sexta-feira, 29 de novembro de 2013


Irã, Síria, Obama e a base da nova diplomacia - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 29/11

O sistema geopolítico que governa o mundo entrou há alguns meses em uma nova era. Uma formidável comoção embaralhou as cartas de uma ponta a outra do planeta. Ela abalou posições que se julgavam consolidadas e inamovíveis na Europa (Ucrânia, Rússia), na China, mas, sobretudo, no Oriente Médio.

Não é correto pensar que esse imenso alvoroço deveu-se exclusivamente à vontade de um homem ou de uma potência. Muitos indícios sugerem, contudo, que o presidente americano, Barack Obama, foi um dos atores dessa metamorfose.

Duas ações decisivas tiveram lugar nos últimos meses. A primeira é a fadiga da insurreição dos "rebeldes" na Síria, cada vez mais isolados pelas tropas de Bashar Assad que a cada dia marcam novos pontos. A segunda, a assinatura do acordo em Genebra entre o grupo P5+1 (os cinco membros permanentes do conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha) e o Irã.

Nos dois casos, Obama esteve nas manobras. Relembrando: há poucos meses, os EUA estavam resolvidos a punir o tirano Assad, fornecendo mísseis Tomahawk aos insurgentes com esse fim. Obama chegou a arrastar a França para a ideia dessa cruzada anti-Assad e o secretário de Estado John Kerry fez o papel de incendiário.

De repente, quando explodiu a crise sobre as armas químicas usadas na Síria, tudo mudou: a questão não era mais a deposição de Assad. Washington acertou a questão dos arsenais químicos sírios em estreita cooperação com o presidente russo, Vladimir Putin, sem falar com os europeus ocidentais, que ficaram decepcionados (François Hollande em especial).

A grande revolta democrática da rua síria, tão enaltecida nos dois últimos anos por todos os poetas líricos da Europa e da América, saiu das primeiras páginas. A mudança americana sobre a síria é explicável. A rebelião síria está cada vez mais contaminada por jihadistas cujo fanatismo e obscurantismo são de assustar. Mas parece haver uma outra razão. E ela deve ser buscada na outra grande virada diplomática: o acordo assinado em Genebra com o Irã. Este acerto era uma das obsessões de Obama desde sua primeira eleição.

Não foi um acaso que as duas surpresas diplomáticas deste ano se produziram quase ao mesmo momento. De fato, o acordo com o Irã não poderia ter sido assinado se, ao mesmo tempo, os EUA tivessem lançado ataques aéreos contra as posições de Assad na Síria. Nesse caso, Teerã, que apoia o regime sírio, teria imediatamente rompido a discussão com Obama.

Nesses dois âmbitos, observa-se um outro ponto em comum: o estilo solitário e quase arrogante com que Obama conduziu o caso. Na Síria, ele mudou subitamente de curso abandonando a ideia de ataques contra Assad e resolvendo o problema das armas químicas apenas com Putin. No caso do Irã, ele fez os aliados europeus acreditarem que eles estavam juntos na empreitada, mas, uma vez assinado o acordo de Genebra, Washington deixou filtrar a verdade: as discussões entre Teerã e Washington sobre o arsenal iraniano vinham ocorrendo havia meses sem que Obama julgasse útil informar outros países a esse respeito. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK


Cuidado com nossa euforia iraniana - RASHEED ABOU-ALSAMH

O GLOBO - 29/11

Os sauditas e israelenses se sentem desprezados pelo presidente Barack Obama, que, na visão deles, muda de ideia a toda hora


A cena comovente do secretário de Estado americano, John Kerry, beijando a representante da União Europeia Catherine Ashton, em Genebra, na madrugada do domingo passado, depois que os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha anunciaram um acordo inicial com o Irã sobre seu programa nuclear, deixou os céticos nervosos. No fim das contas, anunciar um acordo, mesmo provisório, é muito mais fácil do que implementá-lo. Essa foi a parte fácil.

Os negociadores deram um prazo de seis meses para a implementação das acordadas restrições ao enriquecimento de urânio pelos iranianos para no máximo 5% e a neutralização do seu estoque existente de urânio enriquecido a 20% pela oxidação ou diluição. É bom lembrar que usinas nucleares que produzem energia elétrica só precisam de urânio enriquecido a 3,5%. De acordo com a Al Jazeera America, os iranianos já possuem 196 quilos de urânio enriquecido a 20%. Eles somente precisam de 250 quilos, enriquecido a mais de 90%, para fazer sua primeira bomba atômica. Só lhes faltam 54 quilos e umas rodadas a mais nas centrífugas para chegar lá.

O acordo também estipula o congelamento no número de centrífugas usadas pelos iranianos para enriquecer o urânio. O Irã já tem dez mil máquinas operando de umas 19 mil já instaladas. Eles se comprometeram a congelar a instalação e operação de novas centrífugas nas instalações nucleares em Natanz e Fordow. (É irônico que em 2005 os iranianos estavam despostos a ter somente cinco mil centrífugas, mas os americanos insistiram em zero centrífuga.) Os iranianos também concordaram em congelar o trabalho no reator de água pesada de Arak, ainda inacabado, especificamente na instalação de qualquer componente do reator. O medo aqui é que os iranianos poderiam retirar o plutônio do combustível irradiado para fabricar uma bomba. Os iranianos concordaram em não construir uma instalação capaz de separar o plutônio. Eles ainda estavam a um ano de completar esse reator.

Os iranianos também concordaram em deixar os inspetores da Agência Internacional de Energia Nuclear fazerem inspeções diárias, em vez de semanais, em Natanz e Fordow. Acesso para as instalações onde centrífugas são produzidas e montadas também foi dado. O Irã atualmente produz 1.000 MW de energia elétrica do único reator nuclear de Bushehr. Em troca dessas concessões, o Irã terá acesso a US$ 4,2 bilhões de US$ 50 bilhões em ativos congelados pelas sanções dos EUA e UE contra o país. O Irã também vai poder importar insumos para sua indústria automobilística e para suas linhas aéreas. Estima-se que isso vá gerar renda de US$ 1,5 bilhão. A exportação de petróleo vai ficar severamente restrita ao seu nível atual de um milhão de barris por dia, muito abaixo de suas exportações de três milhões de barris diários antes das sanções.

Os dois países mais aborrecidos com o acordo de Genebra foram Israel e a Arábia Saudita, que vinham há meses levantando o alarme sobre as ambições expansionistas do Irã, mas com pouco sucesso. Ficamos sabendo que Kerry iniciou contatos secretos com os iranianos através do seu vice-secretário William Burns desde março deste ano, em Omã, antes mesmo da eleição do presidente iraniano Hassan Rouhani. Isso deixou os sauditas e israelenses furiosos e se sentindo traídos. Os israelenses ficaram sabendo dos contatos pelos sauditas, isso depois de muita especulação que Israel e Arábia Saudita estavam mantendo contatos a fim de deixar Israel usar o espaço aéreo saudita se precisasse bombardear as instalações nucleares iranianas. É claro que o governo saudita negou isso publicamente, mas é interessante ver como o inimigo (Israel) do inimigo dos sauditas (Irã) virou um aliado.

Para o governo de Israel, especialmente o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, a possibilidade de um ataque iraniano nuclear contra Tel Aviv virou uma ameaça existencial desde as promessas estúpidas do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad de exterminar o estado de Israel. Para os sauditas, os massacres incessantes de civis inocentes pelo regime de Bashar al-Assad, apoiado militarmente e financeiramente pelo Irã e pelo Hezbollah do Líbano, são insuportáveis. Por isso, os sauditas rejeitaram seu assento no Conselho de Segurança da ONU e avisaram aos americanos que, depois de 70 anos de uma relação especial com eles, as coisas iam mudar.

Os sauditas e israelenses se sentem desprezados pelo presidente Barack Obama, que, na visão deles, muda de ideia a toda hora e não cumpre sua palavra. Obama prometeu intervir militarmente se houver o uso de armas químicas na Síria — a sua famosa linha vermelha —, mas nunca cumpriu sua palavra porque mudou de ideia ante a oposição do Congresso americano e pela fadiga do povo americano do envolvimento militar no Oriente Médio. Eu sou grato que Obama tenha mudado de ideia e não atacado a Síria e nem o Irã.

Mas precisamos ficar atentos e não nos rendermos prisioneiros da nossa euforia com a détente com o Irã. Obama deveria insistir que, junto com os compromissos iranianos de parar de enriquecer uranio a 20%, eles se comprometessem também a não interferir tanto na Síria, Iraque e o Bahrein. Obama não deveria ignorar as ansiedades dos sauditas e israelitas com a crescente influência iraniana no mundo árabe. Espero que ele não tenha decidido fechar seus olhos a isso somente para tentar conseguir uma vitória no seu último mandato no poder. Isso seria um grave erro estratégico. O problema é que nunca sabemos exatamente o que o enigmático Obama está pensando.

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