quarta-feira, 25 de maio de 2016

Medidas e intenções - Míriam Leitão


- O Globo

As medidas anunciadas ontem têm várias vantagens em relação a outros ajustes. Em vez de mais um contingenciamento que comprime despesas e atrasa pagamentos, um limite de gastos que estabelece aumentos nominais, mas não reais. Em vez de impostos, suspensão de desonerações e de subsídios. Em vez de pedaladas, pedir ao BNDES para pagar parte da dívida com o Tesouro.

Houve um debate ontem se a medida de antecipar o pagamento do BNDES seria permitido ou não pela lei fiscal. O próprio presidente em exercício disse que seria analisada juridicamente essa ideia. Há quem considere que fere a lei fiscal porque seria uma antecipação de pagamento por um banco público, o que é proibido. Na verdade, não é antecipação nem de receita nem de dividendos. O BNDES tem uma dívida de meio trilhão de reais com o Tesouro, e o cronograma alongado desse pagamento foi negociado pelo ex-ministro Guido Mantega. Da mesma forma que foi estabelecido, pode ser alterado por uma negociação entre as partes. O que será pago é apenas uma parcela do que foi emprestado.

O governo precisa encontrar formas de reduzir a dívida pública porque ela cresceu demais no governo Dilma e hoje é o principal ponto de desconfiança em relação à economia brasileira. Como o empréstimo ao BNDES custa muito caro para o governo, que se financia a taxas muito mais altas do que recebe de volta, ter um horizonte de pagamento de pelo menos uma parcela é uma boa ideia. O Fundo Soberano sempre foi uma ficção, inicialmente foi capitalizado com endividamento público, depois com ações de estatais. Tem um valor irrisório, e não há razão para mantê-lo.

O Ministério da Fazenda explicou ontem que o gasto primário do governo federal aumentou 5,8% ao ano acima da inflação de 1997 a 2015, subindo de 14% para 19% do PIB. É uma trajetória insustentável. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que muda isso, estabelecerá que as despesas subirão conforme a inflação do ano anterior, ou seja, não terão aumento real. Pelo lado das receitas, a ideia é rever as desonerações, vender ativos, tentar recuperar crescimento e só depois pensar em aumento de impostos. A sociedade está cansada de pacotes fiscais que começam com aumento de impostos. A proposta do ministro Henrique Meirelles é que os gastos primários de 2017 serão os mesmos de 2016, corrigidos pela inflação.

Isso difere em tudo do último projeto do governo Dilma encaminhado ao Congresso em março deste ano. Em um documento confuso, o então ministro Nelson Barbosa projetava uma redução da meta de R$ 30 bilhões para supostos R$ 2 bilhões de superávit, que, na verdade, eram um rombo de R$ 96 bilhões porque haveria o que ele chamou de “espaço fiscal”. Nesse espaço caberiam descontos, frustração de receitas, pagamentos considerados relevantes. Criava-se uma espécie de banda fiscal, com uma margem de erro de quase R$ 100 bilhões. A mando da presidente afastada Dilma Rousseff, Barbosa disse que a nova meta é um cheque em branco para gastar. Na verdade, licença para gastar era o tal “espaço fiscal” onde cabia qualquer coisa.

O presidente em exercício Michel Temer avisou ontem que o fato de o governo ser interino não significa que o país tem que ficar parado. Ele continua imprimindo ritmo forte, com decisões de quem vai permanecer, mesmo havendo o imponderável. É desta forma mesmo que precisa agir porque a crise é grave demais para hesitações e adiamentos.

A reforma da previdência não foi divulgada ontem e isso faz sentido porque não é um assunto que caiba num pacote de medidas. É questão profunda, que afeta a vida das pessoas a médio e longo prazos, é tema complexo em que será necessário o governo arbitrar conflitos e convencer. Por outro lado, se o governo continuar divulgando aos poucos as ideias da reforma, ainda sem maturação, vai armar todas as reações contra a ideia. Terá que ceder antes de começar a formular seu projeto. O Brasil tem uma longa tradição de reformas da previdência fracassadas ou neutralizadas no Congresso. Por isso o governo precisa saber o que vai propor e se preparar para a batalha de convencimento da população. Se falar só com os interlocutores de sempre, que alegam ser os representantes dos trabalhadores, essa reforma não sairá das intenções, como tantas outras.

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