domingo, 10 de setembro de 2017

Falta o longo prazo. O ajuste é só o começo | Rolf Kuntz*


- O Estado de S. Paulo

É preciso repensar o BNDES. O banco pode fazer mais que alimentar Joesley & Cia.

Com pouco dinheiro e muito gasto, o governo sua para fechar as contas deste ano, mas tem de cuidar do cenário para um bom final em 2018 – sem vaias e, se possível, com algum aplauso. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já fala em elevar as projeções de crescimento, animado, talvez, pelos sinais mais claros de reativação da indústria. A inflação baixa e a perspectiva de mais algum corte de juros, talvez para 7,5%, também são bons augúrios. Se os fatos confirmarem seu otimismo, a receita de impostos deverá aumentar. Isso facilitará a arrumação das contas públicas no resto de mandato do presidente Michel Temer, se nenhuma flecha mais perigosa abreviar esse período. Não se pagam contas com otimismo, no entanto, e por enquanto relaxar é muito perigoso. O desafio básico ainda é manter o saldo de receitas e despesas dentro do novo limite fixado para 2017 e para 2018, um déficit primário de até R$ 159 bilhões em cada exercício.

Parte do cenário está garantida. Falta a reforma da Previdência, mas já foram aprovadas no Congresso, embora com algum atraso, as novas metas fiscais para este e para o próximo ano. Houve acréscimo de R$ 20 bilhões no buraco orçamentário admitido para 2017 e de R$ 30 bilhões no saldo negativo autorizado para 2018. As mudanças foram aceitas com aparente boa vontade pelas agências de avaliação de risco. Mas a disposição poderá mudar, se houver algum sinal de afrouxamento na gestão das finanças federais.

Também foi aprovada a nova taxa de juros, menos custosa para o Tesouro, aplicável a operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O custo dos financiamentos ficará um pouco mais parecido com o do mercado e os subsídios deverão diminuir. Líderes do setor privado reclamaram, naturalmente, cada qual procurando explicar por que o caso de seu ramo seria especial e merecedor de maior benevolência. Os fatos, mais uma vez, desmentem a retórica e desautorizam a choradeira.

A dinheirama transferida do Tesouro para o BNDES a partir de 2009, com e sem subsídios, produziu pouco ou nenhum benefício para o conjunto da economia. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI), desenhado inicialmente para durar cerca de um ano, foi prorrogado várias vezes. Deveria ter funcionado contra a crise iniciada no fim de 2008, mas tornou-se parte da rotina e consumiu mais de R$ 500 bilhões. Beneficiou um número limitado de empresas e agravou a situação das contas públicas, sem evitar, a partir do fim de 2014, a maior recessão registrada na história republicana.

Com a troca da TJLP pela TLP, os juros cobrados nos empréstimos do BNDES ficarão mais próximos do custo de financiamento do Tesouro. A redução do subsídio será boa para a saúde das contas públicas, mas isso resolverá só uma parte do problema, talvez a menos desafiadora e menos importante a longo prazo. A questão mais inquietante é outra: é preciso determinar o papel do BNDES e decidir, em primeiro lugar, se o Brasil precisa mesmo, como em outros tempos, de uma instituição desse tipo.

Respostas claras e convincentes foram dadas em outras épocas, desde a fundação do banco, nos anos 1950. Um banco oficial de desenvolvimento deveria concentrar e canalizar capitais para investimentos fundamentais para o País, mas fora do alcance – ou do horizonte de interesses – dos financiadores privados.

A agenda era enorme e a prioridade iria, naturalmente, para indústrias de base, infraestrutura e indústrias importantes para a modernização tecnológica. O dinheiro aplicado aumentaria, em todos os casos, o potencial de produção e de crescimento do Brasil. Em outros momentos, outros objetivos foram para o topo da lista, como a expansão da indústria de bens de capital e a produção de insumos importantes e ainda escassos. Tratava-se de eliminar entraves e gargalos e de atenuar pressões sobre o balanço de pagamentos.

As decisões, em todos os casos, foram baseadas em visões de longo prazo e em considerações de estratégia. Podiam ser discutíveis, mas foram sempre voltadas para a solução de problemas de ampla repercussão.

A prioridade atribuída ao setor de bens de capital, nos anos 1970, foi solidamente fundamentada em projeções da balança comercial construídas no fim da década anterior. O acelerado crescimento industrial, puxado pelo setor automobilístico, impunha a importação de volumes crescentes de máquinas e equipamentos. O jogo ficaria insustentável em alguns anos e a solução seria construir uma nova política de substituição de importações, concentrada no segmento de bens de produção. O problema da importação de bens de capital já era visível nas contas externas antes da crise do petróleo iniciada em 1973.

Os grandes debates sobre estratégias de desenvolvimento já haviam perdido vigor nos anos 1990, quando as políticas se concentraram nas questões urgentes e incontornáveis do combate à inflação e aos grandes desarranjos fiscais. O assunto poderia ter voltado ao topo na década seguinte, mas o PT, como já se sabia, tinha um plano de poder e nenhum programa efetivo de governo. Enquadrado, o BNDES destinou centenas de bilhões a favoritos da corte, sem nenhum sentido estratégico. Um dos efeitos foi a criação de monstruosidades como o bando liderado pelo criminoso confesso Joesley Batista.

O governo completará um trabalho relevante, até o fim de 2018, se entregar ao sucessor contas públicas um pouco mais ajustadas e um pacote de reformas para uma arrumação mais ampla. Se tiver avançado nas concessões e privatizações, tanto melhor. Tudo isso já está na pauta. Mas falta uma discussão mais concreta sobre estratégias de desenvolvimento. A lista básica de assuntos – melhora da educação, busca de produtividade e competitividade e inserção mais eficiente na economia global – está dada. Mas é preciso mais que isso para a definição de um rumo.
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*Jornalista

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