domingo, 16 de novembro de 2014

Ao jovem, com atraso - MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 16/11

Eu não dei a resposta certa ao estudante da UNB que me perguntou qual é a próxima grande batalha brasileira. Eu havia falado, na palestra, da longa luta contra a hiperinflação, havia mencionado como foi duro vencer a ditadura. Ao responder a ele, fiz uma lista das tarefas urgentes, e há muitas. Só que o estudante não me pediu uma lista dos erros e riscos. Ele perguntou pela nova batalha.

Deveria ter dito que a corrupção é a luta que está em curso. Não é verdade que ela apenas está mais visível porque a Polícia Federal agora recebeu do governo autonomia, e o procurador-geral não engaveta. A Polícia Federal tem excelentes quadros e é uma trincheira fundamental nesta guerra. Sua autonomia não foi doação, foi conquista. E tem sido ameaçada. O Ministério Público pertence ao país, e sua independência foi escrita na Constituição. Há procuradores-gerais mais zelosos que outros, mas o MP é maior.

Há mais investigação porque o Brasil é democrático e tem consolidado instituições, mas a corrupção aumentou sim. Quem perdeu a lição dada pelo julgamento do Mensalão, em que, dia após dia, as entranhas do bicho eram expostas ao país pelo então ministro e relator Joaquim Barbosa, tem outra oportunidade de ver como o roubo de bens públicos opera no novo escândalo que nos estarrece.

A Petrobras não consegue divulgar seu balanço porque os auditores temem assinar documentos que validem os desvios. Na mesma quinta-feira da conversa com os estudantes de economia da UNB, a estatal estava adiando pela segunda vez o balanço. Mas o pior estava por vir com as prisões e mandados de busca e apreensão nas grandes empreiteiras do país, no dia seguinte.

A Petrobras, que guarda ativos que o governo garante serem o passaporte para o nosso futuro, está sendo investigada duplamente pelas autoridades dos Estados Unidos. Por ter ações na Bolsa de Nova York, ela está sendo investigada pela SEC, a autoridade do mercado acionário. Além disso, noticiou o inglês "Financial Times", o Departamento de Justiça abriu investigação criminal sobre o pagamento de propina a dirigentes da companhia, para ver se houve algo que viola a lei anticorrupção estrangeira. Nunca antes, nunca antes.

Aqui dentro, a Polícia Federal, a Justiça, o Ministério Público registram fatos, provas e declarações sobre a mancha de óleo que se espalha sobre a empresa cuja história de sucesso os brasileiros admiram desde a campanha do Petróleo é Nosso. Os poderosos não entenderam bem o pronome possessivo. É nossa, a empresa, de todos os brasileiros. Cada cidadão é dono da companhia, ou por ser acionista direto ou por ser acionista através do Tesouro, que representa o país todo.

O assalto à Petrobras não é o único caso, mas é emblemático. É prova de que a corrupção chegou a um ponto que passou a ser o obstáculo a se seguir adiante. Ameaça a economia pelo óbvio custo maior em cada compra superfaturada e por minar a estabilidade financeira da maior empresa brasileira. Tem custos econômicos intangíveis em perda de confiança na economia, em deterioração da imagem como um país em que a corrupção pode estar se tornando endêmica. Isso afasta os bons investidores, os que querem vir a sério para o país para permanecer no nosso desenvolvimento.

Foi a semana de falar com estudantes. Conversei na PUC do Rio também sobre a luta contra a hiperinflação, com pessoas que têm a idade do real. Nada viram, sabem de ouvir dizer daquele tempo louco. A eles mencionei também a vitória contra a ditadura. Lembrei de Ulysses falando no discurso da anticandidatura de 1974 e tive que explicar a lógica do velho comandante: ignorar que a eleição era de mentira e fazer campanha de verdade. No fim do discurso, em que aceitou ser o anticandidato, ele diz que a nau iria partir e completou: "Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista. A terra limpa e abençoada da liberdade."

Caro estudante, desculpe a resposta atrasada, mas a batalha é esta. A corrupção reduz a confiança na democracia e desestabiliza a economia; ela tem o poder de solapar as vitórias que conquistamos.

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