terça-feira, 20 de setembro de 2016

MARTA SUPLICY: “NUNCA FUI DE ESQUERDA” – COMEÇOU A DANÇA DO “EU NUNCA FUI” - Flavio Morgenstern

Marta Suplicy foge do rótulo de "esquerda" em entrevista à Folha: a vergonha de ter pertencido à esquerda já se reflete nas urnas no Brasil.
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A candidata à prefeitura de São Paulo, a conhecidíssima Marta Suplicy, deu entrevista à Folha negando ser uma pessoa de esquerda. Depois de ter saído do PT, Marta é uma das primeiras políticas a externalizar a vergonha associada à ideologia hoje.
Apesar de a própria Folha ir se assumindo cada vez mais como um jornal de esquerda (fato reconhecido por toda a população, exceto aquelas de esquerda, desta vez por vergonha da própria Folha), Marta Suplicy sentiu na pele que a ideologia que foi quase uma hegemonia no país durante os governos petistas, sobretudo no início da década de 2010, é hoje motivo de vergonha.
A própria Folha cobrou um posicionamento de Marta Suplicy, dizendo que a senadora está aliada a “setores considerados mais conservadores…” (reticências do original). A Folha não esclarece quais setores seriam esses e quem os considera “mais conservadores” – se sua fonte é a própria esquerda, basicamente tudo no mundo é conservador em excesso: família com pai e mãe, sinal da cruz, o estilo de marcação do Neymar, o sol etc.
Depois de perguntar por que não apóia o prefeito da Folha, Fernando Haddad, e antes de perguntar a jáaborrecidíssima pergunta sobre Eduardo Cunha, a Folha perguntou a Marta:
A sra. hoje se classificaria como sendo de esquerda?
Olha, eu nunca nem me coloquei assim, né? Eu acho que neste mundo hoje depende do que você chama de esquerda. Tem valores tão, tão retrógrados que são chamados de esquerda que eu não me identifico em absoluto. Eu tenho valores que eu diria que são cada vez mais de inclusão das pessoas, de respeito à cidadania.
A esquerda, afinal, deu PT.
Para quem estuda história, e não a disciplina “História” formalizada justamente pela esquerda aboletada no MEC, sabe-se que há, mutatis mutandis, dois tipos de “desertores”: aqueles que percebem de fato um erro em sua ideologia/país/partido original e aqueles que se aproveitam dos segredos, fama, dinheiro, informações e poder adquiridos para um projeto pessoal. Yuri Bezmenov e Ion Mihai Pacepa pertencem ao primeiro tipo. Julian Assange e Edward Snowden ao segundo.
Em qual categoria estaria Marta Suplicy? A resposta parece clara pelo restante da entrevista.
Marta descreve sua carreira se focando em uma questão que era esquisita para os antigos líderes sindicalistas que formaram o PT, e hoje é simplesmente a grande tônica, senão o único discurso monótono de toda a esquerda: “Me empenhei muito pela questão da mulher, LGBT”.
Para se livrar da chatérrima pergunta “E o Cunha?”, Marta tergiversa: “Todos os partidos grandes têm pessoas investigadas e pessoas conservadoras”, como se Eduardo Cunha representasse alguma forma de “conservadorismo” além de sua base evangélica e sua virada de casaca contra o PT em 2015.
Sobre João Doria, “acusa-o” de não saber gerir a cidade por ser um empresário com contratos com o Estado: “A vocação para ser empresário é uma vocação que visa o lucro. Nada contra. Mas ter a preocupação de gerar lucro significa cortar, significa diminuir determinados tipos de investimento, que ele até já explicitou.” Para a ex-prefeita que deixou São Paulo com o maior negativo em caixa de todos, qualquer visão empresarial, senão é nociva, é ao menos “insuficiente” para a gestão estatal, que deve visar a torrefação do erário.
Sobre a concessão para gestão do estádio do Pacaembu e do autódromo de Interlagos, Marta responde: “Pacaembu é um monumento, não tem que ser privatizado em hipótese alguma”.
A Folha também faz inúmeras perguntas como cabo eleitoral de Fernando Haddad, sempre em tom firme, acusatório, como uma cobrança e como se se afastar da esfera de influência do petismo de Haddad fosse um crime: sobre a “ruindade” de Michel Temer, sobre votos da “classe média”, se vai mudar a política do crack de Fernando Haddad, se vai voltar a permitir que algum carro trafegue nas Marginais engatando-se a terceira marcha, “apesar do que dizem muitos especialistas”.
Antes da metade da entrevista, a Folha consegue um feito histórico: faz o leitor ficar com dó de Marta Suplicy ao ser entrevistada por alguém mais esquerdista do que ela própria.
O que fica de todo o arrazoado pinçado do festival de horrores que foi a entrevista é que Marta Suplicy, obviamente, não mudou de lado: continua defendendo o que sempre defendeu, mas sabe que a palavra “esquerda”, hoje, não significa muito além de vergonha. Para os setores “progressistas”, todo o futurismo e todas as luzes de seu racionalismo não duraram mais do que uma década e meia no poder.
Marta Suplicy, infelizmente, vê uma porta aberta, pequena, mas aberta – a pequena porta da salvação, onde só é possível entrar ajoelhado, prostrando-se perante a verdade e arrependendo-se do passado pregresso. Mas prefere recair na tentação e afirmar apenas que não tem mais nada a ver com seu passado, para defender exatamente o seu passado.
Seu discurso meio pós-obamista (ao invés de “we can change”, é algo como “I have changed”), a população o nota, é apenas isso: palavras, palavras, palavras.
Marta Suplicy não será a última a perceber a vergonha que é ser de esquerda após o PT (e a União Soviética, o Camboja, a China, Cuba, a Venezuela, a Bolívia, a Nicarágua…). Resta saber quem entendeu mesmo os erros da esquerda, ou quem vai praticar o modelo número 1 de discurso desta década: defender tudo o que a esquerda defende, mas sem se qualificar de esquerda (tal como nem mesmo o PT usa mais a cor vermelha, de vergonha do impeachment, proposto pelo povo). É como a diferença entre o comunista e o progressista: ambos querem a mesma coisa, mas só um deles usa o nome correto dela.
Ainda assim, fica um desafio para a direita, que hoje se torna motivo de orgulho, embora candidatos e políticos acostumados aos seus antigos currais não percebam: como ser convidativo aos desertores reais, aqueles que trabalharam na esquerda, ganharam com a esquerda e perceberam o mal da esquerda.
Hélio Bicudo foi um deles, ainda que já próximo aos 90 anos. E, na verdade, a maior parte da direita mundial, que é quase uma coleção de ex-marxistas que notaram os erros do fanatismo político de massa e, cada um a seu modo, sem um Das Kapital para chamar de seu, acabaram indo para a direita. De Leszek Kołakowski a Ronald Reagan, de Eric Voegelin a Thomas Sowell, os maiores nomes da direita já tiveram seu passado de esquerda.
Resta saber se, mesmo para casos de “salto de oportunidade”, a direita saberá ser convidativa, agradável, capaz de esclarecer e perdoar seus ex-adversários. Afinal, quase toda a direita já teve seu passado na esquerda, e percebeu a estreita porta após muito estudo – o caminho oposto é que nunca foi trilhado.
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