sábado, 6 de julho de 2013

GENETON MORAES NETO: '

As confissões de Pedro Simon : a decisão de dar adeus ao Senado, o diálogo decisivo com um arcebispo num momento de dor e a lembrança da madrugada em que o Presidente da República foi derrubado

sáb, 06/07/13

por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas



Pedro Simon: a hora de bater em retirada
O senador Pedro Simon deu um susto em seus assessores. Nunca tinha feito uma declaração pública sobre se iria ou não sair de cena, depois de quatro mandatos no Senado Federal. Resolveu fazer, sem aviso prévio, na entrevista que gravei com ele para o DOSSIÊ GLOBONEWS  ( vai ao ar neste sábado, às 21:05, com reprise no domingo, às 17:05 ).
Decidido: Simon não disputará a eleição de 2014. Acabou o suspense. Fez as contas: completará 85 anos de idade justamente no mês em que termina o atual mandato – janeiro de 2015. Resolveu que chegou a hora de dar por encerrada a trajetória no Senado. Quer passar adiante o bastão. A não ser que haja alguma improvável reviravolta, o nome de Pedro Simon não voltará a aparecer nas cédulas eleitorais gaúchas.
O trecho da entrevista em que o senador surpreendeu os assessores  Luiz Fonseca e Luiz Cláudio Cunha :
O senhor já decidiu se vai ou não disputar um novo mandato em 2014 ?
Simon: “Termino meu mandato – são sessenta anos de vida pública – no dia 15 de janeiro de 2015. Neste dia, faço 85 anos. É uma determinação do destino. Não vejo muita lógica em ser candidato com quase 85 anos. Há gente nova, brilhante e capaz. Mas não vou largar a política. Vou ajudar o meu partido, como soldado raso ou seja como for. Mas não pretendo”.
Já se pode dizer, então, que o senador Pedro Simon vai sair de cena, pelo menos no Congresso Nacional. O senhor sai de cena frustrado ou feliz com o que fez ?
Simon: “Eu saio feliz. Tive grandes missões, grandes responsabilidades. Sempre fiz o que podia fazer. Não fui herói, não fui santo. Mas, dentro da capacidade relativa que eu tinha, o que podia fazer eu fiz. Sinceramente. Duvido que tenha no Brasil um político que tenha trazido mais políticos para a classe política do que eu. É o que passei a vida fazendo, porque achava que era importante”.
Ouvir Pedro Simon é testemunhar um orador em ação. Homem despojado, sabidamente alheio aos apelos das vaidades vãs, o senador pode, no entanto, bater no peito para se vangloriar de uma façanha:  é perfeitamente capaz de falar em silêncio. “Mas como é possível ? ” – perguntará algum observador ingênuo. É possível, sim : quando sobre à tribuna – ou quando se confessa diante de um repórter, como faz agora, no gabinete que ocupa na ala Alaxandre Costa do Senado Federal -, o senador transforma em arte a habilidade de pontuar as frases com silêncios dramáticos. E os silêncios completam o que ele diz. Deve ter sido sempre assim, desde os tempos em que exercia seus dotes oratórios como advogado.
Os silêncios dramáticos do senador, aliás, nunca vêm sozinhos, mas acompanhados de gestos típicos:  quando se cala entre uma frase e outra, Simon faz um ar contrito, como se estivesse sofrendo em busca de alguma palavra que lhe tenha escapado. Balança as mãos,  como se estivesse espanando o vazio. Franze a testa, como se estivesse preocupado. Fixa os olhos claros em algum ponto do chão, como se estivesse distante de tudo. Pronto. Emoldurada por este gestual, a figura do Pedro Simon clássico estará completa. É inconfundível. Ah, fiel ao gauchês, volta e meia subtrai o “s” dos plurais.
O político que venera São Francisco de Assis fez uma espécie de voto de pobreza:  passou os bens para os filhos. Teve fôlego para enfrentar os sacrifícios de uma peregrinação a pé pelo sertão nordestino, rumo ao santuário erguido em homenagem a São Francisco em Canindé, no Ceará, porque queria experimentar a penitência, o cansaço, o jejum.
A entrevista do senador terminou se transformando numa mistura de memória política com memória pessoal.  Simon não se incomoda de falar da dor que cintila, renitente, em algum ponto de suas lembranças desde aquele fim de semana maldito de 1984, em que perdeu o filho Matheus num desastre de carro. É capaz de comover o interlocutor quando descreve a conversa decisiva que teve com o então arcebispo de Porto Alegre, o cardeal Dom Vicente Sherer, dias depois da morte do filho. Da conversa – que durou horas – saiu um Simon reconvertido, pronto para a caminhada que o levaria, um dia, a caminhar pelos sertões nordestinos em busca do santuário onde, longe dos holofotes, pôde venerar o ideal franciscano de despojamento.
Um trecho da entrevista, em que o senador fala dos últimos momentos de João Goulart na Presidência da República :

A MAIS LONGA DAS NOITES : JANGO SE VÊ À BEIRA DO ABISMO

Um mês antes do golpe de março de 1964, o senhor ouviu um desabafo do ainda presidente Joçao Goulart sobre as cobranças que ele vinha sofrendo para apressar as chamadas reformas de base. Em que termos foi feito este desabafo ?
Pedro Simon: “Já foi no final. Jango marcou com a gente às dez da noite no Palácio do Alvorada. Chegamos lá às dez. Quando ele chegou, era meia-noite. Ficamos até as seis da manhã. E ele desabafou. Começou a “chorar”, magoado. Disse: “Pelo amor de Deus, será que eu mudei, será que não quero fazer as coisas ? Mas estou cercado de tudo que é lado ! É a Igreja, é o poder militar, são os empresários, é a mídia, é até a classe média – uma campanha de rebelião ! E alguns querem que eu faça tudo como projetamos ! Que eu faça cem por cento assim. Não dá! Se eu fizer, caio na hora ! O que estou propondo, o que estou discutindo é o que vamos fazer. Por exemplo: reforma agrária. Nós vamos fazer trinta por cento do que prometemos. Quando chegar a hora de imp´lantar, eu boto mais vinte. Quem vier depois não voltará atrás. Vai ter de caminhar adiante”. É o que ele dizia”.
Qual era a queixa mais séria que o então presidente João Goulart fazia em relação à falta de apoio político que ele tinha ?
Pedro Simon: “Todas as forças – desde as reacionárias, as extremistas – até forças – digamos assim – conservadoras que nunca tiveram participação em radicalismo e em golpe dessa vez estavam todas fechadas. A Igreja, com aquela campanha de “Deus, pátria e família” tinha se movimentado de tal maneira que era quase uma unanimidade. A imprensa toda ! A classe empresarial, os industriais – toda. Faltou alguém ? E o Exército, as Forças Armadas.
Jango estava reduzido a uma base de esquerda, rachada em dez tipos de decisões :”Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo” . E o outro lado estava unido e coeso de uma maneira total”.
O senhor testemunhou um momento dramático : o instante em que o então presidente João Goulart decidiu que não iria lutar para permanecer na presidência. O que é que ele disse, exatamente ?
Pedro Simon: “Ficamos no aeroporto, em Porto Alegre, de meia-noite às duas e meia da madrugada, quando o avião de Jango chegou. Fomos todos para a casa do comandante do III Exército – que disse: “Presidente, estou à sua disposição. Nós – do III Exército – estamos aqui. A decisão é sua !”.
Brizola já estava insistindo em fazer um movimento. Brizola queria que Jango o nomeasse ministro da Fazenda e nomesse o general Ladário Teles, comandante do III Exército, como ministro da Guerra, para começar, naquela madrugada, a caminhar. Deu para sentir que Jango não tinha nenhuma simpatia pela nomeação de Brizola como ministro da Fazenda. Em Ladário ele confiava, mas dava para ver que Ladário não era um daqueles generais de convivência com o presidente da República. Não tinha uma credibilidade, não era um nome de força que pudesse representá-lo em muita coisa. Representava porque estava no comando do III Exército”.
O senhor diz que, neste encontro com o Presidente João Goulart, Leonel Brizola pediu para ser nomeado ministro da Fazenda e o general Ladário, ministro da Guerra. Por que exatamente Brizola queria ser ministro da Fazenda, naquelas circunstâncias ?
Pedro Simon: “Você faz uma pergunta que cada um responderia de um jeito. Vou responder com a interpretação que tenho, mas com certeza absoluta : ali, naquele momento, para ser uma coisa para valer, se Brizola assumisse o ministério da Fazenda não por convite de Jango mas por imposição própria e se o general Ladário assumisse o ministério da Guerra, haveria um movimento em que Brizola é que assumiria o comando. Caso contrário, se ele fosse, por exemplo, ministro da Justiça, não iria ter um tostão, não iria ter poder nenhum. Mas ele como ministro da Fazenda, com o ministro da Guerra ao lado, poderia tentar fazer alguma coisa. Isso deve ter assustado um pouco Jango : até que ponto Brizola iria nessa caminhada”.
Que reação o presidente João Goulart teve quando soube que a presidência da República tinha sido declarada vaga ?
Pedro Simon: “A reação de Jango foi de profundo abatimento. Digo uma coisa interessante: Jango não estava com fisionomia de derrotado ou de medo ou de temor. Estava com uma fisionomia firme”.
Alguém tentou convencer o presidente João Goulart, além de Leonel Brizola, a resistir ?
Pedro Simon: “O ímpeto de resistir existia. O que deixava a gente preocupado era quando Jango dizia: “Eu sei que a Sétima Frota está ali do lado, pronta para intervir, querendo intervir ! Pelas informações que a gente tem, ela quer fazer tudo para intervir, porque acha que este é o momento de fazer a limpeza que quer fazer no Brasil. E não sei se temos condições de resistir”. Isso deixava a gente também assustado. Uma coisa muito interessante é que, no início, a reunião foi democrática. Ficamos todos na sala de estar do comandante do III Exército. Havia um hall de entrada grande. Estava todo mundo ali. Depois, alguns foram para a sala de jantar. Em seguida, foram para o quarto do comandante. E,no fim, estavam Jango, Brizola e já não lembro quem no banheiro. E aí nunca mais vi Jango – que saiu pelos fundos e foi embora”.
O senhor confirma, então, que o ainda presidente João Goulart tinha informações sobre a iminência de uma intervenção americana no Brasil, em 1964? O senhor ouviu referências de Joáo Goulart a este perigo ?
Pedro Simon: “Nesta madrugada, na casa do comandante do III Exército, Jango foi enfático: “Estão ali – preparando”. E, no Palácio do Alvorada, quando estivemos com ele, Jango disse a mesma coisa.Sõ não disse tão enfaticamente : “Estão aqui, esperando para entrar”.
É historicamente correta a afirmação de que o então presidente João Goulart não resistiu exclusivamente porque queria evitar derramamento de sangue ?
Pedro Simon: “Absolutamente certo. Jango sentiu que as coisas estavam se precipitando. Ia ser algo muito grave – que fugiria do controle”.
O senhor chegou a ouvir alguma referência do então presidente João Goulart sobre o medo que ele tinha de que houvesse derramamento de sangue no Brasil ?
Pedro Simon: “Jango disse que não estávamos preparados para um golpe de estado. Ficou convencido de que a frota americana estava “ali do lado” e a guerra civil seria uma realidade. Eu diria com toda sinceridade que Jango teve coragem. Não foi um ato de medo : teve o peito de dizer : pago um preço mas não quero ver o que pode acontecer com o Brasil”.
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