quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

CUBA: '3 horas para ver um clipe': cubanos relatam drama de interagir em redes sociais


Cubanos natos, moradores e visitantes da ilha governada pelos Castro a rigor podem acessar o YouTube com liberdade. O problema é que, na prática, a maioria não consegue assistir a nenhum vídeo.





Velocidade, qualidade de conexão, preço e quantidade de pontos de acesso à internet sempre foram pedras no caminho de quem passa pelo único país comunista das Américas. Agora, se depender das promessas recentes de Raúl Castro e Barack Obama, líderes de Cuba e dos Estados Unidos, a barricada tecnológica pode cair.

Em discurso simultâneo feito em 17 de dezembro, ambos anunciaram, entre outras medidas, que provedores americanos de telecomunicações poderão instalar sua infraestrutura e exportar serviços para a ilha caribenha. Para "melhorar a comunicação entre os países", a Casa Branca disse por comunicado que quer estimular a oferta de "serviços comerciais de telecomunicações e internet" - inclusive via smartphones.

À BBC Brasil, moradores da ilha disseram que uma única hora de acesso à rede hoje pode custar até US$ 8. O valor equivale a 40% do salário mensal de 8 em cada 10 cubanos - cuja renda é de aproximadamente US$ 20 por mês.

Incomum em residências, o acesso é realizado normalmente em universidades ou espécies de lan houses estatais criadas pelo governo em 2013 - há 154 no país, segundo fontes oficiais.

Mas enquanto o Estado afirma que 25% dos cubanos têm acesso à rede, entidades internacionais de direitos humanos alertam que apenas 5% acessam a "internet total", isto é, sem restrições, páginas controladas ou bloqueadas.

De acordo com relatório divulgado em novembro pela UIT (União Internacional de Telecomunicacões), Cuba ocupa o 160º lugar em um ranking mundial que mede acesso a telefonia, banda larga, residências com internet e computadores.

A lista inclui 166 países - considerados piores que Cuba, só a Eritrea, a República Democrática do Congo, a República Centro-Africana, Chade, Mianmar e Madagascar.




Duas justificativas distintas são frequentes para explicar a dificuldade de conexão da ilha, segundo os cubanos entrevistados.

Por um lado, simpatizantes de Raúl Castro atribuem as limitações ao embargo econômico imposto pelos Estados Unidos. Outros argumentam que a má qualidade do acesso seria uma forma conveniente de dificultar o contato dos moradores da ilha com outras pessoas e com as informações em circulação.

"Posso deixar um videoclipe carregando por três horas e sei que não vou conseguir assisti-lo", disse ao #SalaSocial da BBC Brasil o documentarista cubano Ismael Perdomo, de 43 anos, que vive em Havana.

A ligação para o telefone fixo do cineasta caiu quatro vezes durante uma hora de conversa.

Criador do site Cuba24horas.com, onde publica minidocumentários como Havana-Miami: Os tempos mudam (série de histórias sobre a vida dos cubanos que vivem nas duas cidades), Perdomo lamenta que seus conterrâneos tenham "perdido muita coisa do mundo digital".

"Ter internet em Cuba hoje é mais difícil que ter telefone fixo há 30 anos no Brasil", diz. Ele se refere à época em que uma linha telefônica comum chegava a custar US$ 3 mil nas principais capitais brasileiras e demorava anos para ser instalada.

O cineasta, entretanto, defende o regime comunista que rege a ilha desde o início do castrismo, em 1959.

"A pressão financeira nos fez um país pequeno", argumenta. "Cuba precisa de muitas mudanças, mas nossa revolução foi autêntica, legítima e durou muitos anos. É uma etapa importante que passou e agora queremos alcançar o resto do mundo."

Sua opinião não coincide com a de muitos moradores da ilha - caso da espanhola Libia Pérez, que vive em San Antonio de los Baños, a 27 quilômetros de Havana. "Quem vive fora da ilha tem muito mais facilidade de se informar sobre o que acontece em Cuba do quem vive dentro", ela diz.

À reportagem, por meio de mensagens privadas no Facebook, Pérez questiona o argumento de que a internet ruim seria culpa do bloqueio. "Agora é hora de comprovar. A suspeita geral é contra o governo, que parece não querer abrir esta janela ao povo", diz.

Mas qual será o alcance local das redes sociais - reconhecidas em todo o ocidente como espaços de discussão política, críticas a governos e organização de eventos como as "primaveras" que se espalharam por vários países?

Segundo o documentarista Perdomo, elas são mais usadas como ferramentas de comunicação do que fonte de informação ou questionamento.

"Fizemos uma pesquisa local e, para a maioria dos garotos, as redes sociais são apenas espaços para conversar com amigos distantes e familiares no exterior", diz.

A conclusão foi que as redes funcionam em Cuba como um "telefone mais moderno", e não como espaço para troca de notícias e dados, diz o morador de Havana.

Nas palavras do conterrâneo Pablo Nuñez, de 19 anos, os cubanos "não tiveram chance" de criar o hábito de usar as redes como ferramenta crítica. "Com a baixa velocidade, as redes aqui servem para o básico: mandar e receber notícias, às vezes fotos, para as pessoas que amamos", diz.

Graças ao mercado negro, as redes sociais por lá acabam se tornando "analógicas": para driblar restrições, os cubanos têm o hábito de fazer circular HDs externos, CDs e até disquetes com vídeos, fotos e textos que poderiam ser questionados pelo governo ou demorar muito para serem acessados pelo computador.

O estado das comunicações digitais é complicado pelo fato de boa parte dos cidadãos usar o que se chama internacionalmente de "intranet cubana".

De acordo com o jornal Washington Post, a internet para a maioria dos cubanos se restringe a um sistema local que inclui e-mails, sites favoráveis ao governo "e um punhado de outros serviços". A "internet completa" fica restrita a estrangeiros em hotéis e universidades e alguns profissionais cubanos autorizados pelo governo.


Pablo desconversa quando questionado se poderia criticar o que não lhe agradasse no governo. "Há muitas maneiras de se mostrar o que se sente. Não precisa ser na frente do computador."

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