quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Vitória do desajuste - Míriam Leitão


- O Globo

O que houve ontem na Câmara foi mais do que a derrota do governo. Foi uma demonstração de fraqueza política. Quando percebeu que perderia, o governo tentou tirar o projeto de renegociação da dívida dos estados de pauta, mas a sua base aliou-se ao PT e o derrotou. O resultado final é que os estados tiveram o direito de ter alívio em suas dívidas sem ter que se comprometer com coisa alguma.

O argumento do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para justificar a aprovação da ajuda aos estados sem compromisso de controle de gastos é que o Brasil é uma República Federativa, e não unitária, e, portanto, os estados têm autonomia. Ele está confundindo várias coisas. Primeiro, não é apenas uma questão federativa, mas da relação entre credor e devedores, quando em qualquer renegociação há sempre garantias de contrapartida. Segundo, o programa de ajuste fiscal é nacional, não pode ser apenas federal. Essa derrota compromete a recuperação do país. Maia não fez essa confusão por incapacidade de compreensão dos fatos, mas porque é candidato a presidente da Câmara e só pensa nisso.

Depois de meses de negociação da dívida, os estados foram derrubando uma a uma as exigências de contrapartida para manter o que foi concedido até agora: seis meses sem pagar a dívida com o governo central, mais 18 meses de pagamentos parciais que começarão em janeiro com apenas 5% dos juros devidos naquele mês.

Neste meio tempo, a situação de alguns estados se agravou e introduziu-se na lei o Regime Especial de Recuperação Fiscal que pega quem já decretou calamidade, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. As vantagens foram ampliadas porque entram as dívidas com bancos públicos. Nesse regime, as contrapartidas também foram derrubadas. Ficou apenas a exigência de um limitador ao crescimento de gastos. A Câmara também alargou a porta de entrada a esse programa especial, e estados que não estão em situação de emergência também poderão suspender pagamentos. O argumento dos deputados, e principalmente de Rodrigo Maia, é que os estados precisam ter a liberdade de negociar com suas assembleias o plano de recuperação.

Basta olhar para o que aconteceu no Palácio Tiradentes, onde o governador Luiz Fernando Pezão sofreu seguidas derrotas e não tem conseguido aprovar ajuste nenhum. O lobby dos servidores, principalmente dos policiais, foi para a Câmara dos Deputados pressionar contra todas as medidas de austeridade.

Há uma enorme diferença entre os estados da Federação, alguns têm feito esforços para ajustar as contas e outros não têm feito esforços. Esse tipo de resultado, como o imposto pela votação de ontem na Câmara, desestimula os que estão se esforçando para cortar gastos, porque no final das contas todos terão o mesmo benefício. Como os mais endividados são exatamente os maiores, os benefícios concedidos aos devedores aumentam as desigualdades dentro da federação.

As contrapartidas que não foram aceitas não eram apenas as que atingiam os servidores. Os empresários também fizeram lobby e venceram: desapareceu do projeto a ideia de criar um fundo de estabilização fiscal com parte dos absurdos benefícios fiscais concedidos a algumas empresas. A proposta era que todos os estados reduzissem seus incentivos numa pequena proporção, mas o fizessem juntos para não recomeçar a guerra fiscal. O lobby empresarial foi vitorioso e isso acabou sumindo da mesa de negociação.

Enfim, os estados que arruinaram suas finanças porque gastaram demais, elevaram despesas permanentes, concederam desconto no pagamento de impostos a empresas, foram descuidados na administração, contrataram obras superfaturadas poderão ficar sem pagar a dívida ao governo federal por 36 meses sem qualquer exigência. O Tesouro poderá exigir contrapartida nos contratos com cada estado, mas uma cláusula contratual sem qualquer respaldo na lei não terá o mesmo efeito.

Além de ser uma derrota do projeto de ajuste fiscal, é também um sinal importante de enfraquecimento político da administração Temer. O mais importante é que o princípio da responsabilidade fiscal também ficou mais fraco e o horizonte da recuperação econômica do país ficou mais longe. Para sair do fosso em que o país se encontra é preciso que haja um esforço geral. Mas o que tem vencido é a máxima de “em casa de farinha pouca, meu pirão primeiro”.

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