segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

J. R. Guzzo: No alvo errado


Publicado na versão impressa de VEJA
Já virou um procedimento de rotina para o ex-presidente Lula e todo o seu sistema de apoio, nessa miserável cachoeira de suspeitas que não para de jorrar em torno dele. Em vez de apresentar um mínimo de fatos capazes de atestar que é um homem decente, e afastar pelo menos o grosso das desconfianças que construiu em torno de si próprio, o principal líder político do Brasil se escondeu de novo. Deveria responder a algumas perguntas num fórum criminal de bairro em São Paulo — coisa que qualquer cidadão com a vida em ordem seria capaz de fazer sem o menor problema. Mas não. De tudo o que podia fazer de ruim, escolheu o pior: simplesmente não foi ao interrogatório, aproveitando-se de um desses truques burocráticos que a Justiça brasileira oferece a toda pessoa que tem dinheiro, influência e advogados suficientes para impedir que a lei se aplique a ela. Por que não foi? Pelo mesmo motivo, exatamente, que o manteve de boca fechada, até agora, em relação a tudo o que vem sendo dito sobre sua conduta: não consegue dar, nem com a assistência dos mais distintos criminalistas do país, uma única resposta que possa ser levada a sério sobre os benefícios pessoais inexplicáveis que vem recebendo de empreiteiras de obras públicas.
Resolve alguma coisa? Não resolve. As perguntas só irão embora no dia em que forem respondidas. Lula, o PT e o seu mundo ganharam mais algum tempo; em compensação, o ex-presidente vai tomando cada vez mais indiscutível sua reputação como homem que foge da raia. Parece que estão tentando botar de pé, na sua usina de marketing, a imagem de Lula como um novo “Cassius Clay”, o boxeador que passou nas cordas toda uma de suas lutas mais célebres — até reagir e mandar o seu adversário para a lona. Há um problema complicado com essa comparação: Cassius Clay só ganhou porque compareceu ao ringue no dia marcado para a disputa. Mas a regra número 1 para Lula é sumir: em vez disso, acusa os adversários. Neste último episódio, sua tropa falou de “linchamento”, tentativa de “impedir” sua candidatura à Presidência em 2018, guerra da elite ao seu “legado” e o resto da ladainha de sempre. É como se Clay, em vez de subir no tablado, ficasse xingando George Foreman lá no meio da plateia. Parecem ter esquecido que não estão numa campanha eleitoral, e sim diante da Justiça penal — não adianta enganarem o eleitorado, pois quem precisa acreditar no que dizem é o juiz. Estão atirando no alvo errado.
A fuga permanente de Lula não chega a piorar sua imagem junto aos milhões de brasileiros que, já faz muito tempo, desistiram de acreditar nele. Seu problema, a partir de agora, parece ser com os outros milhões que são seus eleitores, simpatizantes e irmãos de fé — essa multidão de gente sem rosto, sem nome e sem triplex que vota nele, briga por sua reputação e não ganha nada com isso. Lula sempre achou que esse povo engole tudo; tem uma credulidade e uma paciência sem limites. Vai continuar assim para sempre? Diante das perguntas a que seu líder não responde, talvez comece a perder o interesse em ouvir Lula falando pela milésima vez no “legado”, no “operário” que cuida dos pobres, na boa fortuna que trouxe a eles. Pode estar se enchendo com as histórias de que Lula é importante para “o futuro do mundo”, ou que a “elite” inventa todas as acusações contra ele. Tudo bem, mas não é isso que essas pessoas estão perguntando hoje, nas viagens de três horas até o trabalho ou na procura do emprego que perderam. Querem saber a troco de que empresas pagam reformas caríssimas no sítio que Lula “frequenta” — um lugarzinho meia-boca, segundo diz agora o seu estado-maior, mas que para 99% dos brasileiros é um sonho que não vai se realizar até o fim da sua vida. Por que manda para um sítio que não é dele uma mudança com 200 caixas? Por que lhe pagam uma cozinha de 130 000 reais, mais do que vale uma casa inteira no Brasil real? Por que a empresa de telecomunicações que ganhou do ex-presidente um favor “top de linha” instalou uma torre de celular ao lado do bendito sítio? Por que seus filhos moram de graça? Por que sua vida é cercada pelos quatro cantos por empreiteiras de obras públicas — e estaria certo Lula receber tanto dinheiro delas?
Lula vem fracassando dia após dia na batalha para mostrar que não está escondendo nada, como acaba de comprovar mais uma vez com sua recusa em responder a perguntas do promotor público. O que pretenderia, então? Passar assim o resto da vida?

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