sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

"Ditador. E só ditador", por Antonio Carlos Prado


IstoE

Ditador. E só ditador
QUEM DIRIA - Fidel Castro, então um nacionalista, passeia em 1955 no Central Park, em Nova York: pedido de dinheiro ao governo americano para a sua guerrilha

Deus e o diabo na terra do açúcar. Deus e o diabo na ilha do fumo. Ao longo de seis décadas, para socialistas e comunistas o ditador Fidel Alejandro Castro Ruiz foi um deus. Para muitos democratas, ou não tão democratas assim, ele significava deus e diabo ao mesmo tempo. Agora, com a sua morte na semana passada, aos 90 anos, o que mais se ouve e se lê é essa mesma ladainha – Fidel Castro foi um ídolo político para o bem e para o mal. Toda essa dubiedade se traduz, na verdade, em hipocrisia ou, na melhor das hipóteses, em tolo romantismo. Diga-se claramente que Fidel foi o mais longevo tirano da América Central, criador de uma das mais cruéis ditaduras do planeta, e legou aos cubanos uma ilha empobrecida no setor financeiro, nula no setor industrial, ignorante no setor tecnológico – até a internet é restrita no país, fato que escancarou as portas para o tráfico de pen drives com notícias do exterior. Fidel era um nacionalista, por exemplo, quando em 1955 foi aos EUA, após a frustrada tentativa de assalto ao quartel Moncada, pedir dinheiro ao governo americano para financiar a sua guerrilha contra o ditador Fulgencio Batista. Ei-lo numa foto (a dir.) que surpreende o leitor: Fidel, de terno e gravata, passeando no Central Park, em Nova York. Fidel continuava nacionalista em 1959 quando desceu de Sierra Maestra com seus guerrilheiros e tomou Santa Clara. Ele virou comunista pouco depois porque precisou da ex-URSS para sobreviver no poder. Ou seja: a sua ideologia sempre foi, tão somente, o poder. Por má fé ou falta de informação, há aqueles que teimam em colocar um pé de Fidel no céu e o outro pé no inferno. Bobagem. Ele é todo diabo.
Nesses tempos atuais do politicamente correto, veem-se aguerridos defensores do direito de cada pessoa ser dona de sua opção sexual (com o que concordo) idolatrando Fidel (ponto em que discordo). Aviso aos navegantes dessas águas da contemporaneidade: entre as 26 mil pessoas que ele mandou fuzilar no paredón, morreram adversários políticos, fazendeiros e empresários dos quais queria as terras e os lucros para o Estado, muitas prostitutas e muitos gays. Sim, Fidel fuzilava gays. Mais: criou os centros de “reeducação” para homossexuais, verdadeiras masmorras e máquinas de produzir sofrimento e loucura. Acrescento que também não vejo movimentos feministas criticarem o tirano de Havana por matar prostitutas. E é importante frisar, aos que se dizem de esquerda, que Fidel Castro manteve desde 1959 a imprensa censurada, usurpou do povo o direito de pensar, rezar, criticar e eleger seus governantes, impôs um obscuro estamento burocrático comunista à nação.
Entidade respeitada pela própria esquerda, a Human Rights Watch aponta que cerca de dez mil pessoas foram presas no ano passado, entre elas os jornalistas que simplesmente tentaram noticiar a passagem do vendaval Mattew pela ilha. Para tudo isso a esquerda e alguns democratas que querem ficar bem com todo o condomínio ideológico cerram os olhos. Eis a hipocrisia. Quanto aos ingênuos de plantão, teimam eles no romantismo já denunciado pelo poeta Reinado Arenas em “Antes que anoiteça” (que a esquerda brasileira pouco leu), teimam eles no romantismo que o pensador André Malraux denominou “ilusão lírica” ao se referir ao início da Guerra Civil Espanhola, teimam eles em desconsiderar o olhar de Jean-Paul Sartre em “Furacão sobre Cuba”. Aliás, por aqui, houve também quem venerasse a música de Pablo Milanês – e, por favor, se é para ouvir a chamada Nueva Trova, Silvio Rodríguez é melhor no verso e na música e menos ideologicamente dramático (talvez por isso foi tido durante bom tempo pela burocracia estatal cubana como um “artista playboy”). Existe, porém, mais teimosia: a que evapora das mesas de bar a dizer que tudo andou e anda bem em Cuba porque lá tem boa saúde pública e bom ensino gratuito. É preciso avisar essa gente que democracia e estado de direito não são excludentes de saúde e de educação. Ou, se quiserem, pensemos pelo avesso do avesso: durante a famigerada ditadura militar brasileira, no período do ditador Emilio Garrastazu Médici, o Brasil ia bem de educação, saúde e crescimento imobiliário, tudo isso enquanto se lançava ao silêncio do mar corpos de oponentes políticos. O crescimento do País não justificava nem compensava a tortura nos porões. Digo: Médici foi um tirano. Mas também digo: Fidel foi um tirano.
A morte de Fidel Castro encerra um ciclo de agonia na combalida Cuba (Deus queira que sim) e demonstra que o socialismo e o comunismo se tornaram arremedos de sistemas: politicamente porque se revelaram autoritários, economicamente porque se revelaram incompetentes. Cuba segue a sina, e nela não haverá glasnost mas haverá perestroika – interessa aos EUA reaproximado por Barack Obama, interessa aos legítimos conservadores que nada têm a ver com os delírios de Donald Trump, e interessa à juventude da ilha. Fidel falava, falava e não parava de falar em seus discursos, porque é dessa forma, com ideias politicamente ocas e palavras incendiárias, que o populismo de tais regimes se mantém. Os tribunos romanos falavam durante horas e horas, muitos ouvintes desmaiavam, e daí nasceu a expressão epilepsia (o que abate por cima) porque se acreditava que entidades espirituais causavam os desmaios. Com o tempo descobriu-se que a epilepsia é assunto médico, tanto quanto a megalomania por meio de discursos quilométricos. Em um de seus discursos, quem diria, o próprio Fidel, que pleiteava para si o slogan de general “inquebrantable” dado ao ditador sanguinário Josef Stalin, também desmaiou. Não se sabe se ele não aguentou a eternidade do pronunciamento ou a eternidade de demagogia – já houve tanto “pai dos pobres” na América Latina (vide Juan Domingo Perón, Getúlio Vargas e Lula, só para citar três exemplos), que se um deles de fato o tivesse sido não haveria miseráveis desse lados dos “tristes trópicos” de Claude Lévi-Strauss.
E por que o socialismo e o comunismo precisam de tais discursos? A explicação está no pecado original da teoria que um dia se pretendeu sociológica e científica, formulada por Karl Marx, mas que na realidade nunca passou de uma escada ideológica para tomada e manutenção do poder. Com Heráclito, tivemos uma dialética pessimista porque não vislumbrava por vir: o seu princípio desanimador era “nunca nos banhamos duas vezes na mesma água do mesmo rio”. Com Georg Friedrich Hegel a humanidade cresceu largo e profundo em sua dimensão intelectual porque a dialética ganhou no campo das ideias (repita-se:das ideias) o otimismo da tese-antítese e síntese, sendo que a síntese se faz como um patamar superior de evolução, a qual novamente se tornará uma tese melhor, uma antítese aperfeiçoada e outra síntese mais elaborada, e assim sucessivamente. Pois bem, Karl Marx, com zero de ciência e mil de ideologia, distorceu a dialética hegeliana e a colocou na camisa de força daquilo que denominou “materialismo histórico”, no qual a síntese seria a absurda e execrável “ditadura do proletariado”. Ela serviu, por exemplo, para embasar regimes sanguinários como o de Stalin na ex-URSS e de Josip Briz Tito, na Hungria. O nome já não presta: “ditadura do proletariado”. Fidel Castro a vivia pregando. Para o bem daqueles que são tolerantes e não gostam de ditaduras, essa dialética marxista foi incinerada junto com o corpo de Fidel.

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