segunda-feira, 14 de outubro de 2013


Do mito ao fetiche - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 14/10

O conceito de consciência política é tão científico quanto o conceito de mediunidade

Em mil anos, lembrarão de nossa época como um mundo preso ao mito da política como redenção. Os medievais esperavam a redenção do mundo pelas mãos de Deus, nós esperamos a redenção pelas mãos da política, do povo, dos black blocs.

Quase nada há de científico no tratamento da política no mundo contemporâneo, mesmo no conceito de "consciência política", que é tão científico quanto o conceito de mediunidade. Teremos que esperar mil anos para nos livrarmos dessa crendice.

A rigor, quase não existe ciência política entre nós (pensando ciência como um método de observação que induz a teorias sobre os eventos observados), apenas crenças em processos mágicos carregados pelas mãos sagradas do "povo".

O pensamento mágico em política se caracteriza, entre outras coisas, pela crença numa teoria a priori da história como processo, teoria esta por sua vez carregada de significado moral autoevidente (uma espécie de pureza moral). Já ouviu falar em algo parecido? Por exemplo, crer que quebrar coisas na rua seja um ato carregado de "justiça social" é como crer na providência divina do coquetel molotov.

Dias atrás, o editorial desta Folha falava do "fetiche da democracia" para discutir a eleição direta para reitor da USP. Eu mesmo, nesta coluna, outro dia, falava dos inúmeros fetiches que marcam o debate filosófico-político entre nós, além do fetiche da democracia, o do povo, o da revolução, o das redes sociais, entre outros.

Como antídoto a essa moléstia do pensamento, proponho a leitura do livro "Mito do Estado", uma pequena pérola do filósofo alemão Ernst Cassirer.

Obra tardia na vida de Cassirer (1946), esse livro é uma espécie de testamento pessimista deste grande neokantiano. Cassirer ficou conhecido como autor de duas grandes obras em vários volumes: "Filosofia das Formas Simbólicas" e "O Problema do Conhecimento" --não sei se existem traduções delas no Brasil.

Cassirer "saiu da moda" porque pecaria por ter pensado (devido ao componente hegeliano do neokantismo) a história nos moldes de uma evolução (um tanto hegeliana) na qual passamos do modo mítico ao modo lógico-científico de pensar.

Fugindo da perseguição nazista (ele era judeu), Cassirer morre desesperado com o que ele pensou ter visto: um regresso ao modo primitivo de pensar a política, a saber, a fé num Estado (o fascista) todo-poderoso do qual emanaria a redenção da vida. Cassirer acertou em cheio.

Ainda que o fascismo naqueles moldes tenha passado (quem sabe?), permaneceu em nós a relação mágica com a ideia da política como dimensão justificada em sua violência porque redentora da vida.

Se vivesse mais, ele veria que o mito do Estado evoluiria para o mito do "povo democrático" como soberano "sábio" e "justo", pelo simples fato de nele repousar a graça da justiça social e histórica (maldito Rousseau!). Resumo este mito como "o mito da política como redenção". Puro pensamento mágico.

Quando vemos black blocs quebrando bancos, carros e lojas, sob o efeito do mito da política, procuramos nesse simples ato de violência alguma teoria política que justifique a violência. Mas não existe.

Pensar que há é semelhante aos inquisidores que pensavam existir no ato de queimar pessoas vivas um passo necessário à salvação daquelas almas perdidas.

A "inquisição das ruas" hoje pensa que nossa sociedade está perdida e precisa ser salva por tais sacerdotes da pureza política. Mas o pior é que a classe intelectual é quase toda o alto clero dessa falácia. Rirão de nós em mil anos por crermos nessa mitologia da revolução.

Daqui a mil anos verão que a Revolução Francesa (mito fundante desta seita que dá em black blocs) foi um fato desnecessário para o fim do mundo medieval. Pessoas quebrando coisas na rua não implica em melhoria política. A Argentina "vive na rua" e sua política é risível. Os EUA nunca "vão pra rua" e são a melhor democracia do mundo.

Nosso mundo contemporâneo é superficial demais para sustentar mitos, por isso prefere o fetiche do porrete como pau duro na sua marcha redentora por "um mundo melhor".


A maldição do petróleo e a educação - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA 
Em recente e concorrida cerimônia, foi sancionada a lei que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. Do mesmo modo. serão aplicados 50% do Fundo Social do pré-sal. A medida vai evitar, segundo a presidente Dilma. a "característica terrível" da "maldição do petróleo. Ela se empolgou. "Nós vamos assegurar, com esses recursos. um patamar de desenvolvimento bastante similar ao dos países desenvolvidos." Será?
A "maldição do petróleo" vem do artigo de Jefírey Sachs e Andrew Warner ("Natural Resource Abundance and Economic Growth", 1995). Eles mostraram que países ricos em recursos naturais crescem menos, pois essa fonte de riqueza tende a gerar desperdícios em meio a corrupção e a entraves burocráticos. Gastos correntes crescem em detrimento de ações na infraestrutura e no fortalecimento institucional. As políticas de desenvolvimento beneficiam grupos influentes.

Ao contrário do que se pode pensar, o êxito é possível sem amplos recursos naturais. No século XVII, a Holanda eclipsou a Espanha, então detentora de minas de ouro e prata no Novo Mundo. Entre os séculos XIX e XX, o Japão superou a Rússia rica de recursos naturais. Outro exemplo é o sucesso de Singapura. Taiwan. Hong Kong e Coreia do Sul. Há casos que não confirmam a tese daqueles autores. Na Inglaterra, o carvão mineral contribuiu para a Revolução Industrial. Os Estados Unidos enriqueceram ao tempo em que exportavam recursos naturais. No Mar do Norte, o petróleo não gerou desperdícios.

É difícil partilhar das loas da presidente Dilma à nova lei. O problema da educação não é de falta de recursos, mas de boa gestão e de prioridades, como afirmei nesta coluna. Essa é também a opinião de outro colunista e um de nossos melhores estudiosos da matéria, Gustavo Ioschpe. Cabe reconhecer, porém, que a maioria concorda com a empolgação de Dilma. Ademais, é amplo o apoio ao projeto de lei que elevaria tais gastos para 10% do PIB, mesmo que, proporcionalmente, seu nível atual (5,8% do PIB) seja próximo do observado nos Estados Unidos e na Alemanha, e supere os do Japão, da China e da Coreia do Sul.

Há quem busque provar que aplicamos pouco em educação mediante comparação dos nossos gastos por aluno com os dos países ricos. De fato, o relatório Education at a Glance 2013, da OCDE, indica que, somados os gastos públicos e privados, os Estados Unidos investem 15171 dólares por estudante: o Brasil, apenas 3067 dólares. Aí estaria, diz-se, a origem do fracasso brasileiro em educação. Por isso, remuneramos mal nossos professores e não investimos adequadamente em tecnologia. De fato, pouquíssimas escolas do ensino fundamental possuem laboratório de ciências.

Esse tipo de comparação é despropositado. Não é possível cotejar gastos públicos de países sem levar em conta as diferenças de renda per capita entre eles. O correto é fazer comparações em termos proporcionais (porcentuais do PIB). Os Estados Unidos despendem em educação 4.9 vezes mais do que o Brasil simplesmente porque são mais ricos. Segundo o World Economic Outlook. do FMI, em 2010 a renda per capita americana era de 46 811 dólares e a do Brasil de 10992 dólares, ou seja, a deles é 4.3 vezes a nossa. Por aí, também ficamos próximo deles. O relatório da OCDE mostra que os gastos americanos por estudante são 65% maiores do que a média da União Européia, mas os dois grupos exibem qualidade de educação semelhante. O critério quantitativo, como se vê, nem sempre é o melhor para aferir o desempenho de distintas políticas públicas. Será ainda menos adequado quanto maior for a distância entre as rendas per capita dos países considerados.

Precisamos revolucionar a gestão das políticas educacionais. Por exemplo, remunerar os professores por desempenho e deixar de designar diretores de escolas por interesses políticos. Enquanto essas e outras mudanças não vierem, aumentar gastos públicos pode ajudar, mas é provável que gere mais desperdícios e não contribua para melhorar a qualidade da educação. Como ensinou Cristo, "ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha porque semelhante remendo rompe a roupa e faz-se maior a rotura" (Mateus 9:16)

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