segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

"Quando a tecnologia irá abalar a educação superior?", por Kenneth Rogoff O Globo



O corpo docente resiste às mudanças tecnológicas para preservar seus empregos, mas a mudança virá eventualmente



No início dos anos 1990, no nascimento da era da internet, uma explosão da produtividade acadêmica parecia estar logo ali, à esquina. No entanto, a tal esquina nunca apareceu. Em vez disso, as técnicas de ensino em faculdades e universidades, que se orgulham de lançar ideias criativas que mudam o resto da sociedade, continuaram a evoluir num ritmo glacial.

Claro, apresentações por PowerPoint substituíram os quadros-negros, matrículas em cursos on-line abertos ultrapassaram os cem mil (embora o número de estudantes engajados tenda a ser bem menor), e as chamadas flipped classroom (salas de aulas invertidas) substituem o dever de casa por vídeos com palestras, para aproveitar o tempo na sala de aula fazendo exercícios e discutindo os conceitos dos vídeos. Mas, dada a importância da educação na produtividade, não se deveria revigorar os esforços para levar as economias ocidentais a se concentrarem na reinvenção de uma educação superior?

Pode-se compreender por que a mudança é lenta para criar raízes nos níveis escolares primário e secundário, onde os obstáculos social e político são imensos. Mas faculdades e universidade têm muito mais capacidade para experimentar; aliás, de várias formas, esta é sua razão de existir.

Por exemplo, que sentido faz cada faculdade nos EUA oferecer suas próprias e altamente idiossincráticas palestras sobre tópicos cruciais, como Cálculo, Economia e História dos EUA, em geral com 500 alunos ou mais por aula? Algumas vezes estas aulas gigantes são excelentes, mas qualquer um que tenha frequentado a universidade pode atestar que isto não é a norma.

Pelo menos no caso de cursos introdutórios de larga escala, por que não deixar os estudantes de todas as partes assistirem às gravações dos melhores professores e palestrantes, como fazemos com música, esporte e entretenimento? Isso não significa um cenário único para todos: poderia existir um mercado competitivo, como já ocorre nas publicações acadêmicas, com cerca de uma dúzia de pessoas dominando o mercado.

E os vídeos poderiam ser usados em módulos, de modo que uma escola poderia escolher usar, digamos, um pacote para ensinar a primeira parte de um curso, e um pacote completamente distinto para ensinar a segunda parte. Professores poderiam intervir ao vivo em palestras sobre seus tópicos favoritos, mas como um complemento, em vez de uma rotina cansativa.

A mudança para palestras gravadas é apenas um exemplo. O potencial para o desenvolvimento de softwares e aplicativos para agilizar a educação superior é infinito. Já há alguma experimentação, usando software para ajudar a compreender os desafios e deficiências de estudantes individuais de forma a guiar os professores sobre como dar um retorno mais construtivo. Porém, até agora, tais iniciativas ainda são bastante limitadas.

Talvez a mudança na educação de terceiro grau seja tão glacial porque o aprendizado é altamente interpessoal, tornando essencial a presença física de professores. Mas não faria mais sentido que a maior parte do tempo de ensino seja devotado a ajudar os estudantes a se engajarem em atividades educativas por meio de discussões e exercícios, em vez performances de palestras eventuais?

Sim, fora das universidades tradicionais, ocorreram inovações notáveis. A Academia Khan produziu um tesouro de palestras sobre uma variedade de tópicos, e é particularmente robusta no ensino básico de Matemática. Embora o público-alvo central sejam os estudantes avançados do nível médio, há farto material que estudantes universitários (ou qualquer um) achariam útil.

E mais, há grandes sites, inclusive o Crash Course e o Ted-Ed, que contêm vídeos de curta duração de educação geral sobre uma ampla variedade de temas, de Filosofia a Biologia e História. Mas enquanto um número pequeno de professores inovadores esteja usando tais métodos para reinventar seus cursos, a enorme resistência que enfrentam de outras faculdades reduz o tamanho desse mercado, tornando mais difícil justificar os investimentos necessários para produzir uma mudança mais rápida.

Encaremos, como qualquer outro grupo profissional, os membros da faculdade não estão animados diante da expectativa de ver a tecnologia roubar-lhes os empregos. E, ao contrário da maioria dos empregados de fábrica, os profissionais de universidade têm um grande poder sobre a administração. Qualquer reitor de universidade que tente passar por cima deles provavelmente perderá seu emprego antes que qualquer membro do corpo docente.

Evidentemente, a mudança eventualmente chegará, e quando isso ocorrer, o efeito potencial sobre o crescimento econômico e social será enorme. É difícil especular sobre o número monetário exato, porque, como muitas coisas no mundo tecnológico, o dinheiro gasto em educação não capta o impacto social total. Mas, mesmo as estimativas mais conservadoras sugerem um amplo potencial. Nos EUA, a educação superior representa mais de 2,5% do PIB (cerca de US$ 500 bilhões), e, apesar disso, muito desse montante é gasto de forma ineficiente. O custo real, no entanto, não é o dinheiro gasto por meio de impostos, mas o fato de que a juventude de hoje poderia estar aprendendo muito mais do que está.

As universidades e faculdades são os pilares do futuro de nossas sociedades. Mas, considerando-se os impressionantes avanços em andamento no setor tecnológico e de inteligência artificial, é difícil ver como eles podem continuar atuando neste papel sem se reinventarem nas próximas duas décadas. A inovação educacional vai afetar o emprego acadêmico, mas os benefícios em termos de emprego nos demais setores será enorme. Se houvesse mais abalos dentro da torre de marfim, as economias poderiam se tornar mais resistentes aos abalos fora dela.

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI, é professor de Economia e Política Pública na Universidade de Harvard

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