terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Roberto Campos: uma mente lúcida - POR RODRIGO CONSTANTINO


“O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele nos pode dar é sempre menos do que nos pode tirar.” (Roberto Campos)
Não existe perfume francês que faça um fétido gambá virar um gatinho de estimação. Roberto Campos foi uma das mentes mais lúcidas que a política nacional já teve, e seu olfato era bem aguçado para detectar tais gambás disfarçados de gatos. Não foi por acaso que o apelidaram de “Bob Fields”, além de “entreguista”, já que a verdade, quando esfregada na cara, gera ressentimento nos pérfidos. Em sua coletânea de artigos Na Virada do Milênio, Campos oferece um vasto repertório racional contra os “heróis” dessa terra de Macunaíma que é o Brasil. O triste é que as críticas dele não ficaram obsoletas. Pelo contrário: são mais atuais que nunca.
Seu entendimento acerca do mercado era preciso, e até hoje vemos que muitos ainda não foram capazes de compreender tal conceito. O mercado “é apenas o lugar em que as pessoas transacionam livremente entre si”, o que não é pouco, “porque no seu espaço a interação competitiva entre os agentes econômicos eqüivale a um plebiscito ininterrupto”. Os agentes podem rever a todo momento suas escolhas, assim como a medição quantitativa de suas preferências lhes permite o cálculo racional. Os socialistas jamais assimilaram este fato.
Campos não pouca críticas aos socialistas. Para ele, estes, e em especial os marxistas, “sempre pensaram que existia um estado natural de abundância”. Nada mais simples, portanto, “que a economia de Robin Hood: tirar dos ricos para dar aos pobres”. Eis como Campos encarava tais figuras: “No meu dicionário, ‘socialista’ é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio, e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros”. Eles sempre souberam “chacoalhar as árvores para apanhar no chão os frutos”. O que não sabem é plantá-las! Nas palavras de Campos, “os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado”.
A metralhadora anti-esquerda, munida de sólidos argumentos, não pára por aí. Para Campos, nossas esquerdas não gostam de pobres, mas sim de funcionários públicos. Afinal, “são estes que, gozando de estabilidade, fazem greves, votam no Lula, pagam contribuição para a CUT”. Os pobres não fazem nada disso. “São uns chatos”. A elite não escapa ilesa: “É divertidíssima a esquizofrenia de nossos artistas e intelectuais de esquerda: admiram o socialismo de Fidel Castro, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar – bons cachês em moeda forte; ausência de censura e consumismo burguês”. E conclui: “Trata-se de filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola”.
Roberto Campos presta uma rara homenagem, no Brasil, aos economistas da Escola Austríaca, que previram a derrocada socialista: “O colapso do socialismo não foi mero acidente histórico, resultante da barbárie da União Soviética ou da perversão de carniceiros como Stalin e Mao Tsé-Tung. Era algo cientificamente previsível. Os aludidos cientistas sociais teriam certamente chegado a essa conclusão se, ao invés de treslerem a história, tivessem lido os grandes liberais austríacos”.
Em uma nação onde o senso comum coloca o nazismo e o comunismo em extremos opostos, a lucidez de Roberto Campos ganha ainda mais valor ao compreender que ambos os regimes são, na verdade, irmãos de sangue: “Os dois monstros gêmeos, o comunismo e o nazismo, têm vocação genocida. Naquele, o genocídio de classe; neste, o genocídio de raça”. Para ele, a violência comunista foi “algo diabolicamente inerente à engenharia social marxista, que, querendo reformar o homem pela força, transforma os dissidentes primeiro em inimigos, e depois em vítimas”.
Sobre o golpe, ou contragolpe de 64, Roberto Campos comenta com um realismo sui generistambém: “É sumamente melancólico – porém não irrealista – admitir-se que no albor dos anos 60 este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: ‘anos de chumbo’ ou ‘rios de sangue’…”. Não creio que os revolucionários comunistas isentem de culpa nossos ditadores militares, que à exceção de Castello Branco, muito contribuíram para o atraso nacional. Mas isso não torna a avaliação de Campos menos verdadeira: “Comparados ao carniceiro profissional do Caribe, os militares brasileiros parecem escoteiros destreinados apartando um conflito de subúrbio”.
O completo afastamento do modelo liberal, não obstante seu uso como bode expiatório para nossos males, era profundamente lamentado por Roberto Campos. Em sua opinião, “o que certamente nunca houve no Brasil foi um choque liberal”. O liberalismo econômico assim como o capitalismo não fracassaram na América Latina, “apenas não deram o ar de sua graça”. Em resumo, “o Brasil está tão distante do liberalismo – novo ou velho – como o planeta Terra da constelação da Ursa Maior!”.
A burocracia e a fome insaciável de recursos e poder do governo sempre foram alvos dos ataques de Campos. Para ele, “continuamos a ser a colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos às ‘autoridades’ – a grande diferença, no fundo, é que antigamente a ‘autoridade’ era Lisboa, hoje é Brasília”.
Enfim, Roberto Campos foi um defensor do livre mercado, das privatizações, do capitalismo, do império das leis objetivas. Combateu o nacionalismo retrógrado, o planejamento estatal, os impostos elevados e progressivos, a burocracia asfixiante, a concentração de poder, o socialismo em geral. Viveu a angústia de ver as idéias racionais desprezadas por políticos presos em uma mentalidade ultrapassada, que chegou a parir um absurdo como a Lei da Informática. Lamentou, enquanto muitos vibravam, a Constituição “besteirol” de 1988, que oferecia garantias irrealistas, promessas utópicas, plantando as sementes das desgraças que se seguiram.
Sofreu com as imensas oportunidades perdidas, que mantiveram o Brasil longe de realizar seu potencial. Poderia ser um tigre mas agia como uma anta. E foi praticamente uma voz isolada e abafada por um uníssono ensurdecedor de idéias esquerdistas. Como ele mesmo reconheceu, “admitir o ‘liberalismo explícito’, num país de cultura dirigista, é coisa tão esquisita como praticar sexo explícito em público; não dá cadeia, mas gera patrulhamento ideológico”. Infelizmente, muito pouco mudou desde então…
Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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