terça-feira, 19 de setembro de 2017

‘Há autoridades acima da lei. São protegidas’, afirma juiz da Satiagraha



Entre 2008 e 2009, Fausto De Sanctis liderou as operações Satiagraha e Castelo de Areia como juiz (Foto: Agência O Globo)

Com O Globo


Entre 2008 e 2009, Fausto De Sanctis liderou as operações Satiagraha e Castelo de Areia como juiz. Hoje, ele é desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e está prestes a voltar à área criminal, onde deverá comandar alguns dos desmembramentos da delação da Odebrecht. De Sanctis recebeu o GLOBO em seu gabinete e falou sobre “operação abafa” contra a Lava-Jato, regras que protegem os mais poderosos e delações premiadas.
A Operação Satiagraha investigou o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta em um suposto esquema de corrupção e lavagem de dinheiro. Um ano depois, a Operação Castelo de Areia investigou o pagamento de propinas pela empreiteira Camargo Correa a políticos, em esquema semelhante ao desvendado pela Lava-Jato. As duas operações tiveram suas provas anuladas em instâncias superiores.
Ao comentar a mudança de postura de integrantes do Supremo sobre o cumprimento de prisão após condenação em segunda instância, o desembargador disse que, em Brasília, “vale a regra de que um protege o outro”. Ao responder sobre o que mudou no combate à corrupção desde as operações Castelo de Areia e Satiagraha, ele diz que no Brasil nenhuma mudança é definitiva e, no momento atual, acredita que não se deseja a efetividade da Justiça.

Há exagero no uso de delações premiadas?
Importamos doutrinas dos Estados Unidos, e uma delas é a teoria das delações premiadas. Mas a delação premiada nos EUA tem que ter a chancela do Judiciário com relação à pena a ser dada. O Brasil parece que importa a teoria parcialmente, dando todos os poderes aos órgãos governamentais, inclusive o Ministério Público, para, a seu bel prazer, fixar pena e consequências legais.

    O MP foi muito benevolente ao oferecer perdão judicial aos delatores da JBS?
    Não posso falar desse caso específico. Mas acho que o juiz pode fazer uma baliza dos benefícios (ao homologar o acordo) e depois, na sentença, aplicar efetivamente a pena. O réu vai ficar inseguro? Não, porque ele tem uma garantia que vai ter uma diminuição (da pena). O quanto (vai diminuir) é que vai ser discutido. Eu discordei de casos de delação que vieram para mim. Muitas vezes houve discordância com relação a penas que são extremamente benevolentes e estimulam o crime.

    O que o sr. acha que deve ser feito quando há omissão de informações ou má-fé, como suspeita-se que ocorreu no acordo de Joesley Batista?
    Quando há quebra de confiança, a única consequência viável é o desfazimento do acordo. Mas as provas produzidas são válidas, desde que respaldadas em outros elementos, não só na palavra do delator, porque ele, por si só, não é confiável, até porque houve uma quebra do seu compromisso de dizer a verdade.

    Passados oito anos, ainda se surpreende com decisões do STF, como relaxamento de prisões da Lava-Jato?
    Existem decisões que não surpreendem, porque são de ministros que já têm tomado decisões polêmicas.

    A possibilidade de se mudar o entendimento do cumprimento de prisão após decisão em segunda instância é um exemplo disso?
    Sabe o que surpreende? Que um colegiado tenha abraçado a causa e, imediatamente depois, exista uma decisão monocrática de um membro dessa mesma corte indo contra a decisão colegiada. Outro dia, organizei um evento e um dos professores falou que padrões éticos são claramente violados. E que servem de exemplo disso algumas condutas de ministros do Supremo. A conduta não-ética é fácil de verificar quando se observa posturas de alguns juízes. E alguns juízes não têm sofrido nenhuma consequência por essas posturas.

    Por que não tem consequência?
    Porque algumas autoridades, de fato, estão acima da lei. Nada acontece, são protegidas. Parece que em Brasília vale a regra de que um protege o outro e aí fica todo mundo se protegendo.

    O sr. acha que há muita proximidade entre ministros do STF e políticos?
    De fato, essa proximidade entre a alta corte de Justiça com alguns políticos faz com que isso não funcione adequadamente. O certo seria não ter foro. Uma Justiça de primeiro grau condena por corrupção os corruptores, mas os corruptos deixam de ser condenados em outra instância.

    Ao julgar o acordo de delação da JBS, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que ‘todo mundo sabe o que se quer fazer na frente’, sugerindo uma ‘operação abafa’.
    O ministro Barroso sabe da manipulação do direito para fins ilícitos, e é isso que a população passou a sentir, que o direito está sendo manipulado em todos os sentidos, para fim de atender ao criminoso econômico. Esse movimento de abafar a operação (Lava-Jato) é muito claro e presente, todas as pessoas estão acompanhando, como aconteceu no passado. O projeto atual de abuso de autoridade (que está na Câmara) é de 2009. Dizem que é antigo, mas na verdade foi proposto em momento semelhante ao da Lava-Jato, durante a Operação Castelo de Areia.

    Mas o senhor chegou a dizer que o ambiente no combate à corrupção tinha mudado nos tribunais superiores. Não acredita mais nisso?
    Toda mudança com rumo definitivo no Brasil é muito complicada. Em certos momentos, há uma esperança de que as instituições vão de fato dar efetividade à Justiça e tem outros momentos em que essa efetividade não é bem vinda. Parece que estamos retornando a um momento em que a efetividade não é desejada.

    O juiz Sérgio Moro já disse que se as prisões do mensalão tivessem sido mantidas, a gente não estaria nem falando em Lava-Jato. Concorda com essa afirmação?

    A pena de prisão nos crimes econômicos é a única capaz de dar uma resposta efetivamente adequada que faça o criminoso ter algum arrependimento. Não é que os juízes desejam prender preventivamente por uma questão de maldade humana. Alguns meios e métodos têm que ser mesmo aplicados. Um deles é a delação premiada, outro é a prisão. Mas, de fato, não há uma mensagem clara, do Poder Judiciário, que diga: o crime não compensa.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário

    O ESTADO POLICIAL AVANÇA - RAFAEL BRASIL

    O estado policial do consórcio PT STF avança contra a oposição. Desde a semana passada, dois deputados federais tiveram "visitas" ...