Populismo penal - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO - 19/07
Aprovado com alarde pelo Senado e saudado pela presidente Dilma Rousseff como uma resposta à "voz das ruas", o Projeto de Lei 5.900/13, que tipifica a corrupção contra a administração pública como crime hediondo, foi classificado por criminalistas e especialistas no combate aos crimes de colarinho-branco como "inócuo" e "populista". O projeto já foi enviado para a Câmara e deve ser submetido ao plenário ainda esta semana.
"É uma medida de populismo penal. O projeto dá uma certa satisfação à opinião pública, mas é pura ilusão. Não é estabelecendo uma tipificação mais dura que se resolve o problema", diz o jurista Renato de Mello Jorge Silveira, chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade do Largo São Francisco (USP).
"Hediondos são os senadores que aprovaram o projeto. Isso é surfar na onda das manifestações de protesto, querendo usar o Código Penal como prancha", afirma o criminalista Técio Lins e Silva.
Segundo os criminalistas, se a corrupção se alastrou para todas as instâncias da administração pública, isso não ocorreu por falta de rigor da legislação penal vigente, mas por falta de determinação política para aplicá-la efetivamente. "O que combate a corrupção é a mudança de práticas, o controle adequado e políticas públicas que não transijam com a malandragem", adverte Lins e Silva.
Em outras palavras, se a presidente da República e os parlamentares quisessem realmente moralizar a máquina governamental, o mais sensato teria sido manter a legislação penal em vigor e propor a revogação dos dispositivos que dificultam a condenação, pela Justiça, de governantes e políticos processados por crimes de peculato, concussão e corrupção ativa ou passiva, dizem os criminalistas.
O que faz os corruptos recuarem não é o tamanho da pena, mas o risco de terem de cumprir pena, afirmam. De que adianta aumentar as penas, se as possibilidades de os condenados irem para a prisão são pequenas?
Entre os deputados que poderão votar o Projeto de Lei 5.900/13, por exemplo, quatro - Pedro Henry (PP-Mt), Valdemar Costa Neto (PL-SP), José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) - foram condenados por envolvimento no escândalo do mensalão e aguardam o julgamento de recursos impetrados para reduzir as penas e evitar seu cumprimento em estabelecimento penal. Como o Supremo Tribunal Federal ainda não concluiu o julgamento da Ação Penal 470 em caráter definitivo, do ponto de vista formal nada impede os quatro de participar da votação - ainda que do ponto de vista ético ou moral isso seja uma aberração.
Criminalistas, procuradores e magistrados lembram, ainda, que outras medidas legislativas que endureceram a legislação penal, como a transformação do homicídio qualificado, do estupro e do sequestro em Crimes hediondos, não resultaram na diminuição desses delitos.
A pressa do Senado em votar o Projeto de Lei 5.900/13 foi tanta que os senadores se esqueceram de definir quais os casos de corrupção que poderão ser tipificados como hediondos. Do modo como o projeto foi aprovado, receberão o mesmo tratamento tanto um empreiteiro mancomunado com um ministro de Estado fraudando uma licitação quanto o guarda de trânsito que recebe propina para não multar um veículo parado em local proibido.
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