domingo, 25 de setembro de 2016

Será que vai dar praia? - MARCIO DA COSTA


O GLOBO - 25/09

Greves intermináveis com risco zero. Salário na conta e dois a três meses de trabalho a menos quase todos os anos recentes


Quinta, dia 22, algumas unidades da UFRJ suspenderam suas atividades em função de uma anunciada paralisação, convocada por entidades de funcionários. Na véspera, à tarde, instâncias oficiais já se adiantavam e oficializavam a suspensão do expediente. Não é inédito. Tornou-se natural com o passar dos anos. O que se segue é parte do que escrevi para meus pares.

É razoável que a instituição adote uma posição que, na prática, impõe uma greve a todos? Tem sido assim na UFRJ. Sindicatos adotam em seus fóruns uma paralisação. Quase instantaneamente, a burocracia responsável pela gestão da universidade incorpora tal decisão e antecipa seus efeitos decretando que os portões sejam cerrados. O Conselho Universitário já fez algo semelhante, suspendendo o calendário letivo. Assim, uma decisão de greve é convertida em estranho locaute, com a ação de autoridades que deveriam zelar pelo funcionamento institucional.

No caso da interrupção do calendário institucional, por mais de uma vez isso ocorreu em favor de movimentos que nem mesmo contavam com adesão expressiva, mas que foram tornados artificialmente “universais” por esse artifício de gestão. Na última greve isso assumiu um caráter mais severo, dado que, em unidades onde não havia adesão ao movimento, a manutenção do calendário foi proibida pelas autoridades universitárias.

A coisa funciona assim: uma assembleia de meia dúzia decide greve ou paralisação, a estrutura decisória transforma essa decisão quase clandestina em decreto institucional. Com isso, está assegurado o sucesso do movimento, “adesão” de 100%. Discursos revolucionários saúdam a coesão de classe, e a população paga pelas bravatas.

Frequentemente, quase ninguém sabe ao menos quais são as reivindicações do “movimento”. Eventualmente, em caso de grande adesão, o funcionamento poderia estar severamente comprometido, de tal forma que seria impossível ou pouco sensato manter as portas abertas. No entanto, nem se cogita testar.

Tal ocorre em meio à anomia que torna a lei, a separação público/privado, a preocupação com a coisa pública meras peças de retórica nesse universo paralelo em que vivemos nas universidades públicas. A predação do funcionamento institucional deriva de se haver aprendido na universidade que não há risco. Nenhum dos protagonistas paga o preço.

Como de hábito, a paralisação foi numa quinta-feira, convertendo-se em feriadão. O distinto público paga nosso salário, e vida segue, como se nada houvesse acontecido. A Viúva banca, e ninguém é chamado a prestar contas desses, digamos, feriados informais. Greves intermináveis ocorrem da mesma forma: risco zero. Salário na conta e dois a três meses de trabalho a menos quase todos os anos recentes.

Será esse um dos motivos porque parece crescer na população o sentimento de inveja/ódio pelo funcionalismo público? Aquele bando de gente que ganha mais, trabalha menos, não precisa prestar contas de nada e ainda vai lá quando quer? Quanto tempo durará essa festa? Alguém será responsabilizado?

Quinta feira deu praia.

Marcio da Costa é professor da Faculdade de Educação da UFRJ

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