terça-feira, 10 de janeiro de 2017

As opiniões políticas de um artista valem tanto quanto as críticas de arte de um político - POR SPOTINIKS



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Foi o grande Kevin Spacey, protagonista de uma das séries políticas mais influentes do nosso tempo, quem disse:
– A opinião de um ator sobre política não importa merda alguma.
Vencedor de dois Oscar, três Screen Actors Guild Awards e um Sundance; indicado cinco vezes ao Emmy e oito vezes ao Globo de Ouro, Kevin pode se considerar uma exceção.
 
Em geral, por alguma razão, artistas acreditam que possuem certa clarividência, como se fossem mensageiros de um mundo novo, utópico, desejável, e julgam residir um andar acima dos reles mortais, feito eu e você, num bloco muito específico desse grande condomínio que é a opinião pública: no conjunto dos salvadores da humanidade, na pretensiosa cobertura daqueles que se dão muita importância.
No fundo, o que move figuras como Gregório Duviver e Monica Iozzi não é a mera busca pela verdade e o empirismo, é o mesquinho exibicionismo narcísico de quem julga se importar com o próximo mais que o próximo. É muito além de uma perseguição a uma compreensão acurada da realidade, é uma síndrome de messianismo, como se houvesse uma luta do bem contra o mal travada nesse exato instante, entre aqueles que monopolizam o amor contra aqueles que tiranizam o mundo, entre os que se importam com o bem-estar dos injustiçados contra os que só se importam em praticar suas injustiças.
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Artistas não raramente julgam carregar o fardo de um estandarte da Verdade. Por darem à luz imitações da vida humana, por habitarem cenários alternativos que devem respeito apenas às suas leis e aos seus incentivos, por construírem narrativas e feitiços, acreditam enxergar o mundo real do avesso. Mais do que isso: supõem que a mera perseguição à beleza lhes garante ingresso cativo no reino dos sábios.
E é por isso que quando questionam visões políticas, influenciam eleições apoiando determinados candidatos ou fazem lobby pela aprovação de projetos de lei, artistas se comportam quase como se esperassem pela aclamação popular, por um grande agradecimento coletivo dos cidadãos de segunda classe, pelo tempo dispendido na revelação de suas percepções.
É perfeitamente compreensível, aliás, que se questione suas motivações. Ao contrário dos cidadãos de segunda classe, pagadores líquidos de impostos, artistas movimentam um mercado que abocanha generosas fatias de dinheiro público e ao final de história, realizam tamanho lobby pela concentração do papel do Estado na sustentação de suas indústrias quanto outros metacapitalistas de almanaque, do setor petroquímico ao de veículos automotores – tudo sob a justificativa de que fornecem um artigo fundamental ao desenvolvimento humano.
E qual é o partido mais interessado em inchar o Estado norte americano e abraçar o lobby de Hollywood? Pois é, ele mesmo: o Partido Democrata.
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Segundo uma pesquisa do Los Angeles Times, que usou um algoritmo e relatórios específicos para classificar os doadores por cada setor, 9 em cada 10 dólares doados pela indústria do entretenimento em Hollywood aos candidatos presidenciais de 2016 de ambos os partidos possuíram o mesmo caminho: a campanha da democrata Hillary Clinton. Entre seus doadores estavam Dana Walden, chefe do Fox Television Group, Patrick Wachsberger, co-presidente do Lionsgate Motion Picture Group e Michael Lombardo, presidente de programação da HBO.
Em 2012, nomes como Jeffrey Katzenberg, diretor executivo da DreamWorks, Harvey Weinstein, co-fundador da Miramax Films e co-presidente da The Weinstein Company, Ted Sarandos, chefe de conteúdo da Netflix, David Cohen, vice-presidente executivo da Comcast, Josh Berger, executivo da Warner Bros, Michael Lynton, CEO da Sony Entertainment, Ari Emanuel, CEO da agência WME, Peter Chernin, ex-presidente da News Corp e atual CEO do The Chernin Group, e Richard Plepler, co-presidente da HBO, já haviam doado quantias milionárias à campanha de outro democrata: Barack Obama. 
E os grandes chefões dos estúdios não são os únicos a apoiar o Partido Democrata. Longe disso. Dos 60 roteiristas, atores, diretores e produtores nomeados para a edição do Oscar que premiou 12 Anos de Escravidão com a principal estatueta, 23 contribuíam para um candidato ou um comitê partidário desde 1989. E de acordo com um padrão de longa data de Hollywood, a maioria dessas doações têm sido dirigidas ao Partido Democrata.
Como aponta a Open Secrets, a principal organização de monitoramento das doações eleitorais nos Estados Unidos, a indústria do cinema, da televisão e da música (e aqui considerando todos os seus membros – grandes chefões, roteiristas, diretores, atores, músicos, etc) doou $37.127.743 aos democratas em 2008, ano da eleição de Barack Obama, e $34.156.214 em 2012, ano de sua reeleição. Em 2008, apenas 18% das doações da indústria havia sido dirigida ao Partido Republicano – em 2012, esse número subiu para 21%. Em geral, nos últimos 26 anos, Hollywood foi a 13ª indústria com maior peso nas doações eleitorais americanas, depositando um total de $247.820.485 nos fundos do Partido Democrata, que abocanhou 75% do valor total doado durante o período. Em 2015, a indústria foi a 19ª, entre mais de 80, a mais gastar com lobby em Washington.
Nas últimas eleições, segundo a mesma Open Secrets, Hillary Clinton recebeu $7,581,975 da indústria da música, da tv e do cinema. Faz ideia de quanto Trump levou na mesma campanha? Pífios $193,441, quase quarenta vezes menos. Até Bernie Sanders, que sequer chegou a disputar as eleições, recebeu quase oito vezes mais doações que o nova iorquino.
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E é por isso que nem toda opinião de um artista, seja ele gringo ou não, deve ser encarada sem considerar os interesses da indústria que ele defende (e aqui e aqui nós temos duas listas de artistas brasileiros que vivem opinando sobre política e que já receberam dinheiro público). Atualmente, os pagadores de impostos americanos desembolsam 1,5 bilhão de dólares todos os anos direto para as contas dos grandes estúdios em Hollywood.
E é aí que reside o grande problema.
Quando Meryl Streep abre a boca enquanto representante de uma indústria bilionária, após acumular 65 milhões de dólares em sua carreira (o que a coloca entre as 0,0025% das pessoas mais ricas do mundo), num teatro suntuoso, num dos metros quadrados mais caros da América, após uma chegada triunfal de limousine, cercada de homens e mulheres milionários vestidos com as roupas mais caras do planeta, provando algumas das comidas e bebidas mais exclusivas que se tem notícia, para dizer o quanto ela se importa com o próximo – e de modo excepcional com a desigualdade -, para justificar por que sustenta o seu discurso partidário, quanto disso faz sentido?
 
Qual é a preocupação real de Streep com as mulheres quando ela aplaude de pé, de forma veemente, a vitória do diretor Roman Polanski, como fez no Oscar 2003, mesmo sabendo que Polanski é um fugitivo e criminoso confesso do estupro de uma garota de 13 anos (fato, aliás, que lhe ausentou da cerimônia de premiação, sob o risco de ser preso em solo americano)? Como se comportar como uma defensora dos direitos humanos e aplaudir de forma tão efusiva um cidadão que se defende, como fez em 1979 numa entrevista ao escritor Martin Amis, dizendo:
“Se eu tivesse matado alguém, isso não seria tão apelativo para a imprensa, sabe? Mas… foder, sabe, e as garotinhas. Os juízes querem foder com garotinhas. Jurados querem foder com garotinhas. Todos querem foder garotinhas!”
Quando uma atriz como Jennifer Lawrence acumula 46 milhões de dólares num único ano, como fez em 2016, recebendo mais do que 99% dos homens no planeta (incluindo quase todos os atores e os demais profissionais masculinos de sua indústria), o que lhe dá o direito de questionar desigualdade de gênero? Se é injusto receber menos que um par de atores homens, quanto Lawrence acredita ser justo o que ela recebe em comparação com os demais seres humanos do planeta?
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Quem paga caro por isso? Eles mesmos: os artistas que se negam a dançar a mesma música. É o caso de Kurt Russell, estrela de Os Oito Odiados. Como ele mesmo contou ao jornalista americano Bill O’Reilly, comportar-se como um liberal clássico em Hollywood (“o lugar mais progressista do mundo”, segundo o comediante – e progressista – Bill Maher) aparentemente é quase o mesmo que assumir-se membro de alguma organização terrorista internacional:
“Kurt Russell: Eu tenho dito que há pessoas que não trabalhariam comigo por medo das minhas visões políticas.
Bill O’Reilly: Sério? Quais são as suas visões políticas?
Kurt Russell: Um governo constitucionalmente limitado. Eu acredito nisso.”
Kurt, no entanto, não se sente especial por suas posições ideológicas. Numa entrevistarecente para Whoopi Goldberg, o americano revelou o que mais lamenta na indústria:
– A última coisa que eu gosto de assistir são artistas ou atores falando sobre política.
Kurt Russel está certo. A opinião política de um artista vale tanto quanto a crítica de arte de um político. 

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