sábado, 31 de dezembro de 2016

O outro lado - Míriam Leitão


- O Globo

O ano termina cercado de um sentimento de alívio e desprezo. Na sua despedida só são ressaltados os problemas e as aflições. Mas como todos os outros que o precederam, o ano de 2016 tem também um outro lado. O saldo de qualquer balanço é negativo, dirão os mais desgostosos. Pode ser, mas isso não significa que tenha sido um período de total desesperança e equívocos.

Na economia foi uma devastação com queda de produção, emprego, renda. Mas, por outro lado, foi o ano em que se venceu um surto extemporâneo de inflação. Desde 1995 a taxa se acostumou a ficar em um dígito, mas esse ano já começou em dois dígitos. De lá, no entanto, foi tirada e levada de volta a um nível aceitável.

Foi o ano em que se aplicou uma das mais fortes punições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Apesar de a perda de mandato presidencial estar na LRF, pouca gente acreditava que isso fosse possível. Há uma lista de razões pelas quais a presidente Dilma caiu — golpe não é uma delas —, mas o que embasou o pedido de impeachment que tramitou no Congresso foi a falta de responsabilidade fiscal. A partir dos eventos do ano fica fortalecida a lei e confirmado o artigo 36: o governo não pode tomar empréstimo em bancos dos quais é controlador. Atrasar quitação de despesa paga pela instituição financeira é a mesma coisa que pegar um empréstimo. Os próximos governantes terão medo dos truques contábeis que haviam se disseminado no governo Dilma.

Conspirou-se muito e em altos gabinetes contra a Lava-Jato, mas a operação continuou surpreendendo com os seus avanços. Ao longo dos meses, a LavaJato quebrou todos os paradigmas e não se intimidou diante de nenhum poderoso. O presidente da Câmara foi deposto e preso, o presidente do Senado virou réu, o ex-governador do Rio foi preso. Há uma lista de citados e investigados na cúpula do atual governo.

O ex-presidente Lula ameaçou “incendiar o país”. Disse, aliás, que era o único capaz de tal proeza. Muita gente acreditava que Lula tivesse mesmo o mando das ruas. Ao longo do ano, elas se encheram mais contra o PT do que a favor. Lula foi depor coercitivamente e virou réu cinco vezes. É um avanço derrubar a ideia de que haja um dono da rua no Brasil.

A Odebrecht entrou na Lava-Jato com empáfia e arrogância. No começo desse ano exibia a mesma postura. Contudo, no balanço das horas de 2016 a atitude foi mudando e, em dezembro, 77 integrantes da cúpula da empresa, inclusive os Odebrecht, assinaram suas confissões. A empreiteira pediu desculpas ao país e promete virar a página.

O Rio viveu um duro cotidiano e termina com funcionários públicos sem receber seus salários e os serviços aos cidadãos em colapso. Por outro lado viu ir para a cadeia o ex-governador Sérgio Cabral que vendeu ao estado um projeto que foi aceito e aprovado, mas que foi traído por ele mesmo com gastos excessivos e indícios contundentes de enriquecimento pessoal. Cabral, com suas viagens excessivas ao exterior, sua extravagante compra de joias, sua promiscuidade com empreiteiros, tem muito a explicar à Justiça. Houve um tempo em que tudo isso acontecia na cara do cidadão e ninguém era punido. Não no ano de 2016. A cidade, entretanto, viveu o alívio de afastar o pior cenário nas Olimpíadas. O maior evento do esporte no mundo transcorreu sem problemas e pode-se até admitir: foi bonita a festa.

Os leitores dessa coluna podem achar que tento elevar o astral para que a festa de réveillon não seja amarga, e que se trata apenas de um exercício infantil e polianesco de ver o lado bom da má notícia. Sabemos todos a dureza desse ano difícil em que vimos as vísceras de um sistema político que apodreceu, em que a mudança de governo não resolveu o problema que nos inquieta na nossa democracia. Para piorar, o mundo assistiu aos Estados Unidos fazerem a mais insensata das escolhas eleitorais, o que joga sombras sobre o futuro. A economia continuou em seu fosso pelo segundo ano consecutivo, um evento econômico tão raro que só ocorreu no Brasil na década de 30 do século passado. Não desmentirei a tristeza. Ela estará conosco na virada do ano, mas que seja uma tristeza lúcida. É fato que temos avançado entre revezes. Pense isso no seu brinde de Feliz 2017.

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