segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O liberalismo segundo Mario Vargas Llosa -RODRIGO CONSTANTINO

26/01/2014
 às 10:55 \ Filosofia política

O liberalismo segundo Mario Vargas Llosa

Sou fã de Mario Vargas Llosa, admito. Em primeiro lugar, o escritor de romances. Adoro seu estilo, e passei bons finais de semana em sua “companhia”, deleitando-me com suas histórias elaboradas e seus personagens inesquecíveis. Mas tenho profundo respeito pelo pensador político também. Coisa rara na área de literatura, Vargas Llosa, após flertar com o socialismo, conseguiu acordar e se tornou um liberal.
Um longo texto traduzido e publicado no Estadão hoje traz sua visão acerca do liberalismo moderno, fazendo um paralelo com aquele histórico. Tenho minhas divergências com o escritor, acho que ele faz mais concessões do que eu gostaria à esquerda, enquanto eu prefiro as concessões à direita. A implicância que tem com as religiões eu também já tive, mas hoje confesso enxergar a coisa com um olhar mais amistoso.
Na era das revoluções, por exemplo, Vargas Llosa coloca os liberais do lado progressista. Diz ele:
No século 19, um liberal é acima de tudo um livre pensador: ele defende o Estado laico, quer separar a Igreja do Estado, emancipar a sociedade do obscurantismo religioso. Suas divergências com os conservadores e os regimes autoritários geram, às vezes, guerras civis e revoluções. O liberal de então é o que hoje chamaríamos um progressista, defensor dos direitos humanos (conhecidos desde a Revolução Francesa como Direitos do Homem) e da democracia.
Pode ser. Mas não vamos esquecer de que o próprio Edmund Burke, considerado o “pai do conservadorismo”, era um Whig antes da Revolução Francesa, não um Tory. Ou seja, era um liberal. Mas viu o que a Revolução Francesa representava, antecipou a virulência dos jacobinos, repudiou a tentativa arrogante de mudar tudo da noite para o dia, solapar o Antigo Regime (que ele antes combatia e ainda achava que deveria ser bastante reformado) e criar algo totalmente novo com base na Razão. Arrogância fatal, como diria Hayek.
Portanto, os liberais, ao menos os clássicos, não costumam flertar com revoluções, com mudanças abruptas que permitirão um “novo mundo”. Vargas Llosa reconhece, em parte, isso, mas acha que o liberalismo ainda fica mais perto do socialismo do que do conservadorismo:
Com o aparecimento do marxismo e a difusão das ideias socialistas, o liberalismo passa da vanguarda para a retaguarda, por defender um sistema econômico e político – o capitalismo – que o socialismo e o comunismo querem abolir em nome de uma justiça social que identificam com o coletivismo e o estatismo (essa transformação do termo liberal não ocorre em todas as partes). Nos Estados Unidos, um liberal é ainda um liberal, um social-democrata ou pura e simplesmente um socialista. A conversão da vertente comunista do socialismo para o autoritarismo impele o socialismo democrático para o centro político e o aproxima – sem juntá-lo – ao liberalismo.
Não consigo ver muita aproximação entre socialistas, mesmo os “democráticos” (se é que existem), e os liberais. Acho bem mais natural a aproximação entre liberais e conservadores de “boa estirpe”, como aqueles da linhagem de Burke. Dito isso, o alerta de Vargas Llosa sobre o risco de união com regimes autoritários, que respeitem somente a liberdade econômica, merece reflexão. Liberalismo é um pacote completo de liberdades, não apenas na economia. Diz ele:
Desta degeneração da doutrina liberal não são totalmente inocentes alguns liberais convencidos de que o liberalismo é uma doutrina essencialmente econômica, que gira em torno do mercado como uma panaceia mágica para a solução de todos os problemas sociais. Estes logaritmos viventes chegam a formas extremas de dogmatismo, e se dispõem a fazer tais concessões no campo político à extrema direita e ao neofascismo que contribuem para desprestigiar as ideias liberais e para que sejam vistas como uma máscara da reação e da exploração.
O que seriam as bandeiras liberais, então? Vargas Llosa arrisca uma definição, incluindo funções como saúde e educação, mas sem monopólios (e eu acrescentaria, por meio de vales, ou seja, sem a gestão estatal também). Eis o que ele sustenta como funções de um governo liberal:
Há certas ideias básicas que definem um liberal. Por exemplo, a liberdade, valor supremo, é una e indivisível, e deve atuar em todos os campos para garantir o verdadeiro progresso. A liberdade política, econômica, social cultural, é uma só e todas elas permitem o avanço da justiça, da riqueza, dos direitos humanos, das oportunidades e da coexistência pacífica em uma sociedade. Se a liberdade se eclipsa em apenas um desses campos, ela se encontra armazenada em todos os outros. Os liberais acreditam que o Estado pequeno é mais eficiente do que o que cresce demasiado e, quando isso ocorre, não só a economia se ressente, como também o conjunto das liberdades públicas. Eles acreditam que a função do Estado não é produzir riqueza, e essa função é melhor desempenhada pela sociedade civil, num regime de livre mercado, no qual são proibidos os privilégios e a propriedade privada é respeitada. Indubitavelmente, a segurança, a ordem pública, a legalidade, a educação e a saúde competem ao Estado, mas não de maneira monopólica, e sim em estreita colaboração com a sociedade civil.
Bebendo em Karl Popper e Isaiah Berlin, Vargas Llosa nos lembra da falibilidade humana, das verdades que mudam com o tempo (não creio que sejam todas – aprendi a dar mais valor às “coisas permanentes”, como diria T.S. Eliot e Russell Kirk), e da importância da tolerância. Alguns temas cabeludos simplesmente não nos oferecem respostas únicas, definitivas. Existem “verdades contraditórias”, ou valores incomensuráveis. Os liberais aceitam isso, e pregam uma Grande Sociedade Aberta, sempre em movimento, dinâmica, sendo construída por tentativa e erro.
Rodrigo Constantino

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