sábado, 17 de dezembro de 2016

Sobre a matéria da BBC a respeito do Olavo de Carvalho


odc
Olavo é um personagem tão singular no contexto cultural em que está inserido que acaba por se tornar indecifrável para seus pares, perturbando a comodidade das nossas taxonomias preguiçosas e da categorização fácil.

Não se fala sobre um filósofo sem mencionar o seu pensamento e suas principais idéias, mas vocês não encontrarão na reportagem da BBC sobre o professor Olavo de Carvalho nenhuma palavra sobre seu trabalho filosófico — não há nada ali sobre a primazia da consciência individual; sobre a tripla intuição e o intuicionismo radical; sobre o conhecimento por presença; sobre as faculdades cognitivas e o primado da memória; sobre a sinceridade como fundamento do método filosófico; sobre o trauma da emergência da razão; sobre a teoria das doze camadas da personalidade; sobre círculo de latência; sobre a teoria dos quatro discursos; sobre os graus de persuasão; sobre o princípio da autoria; sobre a mentalidade revolucionária; sobre o conceito de paralaxe cognitiva; sobre a teoria do império; ou sobre qualquer outra contribuição do professor para a Filosofia.
Alguém interessado em defender a reportagem poderia argumentar que esse não era o foco do jornalista e que seu interesse era meramente sociológico, restringindo-se ao desejo de compreender o papel do Olavo no nascimento da nova direita (sic). Ainda assim, e mesmo que se conceda a possibilidade de compreender o papel do professor no debate público ignorando sua Filosofia, seria necessário dar atenção pelo menos aos aspectos mais visíveis de seu trabalho, o da crítica cultural e o da análise política.
Não é possível compreender o nascimento (ou renascimento) do conservadorismo brasileiro, ou a ascensão do anti-petismo, sem considerar o impacto que livros como "A Nova Era e a Revolução Cultural" (o primeiro a denunciar as estratégias e o projeto totalitário do PT, ainda em 1993), "O Imbecil Coletivo" e "O Jardim das Aflições", junto com os artigos e ensaios publicados pelo Olavo em um punhado de jornais e revistas, tiveram sobre toda uma geração de escritores e estudiosos, que, mais tarde, repassaram as idéias do Olavo para outras pessoas, que, por sua vez, as repassaram a outras e, assim sucessivamente, até que essas idéias chegassem a pessoas que talvez nunca tenham ouvido falar nele. Isso para não mencionar seus cursos e a influência mais recente do True Outspeak, de mais de uma centena de hangouts, e do livro "O Mínimo que você precisa saber para não ser um idiota" (citado apenas de passagem pelo jornalista).
Comparem essa reportagem com reportagens análogas, que têm por finalidade apresentar ao grande público as inspirações intelectuais de outros movimentos ao redor do mundo, e vocês se darão conta do quão ruim ela é. Leiam, por exemplo, as reportagens que foram escritas sobre o Stéphane Hessel, a principal influência do Movimento Indignados da Espanha, ou sobre Slavoj Zizek, uma das principais influências do Movimento Occupy Wall Street, e vocês verão como se escreve o perfil de um intelectual que exerceu alguma influência sobre movimentos populares.
O destaque negativo da reportagem fica com os acadêmicos entrevistados. Pablo Ortellado, Carlos Melo, Geovani Moretto e Danillo Bragança não passam de palpiteiros e entrevistá-los não faz nenhum sentido.
Danillo aparece na reportagem como representante da "filosofia da academia", o que me parece inexplicável já que ele é professor de Relações Internacionais e seu único contato com a "filosofia da academia" se deu em um curso de licenciatura da UERJ, universidade que, ironicamente, tem no quadro de professores do Departamento de Filosofia pelo menos um aluno do Olavo: Rogério Soares da Costa. Além do próprio Rogério, o repórter poderia ter entrevistado o professor Rodrigo Jungmann da UFPE, Ernildo Stein da UFRGS, o Gonçalo Armijos Palácios da UFG, o Alexandre Costa Leite da UnB, e uma porção de outros representantes da "filosofia da academia" que têm o trabalho filosófico do Olavo na mais alta conta.
Geovani Moretto aparece apenas para dizer que o professor Olavo é hoje um "dogmático", seja lá o que isso significa.
A Carlos Melo é reservada a função de dizer que o Foro de São Paulo não passa de um mito, explicando a ascensão da esquerda como um processo natural (como se houvesse algo de natural em movimentos ideológicos) e apresentando um dos argumentos mais risíveis que já li sobre o assunto — o de que a derrota da esquerda em vários países da nossa região demonstra que não havia unidade estratégica entre os membros do Foro (como se a unidade estratégica levasse a algum tipo de invencibilidade).
Pablo Ortellado completa o festival de asneiras com a afirmação de que o Olavo perdeu a influência por ter brigado com todo o mundo — quem é que vende 320 mil livros e vê seu nome estampando cartazes em manifestações populares após perder a influência?
Isso tudo é jogado no meio de miudezas episódicas adornadas por uma menção à Desciclopédia (!!!) aqui, por uma informação desnecessária sobre o casamento do Olavo ali, e por uma insinuação de que ele defende a intervenção militar acolá, fazendo com que salte aos olhos a incapacidade do jornalista de distinguir o essencial do acessório, o central do marginal e o primordial do secundário. É por isso que eu digo que, no Brasil de hoje, o Olavo é um hápax legómenon (https://goo.gl/8BG7Ov) — um personagem tão singular no contexto cultural em que está inserido que acaba por se tornar indecifrável para seus pares, perturbando a comodidade das nossas taxonomias preguiçosas e da categorização fácil.
Seja como for, é sempre bom ver alguém ignorando o decreto do Milton Temer e falando sobre o inominável Olavo de Carvalho na grande mídia, estendendo a milhares de pessoas a oportunidade que eu mesmo tive cerca de dez anos atrás.

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