terça-feira, 25 de junho de 2013

GILLES LAPOUGE: 'BRASIL NÃO JOGA JOGO PREVISTO PELOS TEÓRICOS DA POLÍTICA

Brasil não joga jogo previsto pelos teóricos da política - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 25/06

Seria uma grande presunção ousar emitir uma opinião sobre as manifestações que se multiplicam no Brasil, a 8.820 quilômetros de Paris. E, por outro lado, hesitamos em acrescentar um comentário aos milhares de comentários que os jornais, os políticos, os policiais, os jogadores de futebol ou o público brasileiro vêm fazendo há dias sobre os tumultos que sacodem as ruas de São Paulo, Rio e Belo Horizonte.

Falemos antes da reação dos franceses, que mal podem acreditar no que estão vendo e ouvindo. É que, neste século em que o telefone, a internet e a tecnologia digital anularam a dimensão do tempo, as notícias continuam lentas, são pouco aprofundadas e estão sempre atrasadas. Os franceses, muito mal informados pelos seus jornais e crentes de que o Brasil é sempre o país do "milagre econômico", da magia Lula, do crescimento de dois dígitos, estão atônitos: como é possível que esse "milagre" tenha se transformado, de uma hora para a outra, sem nenhum aviso, não em um inferno, mas em um problema, um perigo? Os comentários dos jornais franceses são numerosos, confusos e moderados. Não têm noção da dimensão da situação, e isso é compreensível. A ciência política não dispõe de instrumentos que expliquem choques da magnitude do atual. Nem Tocqueville nem Karl Marx nem Raymond Aron nos ofereceram as chaves desses movimentos. O Brasil "não está jogando o jogo" previsto pelos teóricos da política.

Que negócio é esse de ausência de liderança, de inexistência de preparação, de doutrina ou estratégia, de comandos de elite, de bazucas, e que faz tremer o poder? Em vão pesquisamos toda a biblioteca política; revoltas assim não são catalogadas, a menos que remontemos à Idade Média, quando, de tempos em tempos, a Europa era sacudida por febres espontâneas, por revoltas camponesas que atiravam os pobres, os esfomeados e os intelectuais sem emprego contra os castelos.

É esse aspecto que permite aos comentaristas europeus associar as revoltas que se sucedem no mundo há três anos. As convulsões que agitam as nações neste período apresentam duas características comuns: a espontaneidade e a imprevisibilidade.

E aqui está o paradoxo: jamais as polícias e os governantes estiveram melhor informados. Os Estados hoje se parecem com o Big Brother de George Orwell. Os dirigentes dispõem de uma "radiografia" permanente e instantânea das ações de seus administrados e de seus pensamentos mais íntimos graças à internet e aos serviços de segurança. Mas essas "grandes orelhas" não conseguem captar nada. Um belo dia, uma rua se inflama de repente, por si própria, e o fogo incendeia todo um povo.

Foi o que aconteceu nos países árabes. Para que a Tunísia explodisse foi preciso que um desempregado se imolasse. Dias mais tarde, o Egito pegava fogo; em seguida, foi a vez da Líbia. Meses mais tarde, as ruas sírias desafiaram Bachar al Assaf, em seguida, a Turquia, e agora o Brasil.

Ocorre que cada um desses sismos é específico. Os líbios se revoltaram contra um feroz ditador, Kadafi. Os turcos querem derrubar um primeiro-ministro poderoso e eficiente, escolhido por vias legais, mas tentado a reinstaurar um Islã obsoleto. A Síria se ergue contra um governante sanguinário. Entretanto, não devemos confundir essas revoltas. É verdade que todas obedecem a esse novo modelo: espontaneidade e anonimato, experimentado uma primeira vez em Paris, em maio de 1968, e ignoram todos os alfabetos clássicos da luta política.

Seus efeitos não são sempre positivos: as "primaveras árabes" geraram desastres econômicos ou retrocessos políticos, como o despertar dos "islamismos" mais obscuros. A revolta dos sírios deu origem a uma guerra sangrenta. Na França, maio de 1968 (de cunho esquerdista) garantiu o retorno da direita por longos anos. Portanto, não devemos confundir todos esses levantes entre si nem suas causas nem suas estratégias e efeitos. Mas elas têm um ponto em comum. Todas dizem aos dirigentes: "Não bebam o nosso sangue, não se comportem como ladrões, não entreguem as chaves da casa aos arrombadores. As pessoas estão cansadas; é verdade, elas parecem passivas e resignadas, mas um dia despertarão e o poder estará ameaçado. Governantes, tenham medo!" / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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