terça-feira, 2 de julho de 2013

CAIO BLINDER> 'RABISCOS EGÍPCIOS'

Rabiscos egípcios

Catarse no Cairo
Existe uma convulsão política no Egito, assim como uma catarse emocional. O Exército na segunda-feira deu um ultimato de 48 horas para o presidente Mohammed Mursi resolver a crise. Em meio à contagem regressiva, os diversos atores na crise preferem dizer que a iniciativa não tem cheiro golpista ou um golpe em câmera lenta. A ideia é que o ultimato sirva para ultimar negociações.
Mas, o prazo é exíguo. Enquanto isto, uma massa furiosa nas ruas quer simplesmente derrubar este governo da Irmandade Muçulmana com um aninho de vida, mas não parece interessada e muito menos capacitada na governabilidade. Aqui, muito em comum com os brothers muçulmanos.
Fica mais claro agora o que significa catarse emocional? A praça é novamente do povo, mas de quem será o futuro do país? Sobre a convulsão, eu posso até ser um pouco cínico, mas sem muita paciência para as turmas do bem-que-eu-avisei ou revolução-é-assim-mesmo-como-omelete-antes-é-preciso-quebrar-os-ovos. Avisos saudosistas da esclerosada ditadura de Hosni Mubarak? Torcida por uma guerra civil?
Claro que seria complicado, vai ser complicado. O povo furioso, a Irmandade inepta no governo, embora pródiga para ter controle absoluto, os islamistas ainda mais islamistas achando que Mursi concede demais e outros religiosos acusando a Irmandade de manipular a religião para seu ganho político. E os militares sempre na espreita. Estão aí há um tempão, desde que Mursi tinha um aninho, não de governo, mas de vida, no golpe de 1952. O poder formal é da Irmandade, mas existe ainda o chamado “estado profundo”, formado pelo aparato de segurança e a burocracia que zelam por seus próprios interessses.
Este negócio de passagem do poder no Egito, no coração da Primavera Árabe, não é protocolar como em uma Dinamarca da vida (na verdade há poucas Dinamarcas no mundo). Dinamarca nos remete sempre à frase de Shakespeare que qualquer ignorante sabe citar (até eu), aquela sobre algo de podre no reino (no caso, do Egito).
Um acadêmico dito como muito respeitado no país, Khaled Fahmy, professor da American University no Cairo, escreveu no Facebook (onde mais?) o atestado de óbito da Irmandade Muçulmana, resultado mais de ferimentos autoinfligidos do que das táticas espertas e resolutas de uma oposição catártica.
Mursi é ruim de governo em um país com situação péssima. E com esta autópsia, quem vai querer cuidar do cadáver, embora seja prematuro este atestado de óbito da Irmandade Muçulmana? Faria sentido a Irmandade sacrificar Mursi, entregar alguns pontos para a massa furiosa e para os militares, se reposicionando para dias melhores.
Seria o ideal para o Exército, que assim cumpriria seu papel de árbitro da nação ou que a gente também conhece como poder moderador. Para os militares, até que foi um bom negócio ficarem, na medida do possível, sem uma atitude vistosa na transição da decomposição do regime  Mubarak para esta aparente decomposição em curso do governo Mursi, o primeiro eleito democraticamente na história do país. Houve o entreato de 16 meses, da queda da Mubarak ao sucesso eleitoral de Mursi, no qual os militares exerceram diretamente o controle das coisas.
Mas muito melhor é o pacto com o “novo” Egito. Foi bom negócio literalmente, pois os militares mantiveram seus privilégios,enquanto o povo furioso (no meio dele também islamistas) tinha alguém para culpar pelos problemas (o presidente islamista), ao invés dos militares. Não me parece tentador aos militares darem um golpe e assumirem o poder frontalmente. Interessa mais dar as cartas.
Muito vai depender do que acontecer nas próximas horas ou dias. A checar, o vigor desta massa furiosa, mas também a disposição de resistência do núcleo duro da Irmandade Muçulmana. Caso não haja perspectiva de entendimentos básicos ou concessões, aí sim os militares poderão fazer o que fazem com frequência em regimes não democráticos ou sob precária transição para alguma coisa. Na falta de esperança, a palavra-de-ordem acaba sendo a dita cuja: ordem

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O ESTADO POLICIAL AVANÇA - RAFAEL BRASIL

O estado policial do consórcio PT STF avança contra a oposição. Desde a semana passada, dois deputados federais tiveram "visitas" ...