corretas durante a Copa encheram o saco. Cada um queria se provar o cara mais antimachista do mundo. Um bode total.
Nós achamos os russos uns machistas (as mulher russas, então, são supermachistas, além de serem absurdamente lindas, é claro). E os russos nos acham uns frouxos. Ambos têm razão. Imagino que os idiotas do bem achem que as mulheres russas sofrem de feminilidade tóxica (sensuais demais?).

Ricardo Cammarota
Rumores por aí afirmam que a Fifa quer proibir que as transmissões dos jogos exibam aquelas mulheres lindas nos estádios. Todo mundo sabe que parte da graça dos jogos da Copa é ver mulheres lindas de países diferentes. Mas, perdoe-me, devo sofrer de masculinidade tóxica ao pensar nisso.
Alguns afirmam que proibir a imagem de mulheres bonitas nos jogos ajudaria no combate ao assédio. Se isso for verdade, acho melhor proibir as imagens de crianças nos jogos também, assim podemos prevenir a pedofilia. E de pessoas de cor negra, assim combatemos o aumento do racismo. Asiáticos também, claro! E também do time adversário, assim combatemos a violência entre as torcidas.
Há um velho sintoma no ar, por trás dessa ideia de proibir a imagem de mulheres bonitas nos jogos: o ódio à mulher bonita. E, como beleza é um gradiente, a possibilidade de haver mulheres mais bonitas do que outras é sempre uma ameaça. 
Qual a solução? Proibamos, simplesmente, a exibição pública de mulheres bonitas, fazendo exceção, apenas, nos casos em que essas mulheres bonitas estejam rezando pela cartilha de ódio a si mesmas ou aos homens que sofrem da tal masculinidade tóxica. Vamos trancá-las no quarto.
Criemos um imposto sobre mulheres bonitas, a fim de gerar, no futuro, uma igualdade de gente sem beleza (não vou usar termos incorretos!). Outra é escrever papers “provando” que mulheres são consideradas mais bonitas do que outras por culpa do patriarcado. 
Mais uma é criminalizar de vez qualquer manifestação pública da beleza feminina. Não apenas proibir a exibição pública dessa beleza, mas, também, propor que o Ministério Público processe mulheres bonitas e seus adoradores (os tais tóxicos) de uma vez por todas.
As escolas, claro, devem coibir manifestações em sala de aula ou fora dela de encantamento por parte de um menino pela beleza de uma menina. 
Primeiro porque essas formas de encantamento na infância podem gerar masculinidade tóxica na idade adulta, e, claro, também, como ficariam as outras meninas menos encantadoras diante de tal encantamento pela mais encantadora? As redações do Enem, seguramente, falarão contra tais comportamentos tóxicos.
Freud deve estar tendo ataques de risos a esta altura. Inteligentinhos de todos os matizes (inclusive psicanalistas inteligentinhos) afirmam aos quatro cantos do mundo que Freud está ultrapassado em sua teoria sexual. Na verdade, ele nunca esteve mais atual. O ódio à mulher bonita é a prova de nossa doença.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”.
É doutor em filosofia pela USP

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