segunda-feira, 5 de agosto de 2013

NELSON RODRIGUES: O AUTOR QUE VENCEU A FAMA DE 'MALDITO'

23/08/2012
 às 7:26 \ Variedades

Nelson Rodrigues: o autor que venceu a fama de ‘maldito’

Nesta quinta-feira, o Brasil comemora os 100 anos de nascimento do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), celebrado cronista das paixões e tragédias do cotidiano. Autor de dezessete peças de teatro, nove romances e centenas de contos, Nelson foi um cruel expositor das fraquezas humanas, genial escritor de crônicas esportivas apaixonadas (“Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. Podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos”) e criador cínico de frases antológicas (“Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro”).
Mas o escritor que hoje é tido como o “Shakespeare do subúrbio” foi, por muitos anos, um autor “maldito”. Censurado por obsceno, passou a ser estigmatizado entre certos setores, como “reacionário”. Durante algum tempo, ninguém queria representar suas peças e os que se interessavam por elas as encaravam como as de um autor morto, cujo ponto de vista não precisava ser levado em conta. A censura a Nelson ia além da oficial: era odiado pela direita e pela esquerda. A primeira nunca lhe perdoou os temas crus e os personagens frequentemente escandalosos, a segunda odiava a ironia impiedosa com que Nelson vergastava sua ideologia e especialmente seus modismos.
“Eu sou um anticomunista que se declara anticomunista. Geralmente, o anticomunista diz que não é. Mas eu sou e confesso. E por quê? Porque a experiência comunista inventou a antipessoa, o anti-homem. Conhecíamos o canalha, o mentiroso. Mas, todos os pulhas de todos os tempos e de todos os idiomas, ainda assim, homens. O comunismo, porém, inventou alguém que não é homem. Para o comunista, o que nós chamamos de dignidade é um preconceito burguês. Para o comunista, o pequeno burguês é um idiota absoluto justamente porque tem escrúpulos”, declarou o autor a VEJA em abril de 1969, na primeira entrevista publicada na seção Páginas Amarelas da revista.
O autor está mesmo longe de ser uma unanimidade. Reportagem da edição de VEJA de 29 maio de 1996 criticava os que transformaram Nelson Rodrigues em uma indústria. “Existe uma razão inconfessada em torno dessa unanimidade: o sucesso. Ele se transformou numa mania porque é fácil faturar com suas obras, descaradamente escandalosas, apelativas, simplistas. Seus personagens não têm nuance, são caricaturas que cabem na televisão, na interpretação pouco experiente de atores sem formação e desacostumados a lidar com complexidades. Seus enredos se alimentam da velha alquimia monetária que junta infelicidade, sexo e violência”, dizia o texto.
O recifense Nelson Falcão Rodrigues, nascido em 23 de agosto de 1912, era uma personalidade marcada pelo paradoxo, como definiu o velho amigo Otto Lara Rezende: “Um conservador com uma obra revolucionária. Com orgulho de ser reacionário, mas um dos autores mais censurados do Brasil”. A obra de Nelson Rodrigues está repleta de personagens atormentados pelo sexo: grã-finos devassos, falsos beatos, solteironas reprimidas, pais incestuosos. Para criaturas saídas da mente do autor, o sexo antes de funcionar como um elemento de prazer mostra-se um modo de aviltar o indivíduo, ligado quase sempre à culpa e à morte. São raríssimos os personagens rodrigueanos que, como Ritinha e Edgar deBonitinha, encontram no amor uma possibilidade de redenção.
Nelson era famoso praticamente desde 1939, quando sua primeira peça, A Mulher sem Pecado, foi encenada. O grande sucesso, porém, veio em 1943, com Vestido de Noiva. Peças, romances e crônicas escritas em uma época na qual a permissividade sexual ainda era uma expressão desconhecida quase fizeram de Nelson um sinônimo de tarado e exibicionista. Fama que não tinha nada a ver com sua personalidade de homem religioso, moralista, obcecado com a ideia do pecado, da pureza e do mal. “Eu sou um pierrô romântico. Mas o romântico piegas. Não o romântico de grande estilo, não o wagneriano. E aí me veio essa vergonha de ser romântico e uma certa tendência para negar essa emotividade fácil e vagamente burlesca”, afirmou o autor a VEJA.
Em 1980, seu último ano de vida, Nelson teve todos os êxitos que poderia desejar um autor perseguido anos a fio com a fama de “maldito”: sua última peça, A Serpente, foi encenada com brilho no luxuoso teatro do BNH, no Rio, e em São Paulo, A Falecida ficou o ano inteiro no Teatro Popular do Sesi. No cinema, Os Sete Gatinhos, baseado em sua peça de mesmo nome, ficou entre as primeiras bilheterias nacionais, enquanto rodavam 3 outras produções extraídas de textos de Nelson. Saudado pelos críticos como maior autor teatral do Brasil, Nelson tinha chegado ao ponto em que mesmo seus inimigos – ainda muitos – reconheciam que era um gênio. Morreu a 21 de dezembro, um domingo, de complicações respiratórias, cardíacas e cerebrovasculares, após 11 dias de internação.
Poucos escritores brasileiros tiveram, como Nelson, uma visão tão genuinamente trágica da existência. Obcecado pela ideia da morte desde a infância, Nelson várias vezes faltou a escola para assistir a velórios. E o autor várias vezes conviveu com a tragédia: adolescente, ouviu o tiro da mulher que assassinou seu irmão Roberto, quando pretendia matar seu pai, que a caluniara na redação do jornal A Manhã. Outro irmão, Paulo, morreu com toda família no Edifício das Laranjeiras, que desabou com as enchentes de 1967 no Rio. Um de seus filhos, Nelson Rodrigues Filho, foi um dos últimos presos políticos a deixar a prisão, em 1979.
Basta observar alguns personagens-chave da obra de Nelson Rodrigues. Herculano, de Toda Nudez será Castigada é casto e “todo casto é obsceno”. Dr. Werneck, de Bonitinha, mas Ordinária, milionário debochado e corruptor completo, ainda assim suplica à mulher, em seus momentos de angústia, que ela admita: “Diga que eu sou bom”. Boca de Ouro, malandro carioca, bicheiro arrogante e valentão, traz no fundo o complexo hediondo de ter nascido numa pia de gafieira. Arandir, de Beijo no Asfalto, beija um moribundo, por piedade humana, e esse ato arruína sua vida – um jornal sensacionalista passa a ridicularizá-lo como homossexual. Todos eles, enfim, um pouco como o próprio Nelson, eternamente dividido entre o horror e a santidade, entre o amor à humanidade e a crença exausta de que ela está condenada.

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